Sweeney Todd, o Barbeiro Demoníaco do Rua Fleet / Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street

Nota: ★★☆☆

Anotação em 2010: É assim: para quem gosta de ver banho de sangue, mas muito banho de sangue, sangue esguichando de veia cortada a navalha com mais força que água saindo de um gêiser islandês, pedaços picadinhos de seres humanos, de tal forma que a violência explícita de Sam Peckinpah vira conto de fadas, este é o filme.

Este é o filme, sem dúvida nenhuma.

Perto deste aqui, um terror sanguinolento explícito e vagabundo como Cabana Macabra vai parecer fichinha.

Agora, se, além de gostar de banhos de sangue, o respeitável espectador ainda tiver interesse em canibalismo, referência a cheiro de carne humana queimada para virar torta, visões de baratas e ratos, este é, sem dúvida alguma, o filme. The best. Imperdível.

Não posso pretextar inocência, desconhecimento. Tinha idéia, é claro, do que afinal de contas trata Sweeney Todd – o filme foi faladíssimo. Não gosto de violência, de banho de sangue, de sangue esguinchando, nada disso, mas peguei o filme, porque, afinal, é Tim Burton, o homem do visual louco, gótico, gore, fantástico, zoado, surrealista. Peguei o filme, mesmo sabendo do que se tratava; peguei pensando: “vamos ver como é”.

É, para as demais pessoas não incluídas na categoria acima descrita, um imenso, gigantesco nojo. É horripilante, é vomitativo, é um exagero de mau gosto apelativo, agressivo.

Claro: é estupendamente bem feito. O visual é estrondosamente bem cuidado, como tudo o que Tim Doidão Burton faz.

         O exagero do exagero do exagero. E um visual deslumbrante

E aí me repito, pra variar. Nas duas últimas décadas, pelo menos, as grandes produções do cinemão comercial, seja ele o americano ou o europeu ou o asiático (deve ser também o de Bollywood, mas este a gente conhece menos) seguem duas tendências básicas. Uma delas é o exagero do exagero do exagero do exagero. Está cada vez mais distante da vida das pessoas. A segunda tendência é a maravilha do visual.

O filme de Tim Doidão Burton tem um visual deslumbrante, exageradamente deslumbrante.

Parece uma disputa, uma olimpíada – como Geraldo Mayrink dizia, nos anos 80, referindo-se aos filmes de George Lucas e Steven Spielberg, um após o outro: vamos ver quem exagera mais, em tudo – no exagero e na maravilha do visual, e na bilheteria.

Vem um Peter Jackson e ataca de King Kong com uma Nova York dos anos 30 que é de babar. Aí vem Guy ex-Madonna Ritchie e traz uma Londres dos anos 1890 que é de babar muito mais ainda, em Sherlock Holmes. Aí vem Tim Doidão Burton e faz uma Londres exatamente da mesma época – está lá a Tower Bridge recém construída para não nos deixar mentir – com um visual de babar mais ainda.

         Melodias magníficas – é banho de sangue, mas é musical

Quando a ação começa, Sweeney Todd está voltando a Londres, após 15 anos. Vem num barco; é noite. Ele desce do navio numa doca do Tâmisa – e aí vemos uma seqüência que parece muito mais um jogo de computador do que um filme. Pulamos de esquina em esquina, avançamos à velocidade de Fórmula 1, de videogame, pelas ruas estreitas da cidade velha, fedida, horripilante, dickenseniana.

O visual é deslumbrante, acachapante.

As melodias são magníficas, extraordinárias. Ah, sim, eu não tinha dito antes, embora todo mundo já saiba: trata-se de um musical, e o autor das melodias e das letras é Stephen Sondheim, o gênio que participou da criação de West Side Story, possivelmente o último gênio vivo da época da Grande Música Americana – Sondheim é de 1930, jovem se comparado a Jerome Kern (1885), Irving Berlin (1888), Cole Porter (1891), George Gershwin (1898), ou o próprio Leonard Bernstein (1918), o mais erudito deles todos, justamente o colega de Sondheim em West Side Story.

