2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2000, com complemento em 2008: Nada como um filme depois do outro. No mesmo dia em que revi um típico filmo do cinemão americano cheio de clichês, O Céu de Outubro/October Sky, acabei vendo este filme que é extremamente, mas extremamente peculiar, fora de série, extraordinário – no sentido mais literal da palavra.
Não é um grande filme, de forma alguma. É chato, aborrecido – propositadamente, mas é. É o tipo do filme que não dá vontade nunca de ver de novo. Mas é extraordinário – extra ordinário.
Para começo de conversa: é um filme de tempo real, em que cada minuto de filme equivale a um minuto dos fatos que estão se desenrolando. Isso já é uma coisa rara. Tem Matar ou Morrer/High Noon e Festim Diabólico/The Rope – e não me lembro de outros; deve haver mais uns dois ou três, talvez, na história, e não mais do que isso.
Mas a ousadia maior é que são exatamente 91 minutos de filme mostrando 91 minutos em que não acontece nada de especial, de marcante, de importante. Nada, nada, nada.
É o retrato, que dura 91 minutos, de 91 minutos na vida de duas pessoas comuns, ordinary people. Mas bota comum e ordinary nisso. São pessoas medianas, medíocres, sem qualquer encanto especial de espécie alguma.
É possivelmente o filme mais desglamourizado que o cinema americano já fez. É a falta de glamour exibida de forma nua e crua.
Me peguei, surpreendido, atordoado, durante o filme, pensando no povo dinamarquês do Dogma. É uma espécie assim de O Dogma ao cubo, à nona potência. Ou o minimalismo total.
Há uma apresentação – curta e grossa, apenas o nome do filme e dos atores (desconhecidos), apenas letreiros sobre o filme rolando, minuto real por minuto de filme.
Eis a “história”: uma mulher recebe um colega de trabalho para jantar em sua casa. Ela é secretária em um escritório de advocacia, ele é um assistente dos advogados, um paralegal (embora esse termo não seja usado). Conhecem-se do escritório, e só do escritório; esta é a primeira vez em que se vêem fora do expediente. O filme começa quando ela está se preparando para receber a visita dele. Ela tem esperança de que role um clima, no mínimo uma trepada.
Tudo o que conversam ao longo dos 90 minutos é desinteressante, sem charme, sem glamour. Não são pessoas inteligentes, brilhantes, espirituosas; ao contrário; são pessoas medianas mesmo, medíocres mesmo, sem qualquer tipo de brilho. Gente como a gente é isso aí. É o retrato da conversa entrecortada de duas pessoas sem qualquer graça que estão numa situação esquisita, estranha, que não dominam. E é isso aí.
Um filme de fato extraordinário, extremamente corajoso – tão chato quanto os personagens, quanto a vida sem graça da maior parte da humanidade. Mas extraordinário. Vale por um tratado sobre a solidão das pessoas na grande cidade. Sendo exatamente tão chato quanto um tratado.
Só dá para saber, vendo o filme, que o ator é também o diretor, e que há um agradecimento no final ao Sundance Institute, e que é de 1993. Só isso. Não conhecia nem o ator, nem a atriz, nunca tinha ouvido falar neles nem no filme.
Vou ver o que diz o Cinemania.
Leonard Maltin gostou, deu três estrelas em quatro: “Revealing, extremely well-acted two-character drama follows what happens to two lonely, mismatched co- workers as they experience their first date. Original film is set in real time, on one set; anyone who’s ever gone on a first date will surely relate to this material. Actor Noonan also scripted and made his directorial debut with this impressive film.”
Roger Ebert, que gosta de descrever em detalhes o que rola nas histórias, descreve bem. Só não concordo com o último parágrafo, a conclusão dele. Quer dizer: concordo que é um bravo esforço, sim, claro, mas não concordo com o resto. Ele deu duas estrelas e meia em cinco. Transcrevo porque este é de fato um filme extraordinário:
Antes, porém, um rápido post scriptum de 2008: o autor-diretor Tom Noonam só faria dois filmes depois deste aqui – The Wife, de 1995, e Wang Dang, de 1999; não os vi nem ouvi falar deles. Como ator, trabalha bastante, mas não identifiquei nenhum grande filme nas dezenas de seu currículo no IMDB. Karen Silas, a atriz, fez diversos filmes, nenhum que identifiquei como notável, a maioria para a TV e séries de TV.
