Só Deus Sabe / Solo Diós Sabe

Nota: ★☆☆☆

Anotação em 2010: Uma jovem e linda atriz brasileira em ascensão meteórica, um jovem ator mexicano boa pinta já consagrado. Dinheiro do Brasil e do México, garantindo uma produção em tudo bem cuidada. Fotografia de primeiríssima, filmagens no interior do México, na capital mexicana, em São Paulo, em Salvador. Boa música original, boas canções incidentais – brasileiras, mexicanas, americanas. Interpretações boas, ou no mínimo corretas.

O diretor Carlos Bolado tinha quase tudo, quando fez Só Deus Sabe, em 2006. Só faltaram personagens e uma história.

Os personagens – criados pelo próprio diretor e Diane Wiepert, autores do argumento e do roteiro – não se sustentam. São como você tentar colocar uma folha de papel de pé: não dá.

A história, a trama… Credo em cruz, a Virgem de Guadalupe, Nosso Senhor do Bonfim, Oxum, Oxumaré não mereciam isso. E não sou eu que estou tomando seus santos nomes em vão – é o filme.

A idéia básia da trama é esta: os deuses e os santos – os mexicanos, os brasileiros, os que vieram via cristianismo, os que vieram dos negros africanos –, os astros e as estrelas escreveram nos céus, nas sagradas escrituras, no livro dos destinos, que Dolores e Damián foram feitos um para o outro, tinham que se encontrar, assim na Terra como nos Céus.

Partindo desse princípio básico, a dupla Carlos Bolado-Diane Wiepert se pôs a bolar uma história.

         Cruzando a fronteira entre o Império e o continente dos cucarachas

E então temos Dolores (Alice Braga, belíssima, gostosérrima), uma brasileira de 25 anos, radicada em San Diego, Sul da Califórnia, que, quando a ação começa, depois de um intróito com imagens oníricas de uma senhora e uma garotinha junto a um idílico riacho, está transando em cima de uma mesa na escola com o namorado americano, Jonathan (José María Yazpik).

Legal: o filme tem Alice Braga – por que não abrir com Alice Braga dando uma trepada? Mal à bilheteria certamente não faz.

Jonathan, o namorado americano de Dolores, é casado. É o último dia de aula, e Dolores se põe mais linda ainda do que o normal, com um vestidinho preto sobre o corpinho perfeito – mas Jonathan dá a má notícia. Não pode sair com ela naquele final de tarde, a filhinha está dodói, ele tem que ir para casa.

A amiga mexicana de Dolores, mais uns amigos americanos, está indo dar um pulinho até Tijuana, do outro lado da fronteira, para beber e dançar; Dolores não quer ir junto? Primeiro diz que não, mas quem, depois da frustração de ver o namorado ir pra casa cuidar da filha dodói, resiste? Lá se vão os quatro para Tijuana, do outro lado da fronteira que separa o Império do continente dos cucarachas.

Dança daqui, dança dali, Dolores vai ao banheiro, e, inadvertidamente, entra no banheiro masculino, onde está o moço que depois saberemos que é Damián, interpretado por Diego Luna, o Rodrigo Santoro mexicano. Trocam rapidamente o primeiro olhar, a brasileira Dolores e o mexicano Damián, os que os céus mandaram unir.

         Do outro lado da fronteira, sem o passaporte

Dança mais um pouco daqui, mais um pouco dali, e uns bandidos assaltam o carro do grupo, estacionado em frente ao bar-dancing. Quem vê o assalto é Damián, que corre para avisar o grupo. Os bandidos já foram embora, o vidro do motorista está estourado, levaram o rádio e… o passaporte de Dolores. Ali, no meio da confusão, Damián dá um jeito de passar para Dolores seu cartão de visitas – se precisar de alguma ajuda…

Os quatro amigos entram no carro e rumam de volta para a fronteira que agora separa o continente dos cucarachas do Império. O guarda pede os passaportes, o de Dolores foi roubado, ela não pode passar. 

Impasse. Os amigos dão alguma grana para Dolores, vão embora rumo ao Norte e deixam a brasileira do lado mexicano da fronteira.

Lá no estacionamento perto do bar-dancing de Tijuana, assim que o carro com o grupo arrancou, Damián deu uma olhada no chão e viu o passaporte de Dolores. Botou no bolso.

Alguém diz a Dolores que, para tentar refazer seu passaporte, precisa ir à Cidade do México, a três dias de viagem de ônibus. A informação carece completamente de lógica, mas o espectador ainda não viu nada. Dolores tenta embarcar num ônibus para a Cidade do México, mas ela está toda de vestidinho de alcinha, e é gostosa daquele tanto, e um bando de mexicanos vai dar em cima dela, e aí ela desiste do ônibus. Vai tomar uma cervejinha pra pensar o que fazer da vida, e nisso vê na bolsa o cartão de Damián, reportero. Liga para ele. Ah, que baita coincidência – pois não é que Damián, que terminou de fazer uma matéria em Tijuana, não está mesmo indo no seu velho carrão grande conversível de volta para a Cidade do México?

