Inquietos / Restless

Nota: ★★★★

Inquietos/Restless, que Gus Van Sant lançou em 2011, tem sido extremamente badalado, incensado. Sinto que estou chovendo no molhado, no encharcado, mas repito aqui o que muita gente já disse antes de mim, e melhor: o filme é uma maravilha.

Sempre se disse que Van Sant é um cineasta que conhece a juventude, que sabe, como poucos, expressar os sentimentos dos muito jovens. É bem verdade. Ele comprova isso mais uma vez, neste filme extraordinário.

Restless é terno, suave, doce, poético, sensibilíssimo, encantador, charmoso, envolvente, tocante, apaixonante.

Fala de perda, dor, doença terminal, morte – da maneira mais terna, suave, doce, que pode haver.

A rigor, meu texto poderia, deveria terminar aqui. Não há muito mais a dizer – até porque já se disse muito sobre o filme.

Tudo o que virá a seguir é chuva no molhado, no encharcado.

Um maravilhoso diretor de atores, um maravilhoso diretor de atores jovens

Como o cara dirige bem seus atores. Que imenso talento, meu Deus do céu e também da terra. Me lembro, por exemplo, de My Own Private Idaho, no Brasil Garotos de Programa. Nunca estiveram melhores que naquele belo filme de 1991 os então bem jovens Keanu Reeves e River Phoenix.

Como o cara sabe dirigir bem atores jovens. Nicole Kidman, Joaquin Phoenix, Casey Affleck eram todos jovens quando Von Sant os dirigiu no ótimo, apavorante Um Sonho Sem Limites/To Die For, de 1995. Matt Damon e Ben Affleck eram jovens quando fizeram Gênio Indomável/Good Will Hunting, de 1997.

A lista poderia continuar quase infinitamente.

Em 2003, Van Sant usou atores praticamente desconhecidos para fazer Elefante, uma obra extraordinária, em que reconstruiu umas dessas tragédias tão comuns de assassinatos em escola americanas – uma evidente citação dos assassinatos de Columbine, mas que poderia ser qualquer uma dessas tragédias envolvendo um espírito perturbado, louco, e uma arma mortal. Obteve do elenco interpretações soberbas.

Que maravilhosas interpretações nos dão Mia Wasikowska e Henry Hopper

Em Restless, teve Mia Wasikowska e Henry Hopper.

Meu Deus do Céu e também da terra, que maravilhosas interpretações esses garotos nos dão.

Mia Wasikowska está explodindo como uma grande estrela. É um daqueles casos em que o talento, a beleza, o charme, vêm acompanhados de muita sorte. Nasceu (em Camberra, Austrália) em 1989, 14 anos depois da minha filha. Já está com 24 títulos na filmografia; foi a Alice no País das Maravilhas no filme de Tim Burton e foi Jane Eyre na 432ª segunda versão do clássico de Charlotte Brontë para o cinema. A personagem título do livro de Lewis Carroll, a personagem título do livro de Charlotte Brontë.

Não vi ainda essa 432ª versão de Jane Eyre, mas vi a Alice de Tim Burton, e também Minhas Mães e Meus Pais/The Kids are All Right, e posso dizer: a menina é coisa séria. Seriíssima.

Ela é boa parte do encanto, do charme fascinante do filme.

Sobre Henry Hopper, no entanto, eu não sabia nada.

É um menino bonito. Na verdade, bastante bonito. O papel que ele interpreta não é fácil: um adolescente muito pirado, anti-social a não mais poder, tão doido, perdido, que é necrófilo – e o garoto se sai bem, extremamente bem.

No encerramento dos créditos finais, está lá: “Em memória de Dennis Hopper”.

Henry Hopper, Dennis Hopper.

Sim, o menino é filho do cara, conforme qualquer um pode ver no IMDb, conforme acabo de ver.

Nasceu em 1990. Foi filho temporão. O eterno rebelde de Hollywood estava com 54 anos quando Henry Hopper nasceu.

Este aqui foi seu primeiro longa-metragem.

O pai dele deve estar babando, tanto, ou pelo menos quase tanto quanto eu babo toda vez que vejo minha filha.

Henry Hopper brilha.

Numa determinada cena, me peguei pensando que, de uma maneira não propriamente óbvia, ele se parece demais com River Phoenix. Não exatamente por ser parecido, ter traços semelhantes, mas por dar os ares, como dizia minha mãe.

Gus Van Sant achou um garoto que parece River Phoenix. E acontece que o garoto é filho de Dennis Hopper.

Não sei se o garoto vai se dar bem na carreira, ou se teve a interpretação magnífica aqui só porque foi dirigido por Gus Van Sant, extraordinário diretor de atores. A ver. Mas que ele promete, sem dúvida promete.