Lá vai a longa resenha do Roger Ebert:
I am drawn to movies in which we simply wait to see what the characters will do next, aware that they are not driven by the requirements of a plot. WHAT HAPPENED WAS … begins like that, with a woman in her 30s coming home to her apartment, opening a box, taking out a cake, listening to her answering machine, and waiting for someone to arrive. Here is a movie that could go almost anywhere, and I found myself waiting with anticipation.
She has some wine ready. It may be important to her, may ease her way through a long evening. Her guest arrives. He is a tall, cadaverous man clutching a briefcase as if it might deflect her in an emergency. The evening settles into its cadence: These two people know each other from a law office, where neither one is very far up the corporate ladder, and after sizing each other up for months they have arrived at this first date.
She is an executive assistant. He is a paralegal, with a chip on his shoulder about the firm’s lawyers. He, after all, went to Harvard and is an intellectual, and is in fact writing a book about the firm. He seems to take notes for it all the time. Edgily, awkwardly, they talk around the evening’s obvious topics, which are: Do we like one another? Is sex a possibility? Will there be a second date? Does this other person have problems greater than my own?
WHAT HAPPENED WAS … is a film written and directed by Tom Noonan, who also plays the man, named Michael. You may have seen him in movies like ROBOCOP 2 or MANHUNTER, playing an odd, sinister figure. In this film, he plays a character who looks as if he would be typecast in such roles, but has a great deal of depth. She is not without sympathy: “At the office, they call you ‘Mr. Strange,'” she says. “I just told them you were insecure.”
Her name is Jackie, and she is played by Karen Sillas. As the evening continues, we grow aware that she is probably the stronger and more competent of the two, and that she knows that, but is willing to compromise that knowledge if he will express even the smallest willingness to enter into a relationship. This he seems unable to do. “It seems like something broke in me a long time ago,” he tells her. Later, she says, “At one point, guys just stopped asking me out. I don’t know if it was my age, or I gave off this serious vibe. Just when I had something interesting to say, nobody wanted to hear it.”
The dialogue is filled with hesitations, retrenchings, awkward wordings: “That magazine The New Yorker. Do you know that magazine?” He reveals that he thinks he has heard his name hidden in a Beatles song. At one point in the evening, she seems to grow careless about the neckline of her dress, but by the end of the evening it is back where it belongs. Then there are revelations, too late to save or change very much.
WHAT HAPPENED WAS … is in many ways an admirable movie, and Noonan and Sillas do a quiet, thorough job of representing these two people who seem on the edge of being walled up inside their own walls. There are many small moments of perfect observation. But I never really felt they were building to anything, or heading anywhere. I didn’t feel chemistry between the characters-not the chemistry of attraction, of course, but not even the chemistry of mutual awareness. Both of them were playing their own tapes. It’s an interesting film, and a brave effort. But there’s something missing.
Romance Entre Amigos/What Happened Was…
De Tom Noonam, EUA, 1994.
Com Tom Noonam, Karen Silas.
Roteiro Tom Nooman, baseado em sua peça.
Cor, 91 min.
Sérgio, meu querido, reinicio meus comentários com chave de ouro. Vc salvou o meu dia! Um dia em q estou triste com uma série de mudanças q estou tendo q fazer em minha vida, com a incompreensão das pessoas e, como no Enfim Viúva, vc me fez rir rir rir! Dogma ao cubo hehehe.O filme não tem charme nem glamour hehehe.E vc conseguiu ver até o final? Missão às vezes espinhosa a sua, não? Vê filmes como Retrato de mullher, cuja crítica acabei de ler, mas precisa ver coisas como essas… Mas tenho certeza de que Mary, mulher muito mais inteligente do que vc, saiu do aposento onde o filme se desenrolava, certo? E, tal como eu, deve ter se divertido com os seus comentários.
Beijão. Guenia.
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