Depois de receber o telefonema de Dolores e combinar que vai pegá-la no lugar onde ela está, Damián guarda cuidadosamente o passaporte brasileiro da moça num bolso do blusão.

Pega a moça no bar onde ela acabava de tomar a cerveja, e lá vão eles por uns milhares de quilômetros rumo à Cidade do México.

         Diego Luna num carrão nas estradas do México – de novo

Estamos aí com não mais de 15 minutos de filme. Me peguei pensando que já vi filme em que Diego Luna pega uma estrada mexicana e vai embora toda a vida. Será que teremos um outro road movie à la E Sua Mãe Também? Pensei também em que Diego Luna parece Dorian Grey, não envelhece absolutamente nada. E me perguntei onde aquilo iria dar – por que raios Damián não devolveu de cara o passaporte de Dolores? É um bandido? Um seqüestrador? Um traficante? Qual terrível segredo ele esconde?

Deveria ter parado de ver o filme ali mesmo, com uns 15 minutos, mas fui em frente. Não quero ter má vontade. Vamos ver no que dá.

Vai piorando muito a cada nova seqüência. Entram em cena as divindades todas, as cristãs adaptadas à religiosidade mexicana, com aquela mania deles pelos mortos e pela morte, as divindades do candomblé brasileiro. Uma baita salada, uma mistureba de azeite dendê com tacos, vatapá com churros, acarajé com chili, cachaça com tequila, mãe de santo com santinho de Nossa Senhora de Guadalupe…

Alice Braga e Diego Luna se esforçam. Têm, os dois, além da fina estampa, talento e garra. Fazem um esforço hercúleo. Mas há momentos em que seus personagens são tão frágeis, os diálogos são tão absurdamente ruins, as situações são tão constrangedoramente inverossímeis, que eles se perdem. Nenhum Laurence Olivier, nenhuma Katharine Hepburn resistiriam – eles também se perderiam. 

Vou atrás de alguma informação objetiva e de outra opinião.

Não, Luciano Ramos não foi doido de incluir o filme em seu livro Os Melhores Filmes Novos, em que fala de 290 filmes lançados no Brasil entre 2005 e 2008. O AllMovie traz uma sinopse com alguns errinhos factuais, mas não tem crítica.

O iMDB mostra que o diretor Carlos Bolado nasceu em 1964, em Veracruz, no México. Sua filmografia inclui 24 trabalhos como montador (inclusive o bom Como Água para Chocolate) e 13 como diretor, dos quais cinco são curta-metragens e dois são documentários. Nunca vi qualquer dos outros filmes dele.

Só Deus Sabe foi apresentado no Sundance Film Festival de 2006. 

Uma outra opinião, para que eu não fique falando sozinho

No site Pílula Pop, encontro um texto assinado por Daniel Oliveira, bem mais objetivo do que esse meu acima. Transcrevo trechos, até para não ficar falando mal do filme sozinho:

Só Deus Sabe começa como um E Sua Mãe Também em que as sutilezas e alegorias do segundo foram substituídas pelos simbolismos óbvios de Carlos Bolado – e o parceiro de viagem de Diego Luna é Alice Braga, e não Gael García Bernal. Nenhuma obra-prima, mas soava divertido. Principalmente com ‘Evil’ do Interpol e ‘Music when the lights go out’ do Libertines com menos de meia hora de filme – o que, junto com a boa atuação e a química entre os dois protagonistas conquistou minha simpatia. (…)”

“Depois, Só Deus Sabe abraça o capeta, com o perdão do trocadilho. Dolores, personagem de Alice, volta ao Brasil – por mais uma das peripécias desnecessárias do roteiro – e entra numas de candomblé e ‘encontrar suas reais origens’. O que é simplesmente uma forma um tanto quanto clichê e muito menos sutil do que ela já vinha fazendo até então no longa. (…)”

“O retrato do candomblé é limitado e se restringe a simbolismos religiosos não muito elaborados. Dolores é a água (purificação), sempre se movendo, sempre mudando. (…) Longe da universalidade de um Alfonso Cuarón, ou da intimidade de um Sérgio Machado, Bolado filma as crenças mexicanas e brasileiras com uma superficialidade publicitária – reforçando clichês para turistas estrangeiros ávidos por exotismo.”

Só Deus Sabe/Solo Diós Sabe

De Carlos Bolado, México-Brasil, 2006.

Com Alice Braga (Dolores), Diego Luna (Damián), Maria Alves (Duda),  Claudette Maillé (Inês), Jose Maria Yazpik (Jonathan), Cecilia Suarez,  Renata Zhaneta, Damián Alcázar, Jésus Ochoa, Dagoberto Gilb  

Argumento e roteiro Carlos Bolado e Diane Weipert

Fotografia Federico Barbabosa

Musica Otto

Montagem Carlos Bolado e Manuela Dias

Produção Sincronía Films, Churchill y Toledo, Dezenove Filmes, Equipment Film Design. DVD Buena Vista

Cor, 115 min

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