Anotação em 1997: Eu estava para tecer loas a este filme quando reli minha anotação sobre o filme que vi antes dele, o espanhol Morte ao Vivo/Tesis. Claro, comparado àquele brilho, este aqui é apenas mais um thriller sobre psicopata. E é obscuro. Não consta no Cinemania.
Pô, só o Leonard Maltin fala de 19 mil filmes – e não fala deste aqui; na filmografia de Jill Clayburgh, ele sequer é citado, mesmo que sem verbete. E no entanto consta do brasileiro Videobook, que informa que o filme foi lançado em vídeo no Brasil pela Globo.
Apesar de tudo isso, não é um mau filme.
O primeiro mérito é Jill Clayburgh, essa atriz tão simpática, tão interessante, tão marcada pela figura de A Mulher Descasada.
Ela faz uma produtora de TV, que ganha os tubos, mora esplendorosamente em Beverly Hills. Desquitada, claro, filho jovem adolescente estudando fora. Firme, forte, bem sucedida na carreira, querendo manter a independência, querendo ter todo o controle sobre sua vida, recusando-se a casar com o namorado, recusando-se até mesmo a dormir na casa dele, para manter o controle todo o tempo.
Um maníaco rouba sua bolsa e, a partir dos documentos e do departamento de trânsito (qualquer semelhança com a vida real em São Paulo, 1997, não é mera coincidência), passa a saber tudo dela. Esperto, inteligente, sabe-tudo, hacker, ele tira grana dela no banco, entra no computador dela, telefonema pra ela a cada momento – e ela vai perdendo totalmente qualquer tipo de controle.
O segundo mérito do filme é que ele passa muito longe, mas muito longe, dos tradicionais filmes de Hollywood, que banalizam a violência e acabam de uma forma ou outra defendendo o “justiçamento” do criminoso. Em primeiro lugar, ele não tem cenas violentas; a violência nunca é explícita, é muito mais psicológica. E o diretor consegue até criar um bom clima de pavor – o psicopata sabe de tudo, consegue tudo, pode tudo -, mesmo que para isso use muitos trejeitos de câmara, plongés e contre-plongés a dar com o pau, câmara carregada baixo, rente ao chão, zooms, travellings rápidos, distorções de imagem.
Em terceiro lugar, o filme não só não reforça a violência como faz diversas condenações a ela. Quando a personagem de Jill Clayburgh resolve comprar uma arma, ela o faz com nojo, com medo, com insegurança. Entra em casa e há alguém lá dentro, e ela tira a arma da bolsa – e é a própria mãe, que diz que ela perdeu o juízo, que jamais poderia imaginar o dia em que veria a filha usando uma arma. O namorado faz um bom discurso contra porte de arma.
Se você não viu o filme, não leia a partir de agora
No fim, OK, ela atira e mata o psicopata que infernizou a vida dela durante semanas – além de ter estuprado uma amiga dela. Mas é claríssima legítima defesa – e mesmo assim a cena acentua como isso é uma tragédia, como isso causa um impacto fortíssimo na personagem. E ela diz, explicitamente, na cena final, que só no 14º dia conseguiu deixar de ouvir o som do tiro; diz que só então está conseguindo sair do estado de choque, voltar à superfície.
(Há um errinho no verbete do Videobook: o nome da personagem é Alexandra Maynard, e não Allison; é Alexandra, mas os amigos a chamam de Ally, por isso o engano. O detalhe até é importante, porque o maníaco a chama repetidamente de Alexandra, escandindo as sílabas, e, quando ela resolve reagir, apoiada por uma firme detetive particular, escreve para ele no computador: O nome é Ally, e você só me assusta uma vez.)
Não merecia tanta obscuridade; e deveria constar na filmografia de Jill Clayburgh.
Chamadas do Medo/Fear Stalk
De Larry Shaw, EUA, 1990. Feito para a TV.
Com Jill Clayburgh, Stephen Macht, Sada Thompson
Argumento e roteiro Ellen Weston
Cor, 90 min.