Quando você viu seu pai pela última vez? / And when did you last see your father?


Nota: ★★★☆

Anotação em 2009: Um filme bonito, sensível, com interpretações magníficas, sobre as relações entre pai e filho na Inglaterra da segunda metade do século XX. A história é real: o filme se baseia num livro autobiográfico do poeta e escritor Blake Morrison, cujo título é o mesmo do filme: And when did you last see your father?

É uma história absolutamente comum, sem nada especial, sem nenhum grande acontecimento. O que faz a diferença é exatamente a sensibilidade com que a história é contada.

O hoje do filme, o tempo atual, é 1989 – é a única data que é dada, numa legenda no início da ação. Blake estava então com cerca de 40 anos – foi o cálculo que fiz, e eu estava certo, porque ele nasceu, conforme chequei depois, em 1950, por coincidência o ano em que eu nasci; 1989 foi o ano em que seu pai, Arthur Morrison, morreu. O filme focaliza momentos de três fases distintas da vida de Blake e seu pai – quando o futuro escritor estava com uns 7 anos de idade, portanto 1957, quando era um adolescente de uns 12, portanto 1962, e os momentos finais da relação com o pai, 1989.

As três épocas vão sendo mostradas paralelemente, o tempo todo, ao longo do filme, e assim o personagem central é interpretado por três diferentes atores – Bradley Johnson faz Blake criança, Matthew Bird faz o adolescente, e Colin Firth, esse ótimo ator, faz o poeta maduro.

apai

O pai, Arthur, um médico bem sucedido profissionalmente, é interpretado sempre pelo mesmo ator, o também excelente Jim Broadbent; a mãe, Kim, também é interpretada pela mesma atriz, Juliet Stevenson. Por coincidência, ou não, Jim Broadbent havia interpretado outro personagem real ligado à literatura – ele fez o marido da escritora Iris Murdoch em Iris, de 2001. Sua interpretação, aqui, em uma obra com grandes atuações, é uma das maiores qualidades do filme.

“Trapaças insignificantes, pequenas fraudes”

O filme abre quando Blake era garoto; ele, o pai, a mãe e a irmã, Gillian, estão em um carro a caminho de uma corrida de carros; há um gigantesco congestionamento na estrada, e Arthur, impaciente, comete um pequeno crime: ultrapassa dezenas de carros pelo acostamento. Para isso, mostra o estetoscópio para as pessoas que estão sendo burladas por ele: “Sou médico, houve um acidente”. E então a voz em off de Colin Firth, o Blake adulto, nos apresenta seu pai:

– “Assim eram as coisas com meu pai. Trapaças insignificantes, pequenas fraudes. Minha infância foi uma teia de pequenas fraudes e triunfos. Estacionar onde não se devia. Beber depois do horário permitido. Os prazeres da ilegalidade. Ele ficava perdido se não conseguisse trapacear um pouco.”

O Arthur Morrison que o espectador verá na hora e meia seguinte é assim mesmo: um sujeito alegre, brincalhão, festeiro, mulherengo. Capaz de pequenos crimes, não de sérias delinqüências. Não era um pai ausente, um dos piores crimes que um pai pode cometer – ao contrário, gostava dos filhos, gostava da companhia do pequeno Blake, gostava de passear com ele, experimentar pequenas aventuras como acampar no campo inglês mesmo em época de chuva, ou expor o filho adolescente à sua primeira cerveja em um pub. Às vezes o filho ficava um tanto embaraçado, envergonhado, com as atitudes expansivas do pai. De grave, o único crime de que Arthur poderia ser acusado pelo filho era o fato de que traía a mulher com a própria cunhada, a tia Beatty (Sarah Lancashire).

Nada capaz de causar traumas, problemas irreversíveis. Mas é aquela tal coisa que Lawrence Durell definiu em uma única frase, no seu livro Justine: “Que maravilhosa capacidade de sermos infelizes nós, os escritores, temos”. Como tantos escritores, Blake Morrison tem – é o que mostra o filme – uma grande sensibilidade, e portanto uma grande capacidade de ser infeliz.

