Minha Querida Lavanderia / My Beautiful Laundrette


Nota: ★☆☆☆

Anotação em 2009: Foi um choque ver My Beautiful Laundrette, o aclamadíssimo filme de Stephen Frears de 1985. Não tinha visto na época; vi praticamente todos os demais filmes de Frears, e tenho grande admiração por ele. Exatamente por isso foi um choque: achei My Beautiful Laundrette um horror.

Devo estar doido – Mary e eu devemos estar doidos, os dois, porque possivelmente somos as únicas pessoas do mundo que acharam o filme um horror.

Vamos lá ao desfile de elogios. Começando com Pauline Kael:

“Um filme surpreendentemente novo sobre a vida no Sul de Londres (nos anos do governo conservador de Margareth Thatcher, visto por um cineasta socialista, é preciso esclarecer de cara, e por isso me meto no texto da grande crítica), entre as mal-encaradas gangues brancas de rua, que vivem de pensão do governo e se sentem numa sociedade morta, e os imigrantes paquistaneses, que sabem que essa sociedade é a melhor que podem esperar, e tentam ascender aproveitando-se das brechas. No primeiro plano, temos um caso de amor entre um adolescente paquistanês de olhos negros, de beleza suave, quase uma flor, Omar (Gordon Warnecke), criado naquele bairro, e o jovem rústico louro (meio falso louro, esclareço: com apenas parte do cabelo pintado de louro), Johnny (Daniel Day-Lewis). Os dois se tornam sócios quando Omar convence seu tio (Saeed Jeffrey), dono de cortiço, a deixá-lo ficar com uma lavanderia falida e caindo aos pedaços, e os rapazes, com dinheiro roubado, a transformam na lavanderia de seus sonhos cintilantes. Dirigido por Stephen Frears, com um roteiro inteligente do jovem dramaturgo Hanif Kureishi, que nasceu no Sul de Londres de pai paquistanês e mãe inglesa, o filme nos prende no banditismo e decadência da vida na cidade grande moderna; sentimos como se nos tirassem as viseiras. Frears tem um estilo visual sensual altamente desenvolvido, e é sensível ao insólito e à energia na vida inglesa – sensível ao que ocorreu no panorama da música punk e ao que se passa na vida das gangues de adolescentes. É um prazer enorme ver um filme que trata de fato de alguma coisa, e que não se apóia em dourar a pílula para fazer o assunto ser engolido com facilidade. (É engolido antes que percebamos.) Escrito para a televisão britânica, com um orçamento de menos de US$ 850 mil, o filme foi feito em 16 mm; a ampliação para 35 mm é quase miraculosa.”

Leonard Maltin deu 3.5 estrelas em 4, e fala em “exame sensível e extremamente interessante das relações raciais e do estado econômico na Grã-Bretanha”.

O livro Off-Hollywood Movies, de Richard Skorman, um americano do Colorado, dá 3 estrelas (em 5) para o filme; faz elogios, mas toca na ferida, exprime um pouco do que foi o meu choque, meu desapontamento: “Stephen Frears surpreendeu todo o mundo quando seu filme de baixo orçamento (600 mil libras), estiloso, My Beautiful Laundrette, surgiu do nada e se transformou num grande sucesso nos cinemas de arte. (…) As atuações são muito boas, particularmente dos atores paquistaneses. Mas o filme tropeça um pouco na sua história. Começando com tudo que se requer de uma narrativa bem desenvolvida, lá pela metade a trama começa a vaguear, e lá pela seqüência final, a maior parte das interessantes subtramas e as caracterizações no filme já virtualmente se desintegraram.”

         Nada na história faz sentido algum, e o filme não define seu tom

laundretteNa minha opinião, não há nada de narrativa bem resolvida. Toda a narrativa já começa desintegrada, e vai se desintegrando cada vez mais à medida que o filme avança. Nada na história faz sentido algum. Não dá para entender os personagens, suas motivações, o que fazem. Não dá para entender de onde sai todo o dinheiro de Nasser, o tio do protagonista Omar; não dá para entender as relações entre Nasser e Salim (Derrick Branche), o traficante de drogas. Não dá para entender por que a gangue de punks tem tanto temor reverencial por Johnny. Não dá para entender por que de repente todo o bairro fica extasiado diante da lavanderia reformada.

E dá para acreditar no vodu que a mulher de Nasser executa na amante do marido?

Fiquei às vezes com a impressão de que Frears, o grande Frears, o autor de tantos filmes excelentes, naquela época muito jovem, não sabia direito que estilo adotava: se fazia um relato realista, se fazia uma farsa, uma paródia. Na verdade ele mistura todos esses estilos, num coquetel que a mim pareceu absolutamente indigesto – e incompreensível.

