Tempo de Matar / A Time to Kill


3.0 out of 5.0 stars

Anotação em 1997: Embora partindo de uma premissa absolutamente errada, em termos éticos – em determinadas circunstâncias, quando a Justiça falha, é admissível fazer justiça com as próprias mãos -, o filme é muito, muito bom, assim como deve seguramente ser bom o livro de Grisham que o originou (o escritor, aliás, é um dos três produtores executivos). Aliás, acho que é, até agora, o melhor filme baseado em livro de Grisham, porque Dossiê Pelicano e O Cliente ficam muito abaixo dos textos que lhes deram origem.

O roteiro é muito bom, capta várias sutilezas, histórias parelelas à ação principal, as histórias de cada um; a composição dos vários personagens é muito boa. A câmara é excepcional, tem muita grua, muitos planos longos, os atores estão todos muito bem.

atimeÉ um filme forte, que não sai da cabeça da gente. E discute de forma profunda a questão racial do Sul dos Estados Unidos hoje, mostra como o racismo continua fortíssimo, enraigado, e violento, já passadas décadas das conquistas históricas dos anos 50 e 60; a mancha é muito mais feia do que gostariam que ela fosse os donos do poder, o establishment. E mostra bem como a mídia explora os dramas pessoais, e como as grandes organizações (a Igreja, as entidades de defesa dos direitos humanos) querem tirar proveito das histórias que fazem furor na mídia. Coloca muito bem as sutilezas que dividem os americanos diante das grandes questões dos direitos humanos, como a pena de morte.

O lead é violento, forte, pesado, e muito bom. Dois jovens brancos bêbados e drogados brutalizam e violentam uma garotinha negra de 11 anos de idade. O pai da menina (Samuel L. Jackson, ótimo) procura um jovem advogado branco (Matthew McConaughey, excelente; eu não conhecia) que no passado salvou um irmão seu em um problema jurídico, e diz algo do tipo: “Lembra-se daqueles dois brancos que uma vez violentaram uma negra? Pois é; eles foram inocentados. Se eu me meter em uma grande confusão, você me ajuda?” E faz como anunciou: no dia em que os estupradores de sua filha chegam ao tribunal para a audiência preliminar, ele os mata.

Falei parágrafos acima que o roteiro consegue contar bem a história principal e contar também as várias histórias paralelas dos personagens. É bem verdade. Os filmes anteriores baseados em Grisham mal conseguiram contar a história principal, e este consegue contar tudo muito bem – talvez porque os produtores tenham tomado a decisão, anticomercial, de fazer um filme mais longo que o padrão americano; são duas horas e meia.

É interessante a história pessoal do jovem advogado, que se define como liberal, mas não radical; ao aceitar defender o negro assassino, ele expõe sua família a riscos (a Klu Klux Klan assusta sua mulher e sua filhinha; mais tarde, queima a sua casa); o filme conta bem a atração inevitável que ele sente pela advogada rica do Norte desenvolvido que se propõe a ajudá-lo apenas pela causa (Sandra Bullock, sempre gracinha, embora uma atriz limitada).

O personagem dessa advogada é bem interessante, também; ela é uma ativista contra a pena de morte, enquanto ele, o jovem advogado, não; ele é a favor da pena de morte, e gostaria que ela fosse executada mais vezes; ela se decepciona quando ele diz isso; é o momento em que ele diz ser liberal, mas não radical.

É extremamente interessante também o personagem do velho advogado bêbado (o grande Donald Sutherland), mentor do jovem, proibido de advocar por ter agredido policiais numa manifestação pró-direitos humanos.

Um belo filme. E mesmo a premissa errada – a defesa da justiça com as próprias mãos – fica muito relativizada, quando se vê o júri todo branco querendo acabar logo com aquilo, e quando se vêem as condições em que a Justiça trabalha numa sociedade nojenta e profundamente racista como a que o filme retrata. O que Grisham parece querer dizer é que simplesmente a Justiça não é justa com os negros, e por isso é que nesse caso específico é justo e admissível que o negro faça a justiça com as próprias mãos. A tese é complicada; mas o filme conseguiu me fazer torcer pela absolvição do criminoso. E eu sou um radical radical quanto à pena de morte.

Tempo de Matar/A Time to Kill

De Joel Schumacher, EUA, 1996.

