3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2005, com complemento em 2008: Um filme muito surpreendente. É uma daquelas pérolas antigas que o Telecine Classic costumava passar, antes de virar Telecine Cult e piorar terrivelmente a programação.
Pegamos o filme começado, sem saber nada sobre ele. Um casal – um marinheiro e uma garota – vê Nova York do alto de um prédio. Achei que o filme era bem antigo, comentei com a Mary: isso parece ser de 1931. Mas havia uma tomada feita debaixo de uma mesa, com os joelhos de uma mulher aparecendo, e achei avançado para essa época. Aí vinham tomadas longas com a câmara andando pelo recinto, quase planos-sequência, que chocavam pela maestria.
Há uma tomada muito longa de um restaurante com pessoas dançando – a câmara não pára, vai pegando todo o ambiente, até se fixar no casal em um canto, o marinheiro e a garota. Sem corte, vemos então um longo diálogo do casal. Aí há o close de um copo sendo levado à boca da moça, e corta para outro copo sendo levado à boca da mãe dela, e sabemos que a mãe está tomando veneno. E eu falei: meu Deus, mas uma montagem moderníssima, quando a ambientação e a forma de os atores trabalharem, muito over, pareciam logo depois do som, pareciam 1929! Fiquei achando em seguida que a mulher não morreria, seria socorrida, levada a um hospital – mas, não, ela de fato morre. Um suicídio – e num teatro de variedades, com mulheres dançando de biquíni! Tudo muito ofensivo às regras do Código Hays, o código de censura imposto aos produtores de Hollywood nos anos 30.
Terminado o filme, fui checar na revista: 1929! Apenas dois anos depois do primeiro filme sonoro! E do Rouben Mamoulian, que fez grandes filmes na primeira década do século XX, inclusive com a Greta Garbo. Então eu estava certo – na data, e na importância do filme, já que é de um grande diretor. Era extremamente avançado tecnicamente, e era avançado em termos de costumes porque veio antes do Código Hays, que é dos anos 30!
Fui ao Cinemania, e vi que Leonard Maltin confirma o que eu percebi, tintim por tintim:
“Revolucionário filme do início do cinema sonoro pode parecer estranho para as audiências modernas (Morgan faz o papel de uma rainha do teatro burlesco já passada, com um namorado que a trai e uma filha inocente que acaba de sair do convento), mas a atuação comovente de Morgan, e o uso inovador da câmara e do som por Mamoulian (em sua estréia na direção) o torna um item obrigatório para os fanáticos.”
O livro dos filmes da Paramount reforça que o filme é “anos à frente de sua época; foi um fracasso de bilheteria, mas cresceu em prestígio com o passar dos anos”.
O AllMovie diz que o até então diretor teatral Rouben Mamoulian mexeu com a nascente indústria do filme sonoro com inovadoras experiências com o som e técnicas revolucionárias de câmara em seu chocante primeiro longa-metragem. Vale a pena transcrever a resenha deles. Lá vai:
Nesta tragédia sobre os bastidores do teatro musical, Kitty Darling (Helen Morgan), que tinha sido uma estrela na época áurea do burlesco, manda sua jovem filha para um convento para afastá-la do ambiente artístico. Anos mais tarde, Kitty é uma alcoólatra que vive das lembranças do passado, e tem um caso com um comediante pouco importante chamado Hitch (Fuller Mellish Jr). É nessa época que sua filha, April (Joan Peers), agora crescida, reaparece. Kitty, embaraçada com sua situação, casa-se com Hitch, para que April não tenha vergonha dela. Mesmo assim, quando April chega, fica enojada com sua mãe e sua vida decrépita. Chocada e solitária, April perambula pelas ruas da cidade e encontra um rapaz igualmente solitário, Tony (Henry Wadsworth). Os dois se apaixonaram e concordam em casar. Quando April vai contar a sua mãe os planos para o casamento, ela ouve Hitch insultando Kitty, chamando-a de uma já era. Furiosa, April desiste do casamento, e resolve entrar para o teatro burlesco.
OK – uma trama melodramática. Mas o filme é ousado, e absolutamente avançado para sua época.
Aplauso/Applause
De Rouben Mamoulian, EUA, 1929.
Com Helen Morgan, Joan Peers
Baseado em livro de Beth Brown
Adaptação Garrett Fort
Produção Paramount
P&B, 78 min
Um comentário para “Aplauso / Applause”