Quanto aos princípios morais, propriamente ditos, veremos que o filho não estava tão longe assim do pai – tanto que, com o pai moribundo, o filho, casado e aparentemente bem casado, bem que tentará comer de novo a moça com quem primeiro trepou na vida, seu primeiro amor, Sandra (Elaine Cassidy), a empregada da casa na época em que ele era adolescente. 

Então é isso: vidas nada excepcionais, fantásticas, extraordinárias, mostradas com sensibilidade, num filme em tom menor, bonito, bem feito, com belas interpretações.

Quando você viu seu pai pela última vez? / And when did you last see your father?

De Anand Tucker, Inglaterra-Irlanda, 2007

Com Jim Broadbent, Colin Firth, Juliet Stevenson, Bradley Johnson, Matthew Bird, Elaine Cassidy, Sarah Lancashire, Carey Mulligan

Roteiro David Nicholls

Baseado no livro And when did you last see your father?, de Blake Morrison

Música Barrington Pheloung

Produção Film4, UK Film Council, Irish Film Board, Archer Street Productions, distribuição Sony Pictures Classics. Lançado no Brasil 5/12/2008

Cor, 92 min

***

4 Comentários para “Quando você viu seu pai pela última vez? / And when did you last see your father?”

  1. Eu gostei do filme, mas não achei nada muito especial. Talvez teria gostado mais se não fosse o tal Arthur. Eu conheço homens mais ou menos como ele, com a mesma personalidade, e como são irritantes! O tipo de pessoa que mais desagrada do que agrada… O que ele fazia com o filho era perturbador, me irritou muito. Iria acabar comigo se eu tivesse um pai que fizesse brincadeiras tão estúpidas. A presença dele incomodava o menino. Se ele gostava mesmo dos filhos, não parecia, não consegui ver. E de que adiantava todas aquelas brincadeiras (de mau gosto) se ele não se abria ao diálogo? Nem no fim da vida ele deu uma brecha para o filho falar o que sentia. E claro (algumas mães são experts nisso, mesmo que inconscientemente) que fez o filho ficar com sentimento de culpa, mesmo sendo ele, Arthur, o “culpado”.

    Pela primeira vez vou aqui defender um personagem homem, hahaha… Pra mim, a tentativa que ele fez em transar com a Sandra (ô sotaque irritante; esses irlandeses parece que capricham quando vão filmar!) foi mais uma mistura de sentimentos do que propriamente um desejo ou uma atitude de traição; ele estava tão centrado nas memórias do passado e ele tinha tanta raiva do pai, por inúmeros motivos e tb pq que sempre quis pegá-los no “flagra”, que acho que ele quis reviver aquilo sem a presença do genitor (como ele mesmo falou na hora).
    Pode até ser que tenha sido mesmo uma falha de caráter , mas num primeiro momento foi essa a impressão que tive.

    Uma coisa que achei legal foi quando ele chegou à casa dos pais e a irmã perguntou para a mãe se o príncipe tinha chegado. Hahaha, super me identifiquei. É assim que me refiro a um dos meus irmãos, o preferido da minha mãe. Família é tudo igual, não importa a nacionalidade.

    Agora, entre ter um pai presente desse e ter um pai ausente, mil vezes um pai ausente; Deus me livre daquele chato, depreciativo, que adorava usar o “jeitinho” pra se dar bem (será que ele era descendente de certos brasileiros? rsrs). E outra: ele não tinha nada que ficar se encontrando com a amante na frente dos filhos; isso fere profundamente a alma das crianças; sem falar que é um péssimo exemplo.
    Acho que a personagem da irmã ficou indefinida, e a mãe, era muito passiva (estranhíssima a cara dessa atriz).

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