Quem diz “não gosto de cinema americano” diz uma frase imbecil, estúpida, idiota

Entre diversas coisas, Gus Van Sant é a prova do que digo sempre: toda vez que alguém disser algo parecido com “não gosto de cinema americano”, esse alguém está falando uma frase imbecil, estúpida, idiota.

Existem muitos, múltiplos tipos de cinemas feitos nos Estados Unidos. Produz-se lá uma grande quantidade de filmes ruins. Mas vários deles são muito bons.

O cinema de Gus Van Sant é dos melhores que há.

A trilha, Ron Howard e sua filha, a filha de Sissy Spacek

A trilha sonora de Restless é de Danny Elfman. Apesar de Elfman ser da minha geração (nasceu em 1953, em Los Angeles), só vim a conhecê-lo por indicação de Carlos Bêla, garoto de talento multidisciplinar, designer gráfico de gabarito internacional, músico, compositor, expert em vários gêneros musicais mas com um pé firme na vanguarda, no alternativo. (Nas horas vagas, cria sites, como este aqui.)

Carlos conheceu Elfman desde seus tempos na banda de rock Oingo Boingo. Dali Elfman foi para as trilhas sonoras. Fez a música de vários filmes do neo-gótico-surrealista Tim Burton. Está para Tim Burton como Nino Rota está para Fellini, ou Bernard Herrmann para Hitchcock, ou Georges Delerue para Truffaut.

Mas ele não faz apenas a música dos filmes de Tim Burton. Trabalha feito um louco. São dele, por exemplo, as trilhas da série MIB – Men In Black, competentíssimas. As trilhas de Elfman em geral são grandiosas, poderosas, possantes – com um subtom de humor, de malandragem.

Pois aqui, neste filme terno, suave, em tom menor, Elfman compôs uma trilha exatamente assim: terna, suave, em tom menor. Minimalista, quase. Uma beleza, um brilho.

Ron Howard, ator infantil prodígio, hoje veterano faz-tudo no cinemão comercial americano, e sua filha, a talentosíssima Bryce Dallas Howard, são alguns dos produtores executivos do filme.

Schuyler Fisk, uma bela mulher, que faz o papel de irmã mais velha de Annabel, o personagem de Mia Wasikowska, é filha de Sissy Spacek. Que coisa: a gente vai tendo os filhos e eles crescem e aparecem… É também cantora e compositora, essa garota de nome esquisito (alô, Sissy, por que não Mary, Rose, Katharine?), filha da atriz fantástica que interpretou a cantora country Loretta Lynn (e ganhou um Oscar por isso) em 1981, em O Destino Mudou Sua Vida/Coal Miner’s Daughter, entre tantos belos filmes.

A palavra restless

Uma observaçãozinha talvez boba, mas de uma pessoa que gosta das palavras. Restless, a palavra do título original, é uma beleza. Tem sonoridade forte, e dá a sensação de uma coisa muito mais ampla do que o adjetivo inquieto. O dicionário inglês-português que mais uso dá para restless os adjetivos inquieto, intranquilo, irrequieto, impaciente, descontente. Pois é: restless é tudo isso – e não apenas inquieto. Há palavras em inglês (como também em português, em qualquer língua) que são mais expressivas que sua tradução. Restless é um caso típico.

Vejo no meu Longman uma definição fascinante: “sem vontade ou incapaz de permanecer quieto, especialmente por causa de ansiedade ou falta de interesse”. Beleza de forma de definir o que a palavra quer dizer.

Talento, ah, o talento

Informação do IMDB: foi o primeiro roteiro de Jason Lew. Ele e Bryce Dallas Howard foram colegas na New York University, e foi lá que que Jason Lew escreveu a história, na forma de uma peça de teatro. A bela Bryce, que atuou no teatro ao lado de Lew, o incentivou a transformar sua peça em um roteiro de cinema.

É um nome para se guardar, o desse Jason Lew. É um garoto, como tantos garotos que Gus Van Sant descobre na vida. Não achei a idade dele, nem o local de seu nascimento; é tão novo que não há minibiografia dele no IMDb, nem há verbete sobre ele na Wikipedia em inglês. Pelas fotos, pela cara dele nos especiais que acompanham o filme no DVD, não tem mais de 30 anos. Como Bryce Dallas Howard é de 1981 e foi colega dele, dá para imaginar que ele esteja em torno dos 30 anos.

Ah, o talento. Talento é foda.

Que maravilha de história ele soube criar. Que perfeita noção de timing, as revelações vindas, todas elas, no tempo certo, na hora exata. Nada fica solto, sem explicação. Nada sobra, tudo se encaixa com perfeição.