Para compor as músicas do musical Sweeney Tood, Stephen Sondheim – essa é a impressão que eu tive, pelo menos – se-lançou-se-a-si-mesmo um desafio: vou fazer um musical com músicas mais belas, mais fortes, mais sinfônicas, mais grandiosas que Andrew Lloyd Weber, tadinho, jamais imaginou que conseguiria fazer.

Quando viu Sweeney Todd na Broadway, Tim Doidão Burton – essa é a impressão que se tem, pelo menos – estalou os dedos e falou: vou fazer um filme mais zureta, mais acachapante que ninguém jamais imaginou que conseguiria fazer.

(Não era necessário desafiar ninguém. Tim Doidão Burton não tem quem o enfrente no quesito zuretice.)

O cinemão comercial vira uma competição, uma olimpíada, fica com um visual cada vez mais estonteamente lindo – e cada vez mais adolescentóide, infantilóide, babaca, distante da realidade, da vida, das pessoas. Coisa mais fedida, mais putrefata que os esgotos de Londres que Tim Doidão Burton tanto filma.

         Um barbeiro que era muito feliz e um juiz que sempre foi muito cruel

Bem, mas não dá para se ter de barato que todo mundo sabe do que trata Sweeney Todd, e então lá vai. Era uma vez na Londres do século XIX um barbeiro muito competente e muito feliz, chamado Benjamin Baker, casado com uma moça loura e linda e pai de uma garotinha linda e loura. Mas aí – ó dor! – tinha lá também um juiz muito cruel, mas muito cruel mesmo, que mandou prender o barbeiro por um crime que ele não havia cometido, e então o barbeiro foi condenado e deportado. Quinze anos depois, o barbeiro Baker, que agora se chama Sweeney Tood, volta a Londres, disposto a vingar-se de tal tão cruel juiz. Associa-se a uma senhora que faz tortas no térreo exatamente do pequeno prédio em que o antigo barbeiro Baker morava, a sra. Lovett, que tem muito love, sem o t e t, logo de cara, pelo recém-chegado (é o papel de Helena Bonham Carter). E então ficam assim combinados: Sweeney Tood corta os pescoços de todos os que se sentarem à sua cadeira de barbeiro no primeiro andar, os corpitchos dos neguinhos caem até o porão, a sra. Lovett assa os corpitchos num grande forno, e serve tortas de carne humana para uma multidão cada vez mais ávida pelas tortas de carne que não sabe ser humana.

Em verdade, em verdade, vos diz a história, tudo o que Sweeney Todd quer é se vingar do brutal, cruel juiz. Ah, mas então por que raios ele fica matando meia população de Londres? Ué, simples – para se passar tempo suficiente para compor as quase duas horas que tem que durar um musical da Broadway, e depois um filme. No final, como nos bangue-bangues, teremos finalmente o duelo, a navalha do sofrido Sweeney Todd se encontrando com o pescoço do cruel, brutal juiz.

         A história da obra (não a trama dela) é fascinante

Não tinha a mínima idéia do que era a história da história de Sweeney Todd até que, depois de ver o filme nojento, vomitativo, fui dar uma olhada na internet. E a história é fascinante.

Sim, eu sabia que era uma história sanguinolenta. E acho que sabia que o filme se baseava num musical. Mas só.

E de fato a história desta história é fascinante.

Está na Wikipedia: “Sweeney Todd é um personagem fictício que apareceu pela primeira vez como o protagonista da penny dreadful The String of Pearls (1846-1847). A tese de que Sweeney Todd foi um personagem real é muito discutida por estudiosos, embora haja protótipos lendários, que transformam a história de Sweeney Todd num exemplo antigo de uma lenda urbana.”

Como é que é?