Mas eu devo estar louco, assim com a pobre Mary, porque todo mundo babou com o filme. Até mesmo o autor do livro Off-Hollywood Movies, embora ele tenha ousado – deve ser louco também – dizer que o filme “tropeça um pouco” e depois se desintegra.

Roger Ebert, um crítico cuidadoso, meticuloso, enche o filme de loas (ele deu 3 estrelas em 4). Mete aqui e ali alguns ligeiros senões, mas entra na parada de deslumbramento:

My Beautiful Laundrette se recusa a comprometer sua trama a qualquer agenda em particular, e achei isso interessante. Não é sobre se Johnny e Omar vão permanecer amantes, e não é sobre se a lavanderia vai ser um sucesso, e não é sobre o pai bêbado ou mesmo sobre a filha de Nasser, que está tão entendiada e desesperada que durante uma festa vai para o lado de fora e exibe os peitos nus para Omar através do vidro: qualquer coisa para sair da conversa fiada. O filme não está preocupado com a trama, mas sim em nos dar uma sensação sobre a sociedade em que seus personagens habitam. A Grã-Bretanha moderna é um estudo de contrastes, entre ricos e pobres, entre as classes alta e baixa, entre os britânicos de nascimento e os vários grupos de imigrantes – alguns dos quais, como os paquistaneses, começaram a prosperar. A essa mistura, o filme acrescenta o conflito entre hétero e homo.”

E mais adiante:

“O espectador poderá passar por um processo curioso enquanto assiste a este filme. Para começar, há falta de familiaridade: Quem são essas pessoas, de onde elas vêm, e que tipo de sociedade elas ocupam na Inglaterra. (…) Depois começamos a imaginar sobre o que é este filme. É com algum alívio que compreendemos que não é “sobre” nada; é simplesmente algumas semanas passadas com alguns personagens de uma maneira que nos diz mais sobre alguns aspectos da Grã-Bretanha moderna do que nós já vimos antes.”

         É Frears, é corajoso, é ousado, mas é uma grande merda

Hum… Sensacional. Ebert admite que este é um filme que não está preocupado com a sua trama. E que ele não é sobre nada. Legal. É exatamente isso mesmo: é um filme que não está preocupado com sua trama porque sua trama é inexplicável. E não é mesmo sobre nada.

É impressionante como se criam mitos – e ninguém tem coragem de dizer claramente: péra lá, moçadinha boa; tá certo que é Stephen Frears, tá certo que é corajoso, é ousado falar de caso homossexual inter-racial na Inglaterra invadida por imigrantes das suas antigas colônias, mas o filme, a rigor, a rigor, é uma grande merda.

Pois eu digo. Podem achar que estou louco, mas, na minha opinião, My Beautiful Laundrette é uma grande merda.

Outros filmes de Stephen Frears já neste site:

O Segredo de Mary Rilley/Mary Reilly, 1996

Sra. Henderson Apresenta/Mrs. Henderson Presents, 2005

A Rainha/The Queen, 2006

Minha Querida Lavanderia/My Beautiful Laundrette

De Stephen Frears, Inglaterra, 1985

Com Gordon Warnecke (Omar), Daniel Day-Lewis (Johnny), Saeed Jaffrey (Nasser), Roshan Seth (Papa), Shirley Ann Field (Rachel), Rita Wolf (Tania), Derrick Branche (Salim)

Roteiro Hanif Kureishi

Fotografia Oliver Stapleton

Produção Channel 4, Working Title

Cor, 98 min

*

Título em Portugal: A Minha Bela Lavandaria

9 Comentários para “Minha Querida Lavanderia / My Beautiful Laundrette”

  1. Fiquei feliz ao ler que você avalia este filme “…como uma grande M.”
    Logo que este filme chegou às locadores, estive com ele em mãos várias vezes e sempre o devolvi à prateleira. Sei lá, mas o título não conseguiu me atrair. Ainda bem…

  2. Cara Dininha, muito obrigado por seu comentário.
    Mas é preciso dizer que o filme é extremamente elogiado por todo mundo. Eu mesmo sou fã de carteirinha do diretor Stephen Frears – este foi o único filme dele de que não gostei. Pode ser sido o momento em que o vi. Assim, não sei – talvez você devesse experimentar. Pode ser que você, como a imensa maioria dos críticos, goste do filme.
    Um abraço.
    Sérgio

  3. Junto com a Dininha aí em cima já somos quatro que acharam essa merda uma merda. Teve gente que gostou dessa merda? Não sabia.

  4. O filme ficou datado, é isso. Revi hj e não tem o mesmo impacto de ter visto nos anos 80. O roteiro tem falhas mas está longe de ser horrível. Um filme mediano de um diretor incrível.

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