3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 1997, com complemento em 2008: Uma total delícia. Alegre, divertido, bem humorado. Tem o frescor inocente da primeira metade dos anos 60, do rock’n’roll de Buddy Holly, das primeiras letras dos Beatles. É impressionante, na verdade, como Tom Hanks, que é novo, de 1956, conseguiu captar tão perfeitamente o espírito daquelas letras e daquelas canções juvenis.
Não é apenas a reconstituição de época perfeita, das roupas, dos penteados, dos eletrodomésticos, dos carros, que impressiona. Isso os americanos sabem fazer muito bem – e a lista seria interminável, de American Graffiti – Loucuras de Verão a De Volta para o Futuro, passando por Peggy Sue – Seu Passado a Espera, para pegar apenas alguns exemplos que falam da juventude e das músicas nos anos 50 e começo dos 60.
Impressiona sobretudo como ele conseguiu reconstituir as sensações daquela época, o ambiente, o mood, aquela inocência toda, aquela ingenuidade, aquele gentil caretismo dos terninhos e das cabecinhas que antecederam a explosão da revolução global do comportamento – a inocência, a ingenuidade, o caretismo leve pré-Rubber Soul, pré-Revolver, pré-Sgt. Pepper’s, pré-maconha, quanto mais as drogas mais pesadas, pré-sexo livre, pré-Vietnã, pré-hippies.
O filme é assim uma espécie de cruzamento de Febre da Juventude/I Wanna Hold Your Hand, do Robert Zemeckis, de 1978, com The Commitments – Loucos pela Fama, que o Alan Parker fez em 1991.
A idéia de Tom Hanks é tão simples quanto deliciosa. É contar a história de um grupo de quatro jovens que, em 1964, ao saírem do colégio, na pequena cidadezinha de Erie, na Pensilvânia, formam uma banda de rock que, com um único compacto simples, vai rapidamente escalando as paradas de sucesso; começam lá pelo 96º lugar e chegam a sétimo lugar na lista da Billboard.
Toda e qualquer semelhança com os Beatles é proposital, não é mera coincidência. Temos dois guitarristas que compõem, um baixista e um baterista que, no dia da primeira apresentação, na formatura, no concurso de bandas (em que há um grupo folk, é claro, como não poderia deixar de ser, nos Estados Unidos de 1964), quebra o braço e não pode tocar. Entra em cena, então, Ringo – perdão, Guy Patterson (Tom Everett Scott; esse menino provavelmente vai longe), o filho do dono de uma loja de eletrodomésticos que pratica bateria e é fã de jazz.
O grupo começa nas rádios e apresentações locais e vai se tornando conhecido. Surge um Mr. White (interpretado pelo próprio Tom Hanks), diretor de uma gravadora, que os contrata e ajuda. E vão subindo, até chegar a uma apresentação em programa ao vivo de costa a costa, onde são apresentados como “o mais recente conjunto a desafiar os Beatles para um concurso de penteados”. Depois disso, como The Commitments, o grupo se desfaz.
O guitarrista e principal compositor chama-se Jimmy Mattingly (Johnathan Schaech), namora uma moça da escola, Faye (Liv Tyler, linda como sempre, ela mesma filha de roqueiro – qual é mesmo o pai dela? Ah, sim, o Steven Tyler, da banda Aerosmith), que funciona como assessora do conjunto. Jimmy é bobão, no final não aceitará as regras do contrato e sairá fora, de tal maneira que o grupo se desfaz depois do único sucesso. E o nosso baterista, gente fina, leva a mocinha.
Claro, o grupo é imaginário, fictício. Mas a grande brincadeira do filme é partir de dados absolutamente reais e criar um conjunto à la Beatles – e imaginar o que poderia ter acontecido. A brincadeira com a ficção e a realidade vai ao ponto de, ao final, como nos filmes inspirados por fatos reais, aparecer o que foi feito de cada um dos personagens, o que é um grande, um delicioso barato. Os letreiros dizem que Guy, o baterista, casou-se com Faye, tiveram quatro filhos e hoje ele é professor de composição de jazz em um conservatório que criou. Que James Mattingly II, o Jimmy, e sua nova banda ganharam três discos de ouro e hoje ele é produtor de discos em Los Angeles. Que T.B. Player, o baixista sonso, apaixonado por Disneyworld e que se alistou no exército, serviu no Vietnã e hoje é empreiteiro em Orlando, Flórida. E que o outro guitarrista, Leonard Haise, o Lenny, encantado com jogos, cassinos e mulheres, hoje é diretor de hotel e cassino em Nevada e está solteiro.
É importante levantar, para qualquer resenha sobre o filme, como as músicas foram feitas, e como Tom Hanks arrumou os quatro rapazes, que são ótimos. As músicas são muitíssimo, mas muitíssimo parecidas com as primeiras parcerias Lennon-McCartney.
E é importante notar também que o filme faz questão de deixar claro o tempo todo que é apenas um filme, uma grande diversão, uma gostosa brincadeira, um roquinho antigo. Não há nada barra pesada, nada que queira refletir a dura realidade de uma banda brigando pela ascensão nas paradas. Não há referência a drogas, a absolutamente nada sério, pesado. É apenas uma grande e gostosa brincadeira.
Pesquisinha: as primeiras apresentações dos Beatles nos EUA foram em fevereiro de 1964, no Washington Coliseum e no Carnegie Hall, depois no Ed Sullivan Show, nos dias 9 e 16/2/64. Na primeira aparição – recorde na época – o programa foi visto por 70 milhões de pessoas. A segunda visita e a primeira turnê dos Beatles nos EUA foram em agosto e setembro 1964, em 26 concertos, alguns deles em grandes estádios abertos – os primeiros.
Complemento em 2008: Este foi o único filme dirigido por Tom Hanks, até agora (2008). Ele dirigiu vários episódios para a TV, escreveu roteiros de alguns deles, produziu séries e filmes, mas não voltou a dirigir longa-metragem.
E, sim, quanto à minha previsão de que o garoto Tom Everett Scott provavelmente iria longe, não errei nem acertei. Ele está aí trabalhando sem parar, no cinema e na TV, mais na TV que no cinema, já fez 34 filmes e/ou episódios, mas não chegou a virar um astro nem um ator importante.
The Wonders – O Sonho Não Acabou/That Thing You Do!
De Tom Hanks, EUA, 1997.
Com Tom Everett Scott, Liv Tyler, Tom Hanks, Johnathon Schaech, Steve Zahn, Ethan Embry
Argumento e roteiro Tom Hanks
Música Howard Shore; algumas canções são de Tom Hanks
Cor, 108 min.