Pois é. Cinemão comercial infantilóide também pode ser cultura – embora cultura inútil. Acabo de aprender uma expressão da qual jamais tinha ouvido falar (ou da qual não me lembrava, se é que já tinha ouvido falar, o que nos es lo mismo pero es igual). Penny dreadful, também conhecido como penny horrible, penny awful, penny number e penny blood era um tipo de ficção inglesa publicada no século XIX que em geral apresentava histórias chocantes que iam sendo contadas ao longo de várias semanas, cada parte custando um penny. “O termo, no entanto, rapidamente passou a designar uma variedade de publicações que apresentava histórias de ficção baratas e sensacionalistas.”

Hum… Será que a Strand Magazine, que começou a publicar as histórias de um tal de Sherlock Holmes, em julho de 1891, poderia ser classificada como uma penny dreadful? Imagino que não; imagino que a Strand Magazine era mais, digamos, erudita, e, certamente, custava mais que apenas um penny. Mas posso estar errado.

Imagino – só imagino; não provo nada, já que até ontem jamais tinha ouvido falado nessa expressão – que as revistinhas com as penny dreadful fossem assim de uma qualidade semelhante às das histórias de cordel do Nordeste antigo.

Então a história de Sweeney Todd primeiro apareceu na forma de um cordel em folhetim, uma história em capítulos em publicações de papel bem barato, ao longo de 1846 e 1847. Contava a história de um barbeiro que tinha vivido em Londres em 1785.

E há quem diga que ela se baseava em fatos reais.

Só não dá para dizer que a mesma história (ou variações dela) foi recontada incontáveis, ou inúmeras vezes, porque, como ensinava Heitor da Luz, positivistamente atado à realidade dos fatos, não existe nada que seja incontável ou inúmero; são palavras que não têm sentido. Mas que ela foi contada diversíssimas vezes, lá isso foi, inclusive num filme de 1936. Mas então, too make a long story short, em 1973 um dramaturgo inglês, Christopher Blond, escreveu uma peça recontando pela décima bilionésima vez a história, e aí Stephen Sondheim viu a peça e, juntamente com Hugh Wheeler, transformou-a num musical, que estreou na Broadway em 1979, com Angela Lansbury como a sra. Lovett e George Hearn como Sweeney Todd. O musical foi filmado por John Schlesinger em 1998.

E aí Tim Doidão Burton fez o seu filme.

         Assunto sério: o tamanho dos seios de Helena Bonham Carter

Já gastei muito mais tempo com essa estultice do que saudavelmente seria de se admitir, mas quem disse que eu sou saudável?

O problema é que tem informação demais, e eu gosto de uma informaçãozinha. Mas então, para concluir – ou quase: foi a sexta colaboração entre Tim Doidão Burton e Johnny Depp, seu ator fetiche. Helena Bonham Carter… Que figura. Bela atriz, já fez bons filmes de diversos gêneros, com belas interpretações: Retorno a Howards End, Uma Janela para o Amor, Poderosa Afrodite… Na vida real, foi durante cinco anos a sra. Kenneth Branagh, que já havia tido a sorte na vida de ser o sr. Emma Thompson.

Na época das filmagens de Sweeney Todd,, era sra. Tim Doidão Burton, esperava o segundo filho dele – e, segundo o iMDB, deu entrevistas explicando que devem-se à gravidez os diferentes tamanhos dos seus seios ao longo do filme. De fato, o diretor botou sua senhora com uns figurinos que fazem aparentar o tamanho dos seios da senhora, e o tamanho dos seios varia bastante, ao longo do filme. Desculpem se falo deste detalhe, mas que culpa tenho eu, se o marido da moça quis realçar os seios da sua senhora, e a própria senhora saiu ao mundo falando do tamanho deles?

Eta cultura boa, esta nossa, em que Helena Bonham Carter comenta o tamanho de seus seios, Ivete Sangalo explica detalhadamente como faz para mijar durante o carnaval baiano… Eta maravilha.

