Sra. Henderson Apresenta / Mrs. Henderson Presents


Nota: ★★★★

Anotação em 2006, com complemento em 2008: Uma total delícia, uma pérola, um daqueles filmes abençoados que deixam o espectador mais leve, mais feliz da vida, menos amargurado com a humanidade que destrói a si mesma e ao planeta, mas é capaz de coisas belas.

Os gigantes Judi Dench e Bob Hoskins dão um show, literalmente, e a menina Kelly Reilly, a Wendy de Albergue Espanhol e Bonecas Russas, ilumina a tela com sua beleza. Definitivamente: o cinema inglês (na verdade o das British Isles todas) pode até não ser o melhor do mundo, hoje, mas é o de que eu mais gosto.

E é absolutamente fascinante saber que a história aconteceu de verdade. Tudo o que o filme vai contar, e que parece ter saído da imaginação fantástica de um roteirista que cheirou demais ou tomou ácido, se baseia em fatos reais, conforme mostram os deliciosos especiais do DVD, com entrevistas com mulheres que participaram da história real.

Mais uma vez, impressiona demais a versatilidade de Stephen Frears. Ele passa da barra pesadíssima de Coisas Belas e Sujas/Dirty Pretty Things, de 2002 – uma viagem duríssima ao submundo dos pobres imigrantes na Londres de hoje – a essa reconstituição feérica, alegre, bem humorada, cheia de música, do mundo teatral da Londres dos anos 30 com a tranqüilidade de quem atravessa uma rua pouco movimentada. Filma a França do século XVIII, em Ligações Perigosas/Dangerous Liaisons, com a mesma desenvoltura com que faz um policial amargo, absolutamente noir, em Os Imorais/The Grifters, ou uma brincadeira engraçada na Irlanda de hoje, em A Van/The Van, ou um suspense-terror na Inglaterra do século XIX, em O Segredo de Mary Reilly/Mary Reilly.

Judi Dench, a esplêndida atriz de teatro, gloriosamente bela aos 71 anos de idade, faz a Sra. Henderson do título, Laura Henderson, uma mulher muita rica que, quando o filme começa, acaba de perder o marido. Antes de mais nada, vale transcrever dois diálogos dela com a amiga Lady Conway, bem do início da narrativa; eles dão o tom irônico, debochado, inteligente, gostoso, suavemente subversivo e absolutamente britânico que perpassa todo o filme:  

Mrs. Henderson (no funeral do marido): – A viuvez me deixa  entendiada.

Lady Conway: – Minha cara, você está apenas roçando a superfície dela.

Mrs. Henderson: – Eu tenho que sorrir para todo mundo. Nunca tive que sorrir para ninguém. Na Índia sempre havia gente para eu olhar de cima.

Lady Conway: – As pessoas estão meramente sendo simpáticas. Afinal de contas, você perdeu seu marido.

Mrs. Henderson: – Foi muita falta de consideração de Robert ter morrido. O que é que eu vou fazer agora?  

E um pouquinho depois:       

Lady Conway: – Não é tão ruim assim. As viúvas podem ter hobbies.

Mrs. Henderson: – Hobbies?

Lady Conway: – É. Bordado, coisas assim.

Mrs. Henderson: – Você ficou louca?

Lady Conway: – Eu me graduei nisso. Quer ver minhas tapeçarias?

Mrs. Henderson: – Prefiro beber tinta.

Lady Conway: – Associações também são uma coisa boa. Eu trabalho em diversas organizações de caridade. Uma vez que seu marido está morto, é bastante permissível ajudar os pobres. E, agora, não há ninguém para impedir que você compre coisas. E também, é claro, há bastante tempo para ter amantes.

Mrs. Henderson: – Margot, estou com quase 70!

Lady Conway: – É verdade, mas você também é muito rica. Uma coisa cancela a outra.

Há centenas de filmes que não conseguem tanta inteligência assim ao longo de 90, 100 minutos – e este filme está ainda na introdução. Sem achar graça alguma em bordados, caridade ou amantes, Mrs. Henderson resolve comprar um teatro. Acha um à venda, no West End, compra, reforma, e contrata um experiente diretor para produzir os espetáculos.

O diretor, sujeito inteligente, conhecedor do metiê, de vontades fortes, claramente vindo das classes inferiores à da Sra. Henderson,  britanicamente consciente das diferenças que o separam da patroa, mas cônscio da sua importância e de sua expertise, é interpretado por Bob Hoskins. O embate entre a mulher riquíssima e o self made man do show business, interpretados por esses atores soberbos, é coisa de gênio, que dá vontade de rever várias vezes.

Ah, sim, é preciso mencionar. Lá pelas tantas, quando, depois de algum sucesso, seu teatro começa a ficar meio às moscas, Mrs. Henderson tem a idéia de botar em cena mulheres nuas. Simple as that. O diretor se enfurece, aquilo nunca tinha sido feito, era proibido, era contra a lei e a decência, mas Mrs. Henderson bate o pé. Vai ter mulher nua no West End, antes do início da Segunda Guerra Mundial.

E, nos extras do DVD, podem-se ver várias daquelas mulheres, ainda vivas no início do século XXI, reunidas pela produção do filme. Uma alegria, uma maravilha.

Sra. Henderson Apresenta/Mrs. Henderson Presents

De Stephen Frears, Inglaterra, 2005.

Com Judi Dench, Bob Hoskins, Will Young, Kelly Reilly

Roteiro Martin Sherman

Baseado em idéia de David Rose e Kathy Rose

Música de George Fenton

Produção BBC Films

Cor, 103 min.

8 Comentários para “Sra. Henderson Apresenta / Mrs. Henderson Presents”

  1. Este filme é mesmo uma delícia; adorei tanto que já cá tenho o DVD há um tempo.
    O assunto foi uma surpresa total para mim, não fazia a menor ideia.
    Os actores principais – Judi Dench e Bob Hoskins – um espanto.
    A cena da conversa da Srª. Henderseon com o Lord Chamberlain, que é o censor de teatro na altura, é o máximo.

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