Com Matthew McConaughey, Samuel L. Jackson, Sandra Bullock, Kevin Spacey, Donald Sutherland, Kiefer Sutherland

Roteiro Akiva Goldsman

Baseado no livro de John Grisham

Cor, 149 min

***

7 Comentários para “Tempo de Matar / A Time to Kill”

  1. Lembro que gostei muito desse filme, mas já não lembro quase nada da história (lendo o seu texto, recordei vagamente de algumas coisas). Eu já conhecia o Matthew McConaughey, pq ele tinha feito ou fez um pouco depois desse, não sei, o “Contato”, com a Jodie Foster( na época os lançamentos demoravam pra sair em VHS, então pode ser que eu tenha visto “Contato” antes deste). Lembro que gostei do filme e do belo rapaz, rs, mas depois acho que as atuações dele foram decaindo. Eu gostava da Sandra Bullock, não é uma grande atriz, mas tinha carisma. Deu uma sumida.

    Eu não lembro quase nada, como já havia dito, mas acho que tb torceria pela absolvição do cara. Um crime desses não tem perdão. O estupro já é algo monstruoso, quando se trata de uma criança então, pena de morte é pouco. Um dos melhores filmes do Schumacher, na minha modesta opinião. Não que eu tenha visto todos, mas acho que ele tem mais fama do que talento.

  2. É, o Matthew McConaughey chegou com tudo, nessa época deste filme “Tempo de Matar”. Este aqui é de 1996; em 1997 teve o “Contato”, que você citou, e ainda o “Amistad”, do Spielberg. Depois de fato ele teve uns filmes menores. Está muito bem, acho, em “Tudo por Dinheiro”, de 2005, ao lado do Al Pacino.
    A Sandra Bullock, acho que você definiu bem, tem carisma, tem uma força; minha filha Fernanda é que não a suporta, acha que é péssima atriz. Na minha opinião, ela em geral não passa muito do razoável, como atriz – mas está muito bem em “Confidencial/Infamous”, o excelente filme que, infelizmente, ficou na sombra do “Capote”, lançado pouco antes.

  3. Verdade, o Matthew chegou arrebentando, mas depois deu uma caída. Está mesmo bem em “Tudo por Dinheiro” , mas ô filminho chato. Só vi por pura falta de opção no cinema.

    A Sandra é mesmo apenas razoável. Acabei revendo “Tempo de Matar” e vi como ela está fraquinha.
    Continuo gostando do filme (às vezes quando vejo algum filme pela segunda vez, acabo mudando de opinião). Uma trama que prende, roteiro bem amarrado, ótimas atuações dos protagonistas. Achei que o Spacey tb está muito bem. E claro que torci pela absolvição do homicida. Do jeito que eles contam a história não tem como não torcer. E é como o personagem do Matthew falou: a gente tem que ver não só o crime, mas tb o criminoso e as circunstâncias. Vendo esse filme fiquei pensando em como a humanidade ainda precisa evoluir. Quanta maldade e crueldade ainda existem nos seres “humanos”.

  4. Sérgio, achei o filme espetacular, muito sensível e emocionante, derramei potes de lágrimas na defesa final do “criminoso”, muito linda e inspirada! Mas vc tem razão, como se trata de uma história passada na década de 1990, percebe-se q, apesar de todas as conquistas q os negros fizeram em termos de igualdade racial, na prática elas pouco valeram. Se se tratasse do estupro de uma menina branca e não negra, como foi o caso, duvido q fosse necessário sequer o pai fazer justiça com as pp mãos, o pp júri teria pedido, por unanimidade, pena de morte, para os 2 jovens bêbados e violentadores.
    E me chamou a atenção a atitude do pobre do guarda q, quando o pai da menina atirou nos 2 jovens, teve sua perna atingida e, consequentemente, amputada; mesmo assim, não só não guardou ressentimento do personagem do Samuel Jackson, como lhe deu razão em sua revanche, dizendo q faria o mesmo se estuprassem sua filhinha. E q final bonito, qdo o advogado de defesa dá o caso por perdido e vai conversar sobre um possível acordo de 20 anos de pena com o réu; a conversa interessante q eles têm, com o personagem do Samuel Jackson mostrando ao advogado q ele mesmo tem preconceito racial, pois sua filha não brinca com a dele nem ele sequer conhece a sua casa. É o pp réu quem lhe dá as idéias de como fazer aquele discurso final da defesa, tão envolvente q faz os jurados sentirem a cena do estupro e dos maus-tratos como se estivesse acontecendo naquele momento, talvez com a filha deles, levando à decisão do júri de considerar o pai de Tonia como inocente. Muito lindo!
    Guenia Bunchaft
    http://www.sospesquisaerorschach.com.br

  5. Vi hoje o filme no serviço da Amazon Prime Video e como desconhecia completamente fiquei empolgado.
    Está tudo muito bem, actores, realização e argumento. De facto na América de hoje e de há anos atrás um caso de violação e tentativa de assassinato de uma menina negra de 10 anos não teria um bom desfecho: no pior dos casos uns anitos de prisão, poucos.
    Claro que torci pelo pai que matou os 2 coisos (nem animais lhes chamo).
    Um filme a rever.

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