A fascinação pelas cenas explícitas de terror

A rigor, eu ainda gostaria de falar sobre outras coisas que este filme nojento traz à tona, como a fascinação enorme que as cenas explícitas de terror exercem sobre os adolescentes, ou a fascinação enorme que os fora-da-lei, os bandidos, os assassinos, exercem sobre a cultura anglo-americana.

Mas seria overdose. Exagero do exagero.

Como é bom ter um fecho, eu diria duas coisas: prefiro Stephen Sondheim quando ele, bem mais jovem, compunha com Bernstein maravilhas como ”Maria”, “Tonight”, “Somewhere”. E prefiro Helena Bonham Carter quando ela, bem mais jovem, interpretava, maravilhosamente bem, um personagem de E. M. Forster, em Uma Janela Para o Amor, uma história sobre seres humanos.

Não se trata de uma preferência pela juventude, não. Muito ao contrário. Prefiro exatamente algo mais maduro a espetaculares espetáculos infatilóides.

Sweeney Todd, o Barbeiro Demoníaco do Rua Fleet/Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street

De Tim Burton, EUA-Inglaterra, 2007

Com Johnny Depp (Sweeney Todd), Helena Bonham Carter (Mrs. Lovett), Alan Rickman (juiz Turpin), Timothy Spall (Beadle), Sacha Baron Cohen (Pirelli), Jamie Campbell Bower (Anthony), Laura Michelle Kelly (Lucy), Jayne Wisener (Johanna)

Roteiro John Logan

Baseado no musical de Stephen Sondheim e Hugh Wheeler, por sua vez baseada em história adaptada para o teatro por Cristopher Bond

Fotografia Dariusz Wolski

Montagem Chris Lebenzon

Produção Warner Bros, DreamWorks Pictures, The Zanuck Company.

Cor, 116 min

**

10 Comentários para “Sweeney Todd, o Barbeiro Demoníaco do Rua Fleet / Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street”

  1. Eu não sou um fan de Tim Burton, alguns dos seus filmes não vi (este por exemplo) e outros vi e gostei pouco ou não gostei mesmo nada, como é o caso de “O Planeta dos Macacos” que achei grotesco e desagradável.
    Mas já “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” e “Edward Mãos de Tesoura” são do melhor que vi neste género.

  2. Eu gosto muito deste filme, assim como gosto de outros do Tim Burton, incluindo as animações (Vincent, Noiva Cadáver e O incrível mundo de Jack).
    Se formos analisar algumas histórias “ditas” infantis a maioria dos contos dos Irmãos Grimm, por exemplo, são aterrorizantes. Eu lembro que, lá pelos meus 9, 10 anos, os li e fui dormir com a luz acesa. São histórias que fazem parte do imaginário popular e dão aquele medinho gostoso.
    O que talvez não seja palatável em Sweeney Todd é a quantidade de sangue mas, pelo próprio exagero, não chega a ser convincentemente assustador.
    Visualmente o filme é um encanto, bem gótico. A fotografia é belíssima e os atores, tanto Johnny Depp quanto Helena B. Carter (doidona mor) saíram-se super bem nos vocais, mesmo não sendo cantores.
    E talvez os seios mutantes da atriz sejam um encanto a mais para os cuecas de plantão…rsrsrs

  3. São filmes como esse que encantam os fracos que fazem com que se espelham perdendo a noção e agindo da mesma forma sera somente coincidencia tanta semelhança nos canibais de Pe e ao Sweeney Todd?Filme de 2007 inicio dos crimes 2008.

  4. Texto bacana, parabéns. Cinema é coisa pra criança. Sem ofensa. Americano é criança e americano é rico, determina o que vai ser feito no mundo. Nunca vi esse. Tinha curiosidade. Tinha. Não vou ver. Filme legal é filme velho. Cada vez mais me convenço disso. Sou velho? Não. Mas também não sou tão novo assim.

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