Sobre assim exatamente o que diz, o que é este Restless, falei pouquíssimo, quase nada. Melhor assim, por dois motivos. O primeiro: já se falou demais sobre o filme. O segundo: o que se disser sobre a trama atrapalhará o prazer de se ver Restless.

E Restless é extraordinário.

Quantos filmes existem por aí que falam de perda, dor, doença terminal, morte, do jeito mais terno, suave, doce, que pode haver?

Anotação em abril de 2012

Inquietos/Restless

De Gus Van Sant, EUA, 2011

Com Henry Hopper (Enoch Brae), Mia Wasikowska (Annabel Cotton), Ryo Kase (Hiroshi Takahashi), Schuyler Fisk (Elizabeth Cotton), Lusia Strus (Rachel Cotton), Jane Adams (Mabel), Paul Parson (Edward)

Argumento e roteiro Jason Lew

Fotografia Harris Savides

Música Danny Elfman

Produção Columbia Pictures, Imagine Entertainment, 360 Pictures. DVD Sony.

Cor, 91 min

****

7 Comentários para “Inquietos / Restless”

  1. Concordo, concordo, concordo; mil vezes concordo. Percebi q só postava aqui quando tinha opiniões opostas às críticas, mas agora vou expressar o meu apoio tbm.
    O filmé demais, vi no cinema, fiquei maravilhada.. a música da Nico (Velvet Underground? qual é a música) no fim do filme ficou muito bela, muito suave, pra uma cena que poderia ser bem barra pesada e/ou melodramática no pior sentido da palavra.
    Me apaixonei pelo pequeno Hooper tbm, desejo muito sucesso ao garoto. Me apaixonei até pelo figurino do filme. Muito lindo.

  2. Sérgio,
    obrigado pela citação, fico honrado.
    o Elfman tem uma produção realmente grande, o que acaba inevitavelmente caindo em repetições e trabalhos mais comuns, clichés dele mesmo.
    mas quando ele acerta, a coisa costuma ser realmente boa. vou atrás desta trilha aqui.
    excelente texto, como não poderia deixar de ser!
    um abraço grande.

  3. Uma correção precisa ser feita no seu texto. Você diz que a autora de Jane Eyre é Jane Austen, mas na verdade a autora deste livro é Charlotte Brontë!

  4. Cacete, José Fábio, obrigadíssimo pela sua correção! Era um erro ridículo, absurdo, crasso! Já corrigi lá, morrendo de vergonha.
    Muito, muito obrigado!
    Sérgio

  5. Como tu costumas dizer Sergio, um brilho de filme. Filmaço mesmo !!
    As histórias são muito diferentes mas, de alguma forma, o Henry Hopper me fez lembrar do Bud Cort em “Harold and Maud”, onde aliás a Ruth Gordon arrasa.
    Este filme é pura poesia, enfoca a morte sob um outro ponto de vista, aqui no caso, com esses jóvens que com suas perdas encaram isso com simplicidade.
    Muito bonito e muito triste também.
    Essa “menina” a Mia, já a vi em ” Um ato de liberdade “,” Jane Eyre ” e ” Minhas mães e meus pais”. Aliás,ainda não coloquei minha opinião lá na pagina do filme, aqui no site.
    E, com tôda a certeza ela já mostrou ao que veio.E o garoto( Henry ) com certeza é uma grande promessa. Não foi a toa esta atuação dele.
    – Dizem que devemos gritar ” Banzai ” quando mergulhamos sôbre o alvo. Em vez disso vou sussurrar seu nome –
    – Temos pouco tempo para dizer tudo. Temos pouco tempo prá qualquer coisa –
    – Há um pássaro que pensa que morre sempre que o sol se põe. De manhã ele fica chocado ao ver que ainda está vivo, então canta uma linda canção. –
    Coincidência ou não Sergio, quero dizer que na tarde de hoje, assisti um filme que achei muito lindo e muito triste também.
    Dos filmes ” gente como a gente ” , drama em familia. Aqui, um filho e sua mãe.
    Fala também de doença terminal,cancer,morte.
    E, de uma maneira já diferente, de como o Gus Van Sant faz aqui em “Inquietos”
    É um filme forte, duro, triste mas que eu achei muito, muito bom mesmo.
    ” Algumas horas de primavera “, É um filme Frances. Os atores são ótimos com destaque para a atriz Hèléne Vincent.
    Recomendo à voce e aos amigos do site que vierem nesta página.
    Um abraço, !!

  6. Só para constar. O filme em que ainda não coloquei minha opinião foi ” Minhas mães e meus neus pais”.
    Obrigado.

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