3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Uma imensa, gigantesca bobagem, uma bela, deliciosa, engraçadíssima diversão – até mesmo para quem, como eu, não viu nada da série original de TV, criada por Mel Brooks e Buck Henry em 1965.
Deve ser seguramente ainda mais gostoso para quem conhece a série da TV – que o TCM tem exibido, mas, infelizmente, numa versão dublada; caixas com as várias temporadas da série estão disponíveis nas locadoras. Mary, que via a série, diz que o clima, o espírito da coisa está todo lá. Mas, de fato, não tem pré-requisito: o filme independe disso.
É uma grande farra. Tem toda a marca registrada de Mel Brooks, o humor escrachado, desavergonhado, pastelão, mas recheado de piadinhas de texto, gozações com filmes, com situações políticas, com as instituições americanas, com o caos do mundo, os ditadores malucos como o da Coréia do Norte, as armas nucleares se espalhando pelo mundo pós-guerra fria.
A série original, dá para saber mesmo sem ter visto nada dela, era um produto da guerra fria. Na história criada por Brooks e Henry, uma organização secreta do governo americano, chamada Controle (usa-se tudo em caixa alta, maiúsculas), estava sempre em luta contra uma organização secreta soviética chamada Kaos (também tudo em maiúscula). Existiam a CIA e a KGB, mas além delas havia essas outras agências. Na Controle trabalhavam Maxwell Smart, o Agente 86, e a bela Agente 99. Era 1965, pouco depois da crise dos mísseis soviéticos em Cuba, a guerra fria tinha chegado bem perto de virar a Terceira Guerra Mundial, e os Estados Unidos, embora já estivessem lutando no Vietnã, ainda não estavam atolados lá até o pescoço, e então a época era boa para rir das trapalhadas de um agente secreto bobalhão, desastrado, trapalhão, mas que no final conseguia vencer.
1965, Agente 86, Agente 99 – tudo a ver com o agente 007, é claro. O agente de Sua Majestade com permissão para matar criado por Ian Fleming tinha estreado no cinema em 1962, com O Satânico Dr. No/Dr. No, de Terence Young, na pele elegantérrima de um jovem Sean Connery. O Agente 86 criado para a TV americana era assim uma espécie de James Bond batido no liquidificador com o trapalhão interpretado por Jerry Lewis em vários filmes, ou com o Inspetor Clouseau de Peter Sellers, surgido em 1963.
Como James Bond, o Agente 86 tinha um monte de gadgets, geringonças malucas criadas pelos pesquisadores do Controle; muito antes dos celulares, ele usava o sapato como telefone portátil; a caneta tinha o poder de fazer outras coisas além de escrever. E ele usava um carro esporte vermelho cheio de aparelhinhos para ajudar nas missões. Para chegar à sede do Controle, descia-se num elevador para um profundo subsolo e atravessavam-se portas e mais portas e mais portas de segurança total.
Uma boa atualização da história
Sim, mas como fazer um filme com o Agente 86, o Controle, em 2008, quase 20 anos após o fim do império soviético, e portanto da Guerra Fria? Os roteiristas Tom J. Astle e Matt Ember resolveram de forma simples e inteligente esse problema – e criaram uma trama extremamente divertida, que mistura humor e muita ação, para agradar às grandes platéias.
O filme abre – com brilho, e num ritmo acelerado, ágil – com Maxwell Smart (Steve Carrell) acordando e indo para o trabalho, enquanto vão rolando os créditos iniciais; ele chega a um prédio de Washington onde estão expostos o carrão vermelho, o sapatofone, o terno igual ao usado pelos agentes; uma guia está conduzindo um grupo de turistas pelo salão, e explicando a eles que as coisas expostas naquele museu reconstituem o que foi o Controle, o serviço secreto que havia sido desmantelado com o fim da guerra fria.
Só que – tcham-tcham-tcham-tcham… – o Controle não foi desmantelado coisa nenhuma. Maxwell Smart toma o elevador que despenca para 16 andares abaixo, no subsolo, e lá está o quartel-general do Controle. A agência secreta continua combatendo a Kaos, não mais soviética, mas ainda russa, que, agora, nestes tempos pós-comunismo, não é mais uma agência governamental, e sim da iniciativa privada, dedicada a vender armas nucleares para terroristas e ditadores de todos os continentes e aos chantagistas internacionais. O chefão da Kaos chama-se Siegfried (feito pelo grande Terence Stamp), um lunático esperto, apaixonado pela Ode à Alegria, o quarto movimento da Nona de Beethoven.
Smart ainda é um pesquisador, o melhor da agência, mas está prestes a afinal tornar-se um agente de campo. E sua primeira missão será ir à Rússia tentar liquidar os negócios de Siegfried, ao lado da Agente 99 – uma Anne Hathaway belíssima. A relação dos dois, é claro, é óbvio, será o da gata e o rato – muito desentendimento, ela muito mais esperta e boa de serviço que o novato, ele metendo-se em mil confusões e sendo salvo por ela, para no fim acabarem, como todo mocinho e mocinha… o quê? Um tostão furado para quem adivinhar.
