O Silêncio de Lorna / Le Silence de Lorna


Nota: ★★★☆

Anotação em 2009: Um filme duro, cru, sobre a vida de imigrantes na Bélgica de hoje, e sobre dilemas morais, feito pelos irmãos Dardenne, que se tornaram absolutos queridinhos dos críticos e dos festivais do mundo inteiro.

Jean-Pierre e Luc Dardenne começaram a carreira fazendo documentários. De 1987 até 2008, o ano deste O Silêncio de Lorna, fizeram seis longa-metragens, que tiveram nada menos que 28 prêmios e outras 19 indicações. Os prêmios incluíram duas Palmas de Ouro em Cannes, por Rosetta, de 1999, e L’enfant, de 2005. O Filho/Le Fils, de 2002, e este filme aqui também foram escolhidos para participar da mostra competitiva de Cannes; O Silêncio de Lorna ganhou em Cannes o prêmio de melhor roteiro. 

Seus personagens são sempre pobres trabalhadores de Liège, a cidade belga em que os dois nasceram. E seus temas estão sempre ligados a questões morais.

Neste aqui, a protagonista Lorna (maravilhosamente interpretada por Arta Dobroshi, uma jovem nascida em Kosovo em 1979, em seu terceiro filme) é uma imigrante de um país da Europa Oriental que se casou com um viciado em heroína, Claudy (Jérémie Renier, ator que esteve em outros filmes da dupla de diretores), apenas para obter a nacionalidade belga. Veremos, depois de algum tempo, que o casamento foi arranjado por Fabio (Fabrizio Rongione), um pequeno mafioso que usa o disfarce de motorista de táxi. Veremos – também depois de bastante tempo – que foi Fabio que trouxe Lorna da Albânia, para ganhar dinheiro com ela. O plano é fazer com que, depois de obtida a cidadania belga para Lorna, ela se case com um rico mafioso russo, de forma que ele também obtenha o passaporte do país; ele pagará muito bem por isso. O plano envolverá, também, que eles se livrem de Claudy para que Lorna possa se casar com o russo.

A questão é que Lorna, embora saiba que está participando de uma tramóia, um golpe, por dinheiro, tem sólidos princípios morais. Ela sonha em juntar dinheiro para montar uma lanchonete junto com seu namorado, Sokol (Alban Ukaj), e é corretíssima com relação a dinheiro; não rouba um único euro do marido – só quer usar o dinheiro que ela própria fez por merecer, seja no legítimo trabalho numa lavanderia, seja no golpe arranjado por Fabio.

Seus princípios morais fortes, rígidos, a farão também ter pena do marido drogado, que está tentando desesperadamente abandonar o vício. Vai ajudá-lo na sua tentativa – e mais tarde será profundamente abalada com o que Fabio decide fazer com o marido dela.

Para contar essa história, os irmãos Dardenne usam um estilo quase documental, realístico até a medula. Recusam-se, por exemplo, a usar música para pontuar os climas das cenas – nunca usaram trilha sonora, até este filme aqui, que, apenas na última tomada, e em seguida nos créditos finais, tem uma obra de Beethoven ao piano. Ao longo do filme inteiro, o que se ouvem são apenas os ruídos naturais, os diálogos – e eventualmente o silêncio. Cru, cru, cru.

O estilo narrativo dos diretores inclui também não facilitar nada para que o espectador compreenda o que está acontecendo na tela diante dele. Eles pegam a história e vão apresentando o dia-a-dia dos personagens; só depois de algum tempo é que, aqui e ali, o espectador vai percebendo exatamente quem é quem, qual é a situação, por que um personagem está fazendo isso ou aquilo. Sabemos desde o início, por exemplo, que Lorna é de um país do Leste europeu porque ela fala numa língua que parece ser do Leste europeu; a informação de que ela é albanesa só surgirá quando faltam menos de dez minutos para o final do filme.

É um bom filme, sem dúvida alguma – embora o final tenha me deixado, e à Mary também, com a impressão de que os irmãos Dardenne não souberam muito bem o que fazer para concluir a narrativa. Mas devo confessar, candidamente, que não entendo por que a dupla merece tamanho e tão profundo endeusamento.

 Silêncio de Lorna

O Silêncio de Lorna/Le Silence de Lorna

De Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne, Bélgica-França-Itália-Alemanha, 2008

Com Arta Dobroshi, Jérémie Renier, Fabrizio Rongione, Alban Ukaj

Argumento e roteiro Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne

Produção Les Films du Fleuve. Estreou no Brasil 7/11/2008.

Cor, 105 min

***

6 Comentários para “O Silêncio de Lorna / Le Silence de Lorna”

  1. Eu não conhecia Arta Dobroshi. Olha,por este filme aqui, acho que apareceu outra grande atriz. Deu show.
    Há uma cena no filme onde à partir dali tudo mudou para ela.
    Foram despertos outros sentimentos nela em relação ao Claudy, o que mudou suas atitudes para melhor. Aquela coisa tôda entre ela o namorado o aliciador os clientes foi muito desgastante para ela.
    Ela se apegou ao Claudy , ficou chocada com o que lhe aconteceu.
    Daí, esqueceu a lanchonete , “criou” aquela gravidez e abandonou tudo.
    Tenho a mesma sensação que voce e Mary para com o final do filme.
    Um abraço !!

  2. Vi este e outro filme dos irmãos Dardenne – A Criança – e achei que estão muito bem feitos, embora não sejam fáceis de seguir, a secura que eles utilizam às vezes incomoda.
    O estilo documental dos realizadores torna os seus filmes diferentes do que normalmente se vê e ainda bem, o cinema trivial já chateia.
    Aqui não há lugar para públicos adolescentes, não há aqui nada que lhes interesse.
    Quanto aos críticos e festivais não sei, sei apenas que no jornal Público (Lisboa) as opiniões se dividiram.

  3. Lamento que o Sérgio chame aos irmãos Dardenne “queridinhos”, parece-me muito depreciativo. Já vi mais um excelente filme deles, “Le gamin au vélo” e também “Le Fils” igualmente notável. Ou será q

  4. (cont)ou será que o “queridinhos” quer dizer que eles são homossexuais? De qualquer forma acho lamentável caro Sérgio.

  5. Caríssimo José Luís,
    Eu quis dizer que eles são adorados pelos críticos de cinema! Só isso! É uma expressão comum no Brasil, fulano é queridinho da crítica, é queridinho dos adolescentes! Nada a ver com homossexual, de forma alguma!!!! Os irmãos são adorados pela crítica, assim como Abel Ferrara, por exemplo, ou Tarantino. Foi só isso que eu quis dizer!
    Um abraço.
    Sérgio

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