O Homem das Estrelas / L’Uomo delle Stelle


3.0 out of 5.0 stars

Anotação em 1996: Uma beleza emocionante. O filme rompe aquela estrutura normal das tragicomédias em que a gente começa rindo e aos poucos vai deixando de rir e vai ficando amargurado. É dividido em dois tempos distintos, e a passagem da comédia para a tragédia se dá de repente, num momento só, o momento em que Joe Morelli cruza pela segunda vez com o carabinieri, agora tornado delegado, e é preso, espancado pela máfia e na saída da prisão encontra a Beata louca.

Mas vamos por partes.  

Cinema Paradiso era uma elegia à magia do cinema. Aqui,  o diretor Giuseppe Tornatore usa a magia do cinema como uma ilusão que é vendida por um escroque para as pessoas humildes do povo. Joe Morelli, o personagem central, percorre pequenos vilarejos da Sicília – percebe-se de cara que é final dos anos 40, o pós-guerra; depois veremos que deve ser 1949, ou comecinho dos anos 50 (em entrevista, Tornatore esclarece: é início dos 50) – com uma máquina de filmar, cobrando 1.500 liras de quem quiser fazer um teste, na esperança de transformar-se em artista de cinema e ganhar milhões.

O escroque usa a magia do cinema como a única esperança daquelas pessoas miseráveis, ignorantes, sem qualquer horizonte, de mudar de vida, de ganhar dinheiro e fama. Usa a magia do cinema como forma de achacar gente humilde. No final, faz uma elegia do povo miserável da Sicília, ao mesmo tempo em que faz um panfleto que denuncia a miséria, a ignorância, a exploração do povo pelos ricos de todos os matizes, contra a própria absurda má divisão de riquezas – e isso num dos sete países mais ricos do mundo.

Em quatro quintos do filme, enquanto Joe Morelli, o escroque com um restinho de caráter, vai explorando o povo, e escapando astutamente de ser flagrado, o tom é de amor à magia do cinema; no finalzinho, o riso acaba, e Tornatore afunda na tragédia.

No primeiro encontro de Joe Morelli com o policial, este quer fazer um teste; quer saber se seu teste será visto por De Sica, Visconti, Rossellini. Chama-se Mastropaolo; traduziu Dante para o siciliano, e estava então preparando a tradução de Othelo. Diz para a câmara (que não tem filme algum): “Caros Rossellini, Visconti, caro De Sica. Sou um policial só porque meu pai era policial. Mas juro que esta vida nào é pra mim. Eu sonho mais alto. Mas, aqui, o que sonhar?”

No segundo encontro, Mastropaolo já havia levantado a ficha suja de Morelli, e o prende. O texto dele para o descobridor de talentos que o havia enganado é o resumo do filme: “Somos uns coitados. Moças, camponeses, estudantes… e até policiais. É só prometer sucesso e fortuna que a gente acredita na hora. (…) Todos se confessaram para você. Entregaram a você suas almas. E provavelmente nunca mais vão vê-lo. E você não entendeu nada. Eles confiaram em você. Até eu confiei. E você só pensou em roubar aqueles trocados.”

 Se você não viu o filme, não leia a partir de agora

A primeira parte do fim tem um quê de Bye Bye Brasil, a troupe (neste caso de uma pessoa só) vinda dos maiores centros vendendo ilusões no interior bravo. O final também tem: quando sai da prisão, tendo repensado a vida e concluído que no passado foi um grande filho da puta, e procura Beata, Joe Morelli janta num restaurante e, perto dali, as pessoas se reúnem para ver TV. Onde tem espinha de peixe, como dizia o personagem de José Wilker, não cabe mais vender a ilusão do circo ou do cinema.

O próprio Tornatore fez a comparação entre este filme e o Cinema Paradiso. Disse que Paradiso é “uma espécie de sublimaçào do amor pelo cinema, da perfeição do cinema”, enquanto este “representa o outro lado da moeda, a capacidade que o cinema tem de desiludir, enfeitiçar e, de vez em quando, fazer sofrer e trair”. Sobre a Sicília, onde nasceu, ele diz: “Na Sicília podem ser encontradas todas as contradições possíveis. Acredito que não exista um conflito que não esteja ali presente.”

Em outra entrevista, Tornatore disse: “Em Cinema Paradiso o amor pelo cinema estava em primeiro plano e a Sicília ficava em segundo. Em O Homem das Estrelas a Sicília está em primeiro plano.”

Sonia Nolasco acertou quando disse que importante é o fascínio de Tornatore pela gente humilde da Sicília: “Extrai de seus atores tristeza, alegria, esperança, dor, medo e amor.”

O Homem das Estrelas/L’Uomo delle Stelle

De Giuseppe Tornatore, Itália, 1995.

Com Sérgio Castellitto, Tiziana Lodato

Arg. Giuseppe Tornatore

Roteiro Giuseppe Tornatore e Fabio Rinaudo

Música Ennio Morricone

Fotografia Dante Spinotti

Cor, 113 min

8 Comentários para “O Homem das Estrelas / L’Uomo delle Stelle”

  1. Servaz querido, parabéns pelo site ! Mas existe uma falha gravíssima : cade o comentário sobre “Cinema Paradiso” ?

    Beijos,
    Patrícia

  2. Obrigado pela mensagem em si e pelo elogio, Patrícia querida. E a falha está aí devidamente anotada. Não tem Cinema Paradiso, não tem Blade Runner. não tem Twin Peaks, não tem A Missão, não tem A Vida dos Outros… Só para citar outras lacunas pelas quais já fui cobrado pelos amigos… Mas eu chego lá, algum dia eu chego lá…

  3. Bom dia Sergio
    Gostei do comentário sobre o filme o Homem das Estrelas.
    Assisti este filme no cinema e gostaria de obter o filme. Você ou alguém sabe se já tem em DVD e onde posso comprar?
    Obrigado
    Manoel

  4. Caro Manoel,
    Agradeço por sua mensagem.
    Dei uma olhada em alguns bons sites de venda e o DVD do filme não está disponível. Uma pena.
    Só só você achar nos sites estrangeiros, que têm tudo, como o amazon…
    Boa sorte!
    Sérgio

  5. Assisti ao filme é realmente isso resume bem: “ em que a gente começa rindo e aos poucos vai deixando de rir e vai ficando amargurado.“ Um filme que, no saldo geral, é triste e que me remeteu ao Brasil dos dias atuais. Que belo filme !!

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