Piadas e ação em ritmo enlouquecedor
Há uma piada por minuto, num ritmo enlouquecedor. Lá pelas tantas, por exemplo, o principal auxiliar do vilão Siegfried lamenta que o chefe tenha escolhido Los Angeles para explodir uma bomba atômica – logo a cidade das estrelas de cinema. Ao que Terence Stamp, com uma cara de enfado, responde com algo do tipo: “É. Como vamos fazer sem o sarcasmo da crítica social dos filmes deles?” Há trocadilhos com filmes e situações – um agente do serviço secreto presidencial diz, por exemplo, the fabulous bakery boys, referindo-se a uma padaria, bakery, que servia de fachada para os negócios de Siefried, mas que faz lembrar The Fabulous Baker Boys, o título original do filme Susie e os Baker Boys, com Michelle Pfeiffer e os irmãos Jeff e Beau Bridges.
Há tremendas gozações com a Casa Branca, o presidente americano, o vice, as disputas internas entre os diversos órgãos governamentais tipo CIA e FBI e serviço secreto. Tudo é motivo de piada.
O diretor Peter Segal criou diversas situações para se valer da beleza de Anne Hathaway; numa festa na Rússia, ela aparece com um belo vestido com um corte lateral que permite diversas tomadas em que vemos as coxas da moça. (Não há exagero, apelação; ao contrário, as tomadas são bem rápidas; os voyeurs ficarão desapontados.) Em seguida ela e o Agente 86 têm que se esgueirar no chão para escapar de letais raios tipo laser, ela na frente, ele atrás, e ela reclama: “Você está olhando a minha bunda?” Como se fosse possível não olhar. (Ele responde: “Não, não, eu… Eu estava, mas não estou… Estou olhando de novo.”) Há diversas piadinhas com insinuações sexuais, algumas bobas, algumas boas, todas engraçadas.
Essa seqüência dos Agentes 86 e da 99 no meio dos feixes de raios vermelhos, é bom que se diga, é a reconstituição quase exata de um episódio que está no filme Armadilha/Entrapment, de 1999; não está ali de graça; é uma homenagem a Sean Connery, mais elegante e charmoso ainda depois de deixar para trás o 007 e viver outras aventuras – a do filme citado, ao lado de Catherine Zeta-Jones.
No meio de uma impagável perseguição de carro (eles adoram uma perseguição de carro), um garotinho tenta chamar a atenção da mãe para o que está acontecendo ao lado – o Agente 86 está flutuando a poucos centímetros do carro da família e a mãe não está vendo:
– “Mãe! Mãe, mãe, mãe, mãe, mãe!”
E ela: – “Sean, Sean, Sean, Sean! Viu como é insuportável essa repetição?”
É assim direto e reto – uma piada atrás da outra.
Uma profusão de homenagens à série original
O iMDB enumera diversas conexões entre o filme e a série de TV – pequenas homenagens que o filme prestou aos criadores e atores do original. Eis algumas elas:
* O nome da companhia aérea que leva os Agentes 86 e 99 à Rússia se chama Yarmy Internacional. Yarmi era o sobrenome real de Don Adams, o ator que fez o Agente 86 na série original;
* Na primeira seqüência em que 86 encontra a 99, na rua, eles estão perto de um cinema que exibe um filme chamado Ship of Spies, o nome de um episódio da série original;
* Há referências a três carros mostrados na série de TV – um Sunbeam Tiger, um Karman Ghia e um Opel GT;
* Nos créditos iniciais, aparecem clips dos vilões da série de TV;
* James Caan, que faz o papel do presidente americano, era muito amigo de Don Adams, o agente 86 original;
* A mulher na foto que fica sobre a mesa do Chefe (interpretado pelo velho e ótimo Alan Arkin) é da atriz Jane Dulo, que na série original fazia o papel da mãe da Agente 99.
Mas, insisto, o espectador não precisa saber de nada disso para gostar desta imensa, deliciosa bobagem. Agora, quem acha que cinema não pode divertir tem que passar muito longe deste filme.
O DVD do filme é um caso à parte. Além de ter o filme tal qual passou nos cinemas, tem uma outra versão, em que o espectador pode clicar em determinados momentos (muitos, dezenas e dezenas) e ver outras possibilidades de piadas, de gags que não poderiam caber na versão normal de 110 minutos. É o tipo do exemplo brilhante de aproveitamento do meio DVD com talento, inteligência.
Agente 86/Get Smart
De Peter Segal, EUA, 2008
Com Steve Carrell, Anne Hathaway, Dwayne Johnson, Alan Arkin, Terence Stamp, James Caan, Terry Crews, David Koechner e, em participação especial, Bill Murray
Roteiro Tom J. Astle e Matt Ember
Baseado nos personagens criados por Mel Brooks e Buck Henry
Música Trevor Rabin
Produção Warner Bros. Estreou no Brasil 20/6/2008
Cor, 110 min.
***
Título em Portugal: Get Smart – Olho Vivo
Antes de ver a crítica desse filme que eu adoro, já imaginei você dizendo: é uma bela bobagem! (mas no melhor dos sentidos)