2.5 out of 5.0 stars
Resenha para a Agência Estado, em 1997: Salve o Cinema não é daqueles filmes que agradam a maior parte do público. Mas é um interessantíssimo documento, de cinema e de história. É um filme que reflete sobre o próprio cinema (foi feito em 1995, o ano das comemorações do centenário da forma de arte mais popular do século 20), sobre o fascínio que o cinema exerce sobre as multidões – e acaba servindo de painel sobre o Irã, e sobre esse interessantíssimo, fascinante fenômeno dos anos 90, a explosão da produção cinematográfica iraniana.
A idéia da qual partiu o diretor Mohsen Makhmalbaf é brilhante (bem mais, na verdade, do que o conjunto, o resultado final): ele mesmo um dos nomes mais conhecidos do novo cinema iraniano, Makhmalbaf colocou anúncios nos jornais dizendo que iria escolher entre desconhecidos os atores do seu filme seguinte – e, em seguida, filmou o que aconteceu.
O que aconteceu foi que uma imensa, inimaginável, brutal multidão apareceu no local onde seriam feitos os testes. O documentário começa exatamente com as cenas da horda de milhares e milhares de pessoas se comprimindo junto ao local escolhido, se pisoteando, tentando garantir um lugar nos testes que o diretor faria. Depois, o filme vai mostrando como o diretor formou os grupos dos escolhidos, o que ele pediu para as pessoas do povo – gente comum, simples, humilde, pobre – fazerem diante das câmaras, as respostas delas a perguntas sobre por que elas estavam ali, por que elas queriam trabalhar no cinema.
É fascinante ver como é profunda a admiração daquela gente simples pelo cinema de seu país – ou, no mínimo o reconhecimento da importância dele. Faz lembrar outro grande fenômeno, o do cinema da então Checoslováquia nos anos da Primavera de Praga, na segunda metade dos anos 70, quando o regime comunista permitiu o trabalho de tantos diretores talentosos. Milos Forman, o mais talentoso deles, deu este ano (o texto é de 1997) um depoimento tão interessante quanto esse filme iraniano: “Os filmes feitos pela minha geração foram aprovados no Ocidente; os dirigentes comunistas detestavam aqueles filmes, mas ao mesmo tempo ficavam absolutamente satisfeitos com o fato de aqueles filmes estarem recebendo elogios no Ocidente. E por isso pudemos continuar fazendo filmes, até que os tanques russos invadiram a Checoslováquia, em 1968.”
Como Forman fez sobre o cinema de seu país, o diretor Makhmalbaf dá as pistas de por que o governo dos aiatolás, tão absolutamente medieval, carrancudo, repressivo e repressor, permite que os diretores façam seus filmes sem uma censura tão rigorosa: é justamente porque o cinema do Irã tem sido apreciado e premiado no mundo inteiro; é o único produto cultural de exportação do país; não há como impedir que ele continue existindo. E, como ele continua existindo, acaba sendo uma brecha de luz dentro daquele regime teocrático e de tão pouca liberdade.
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Complemento em 2009: Na época em que escrevi o texto acima, 1997, não me lembrei, mas o fato é que essa idéia de publicar um anúncio de procuram-se atores e filmar o resultado já havia sido sido feito na época do neo-realismo italiano. É exatamente esse o tema de um dos esquetes do filme Nós, As Mulheres/Siamo Donne, de 1953.
Salve o Cinema/Salaam Cinema
De Mohsen Makhmalbaf, Irã, 1995.
Com Mohsen Makhmalbaf, Azadeh Zangeneh, Maryam Keyhan.
Roteiro Mohsen Makhmalbaf
Produção Amoon
Cor, 75 min.
**1/2
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