Cidade Sem Compaixão / Town Without Pity

Nota: ★★★½

Anotação em 2003: Eis aí um filme claramente subestimado. E que é impressionante por diversos motivos. Primeiro: é extremamente corajoso e ousado ao falar, em 1961, de temas fortes, pesados. OK, Anatomia de um Crime é de dois anos antes, 1959, e foi de fato o primeiro a falar de estupro, calcinha, abertamente, com termos até então proibidos pelo Código Hays ou o que tinha restado dele. Mas este é muito mais forte.

Em segundo lugar, ele está o tempo todo em cima do fio da navalha, porque atribui parte da culpa do estupro à mocinha estuprada, e isso poderia parecer – como parece ainda hoje – uma odiosa e politicamente incorreta acusação à vítima. Em terceiro lugar, adiciona a esses elementos já explosivos um outro tão explosivo quanto,  que é o fato de os estupradores serem do Exército americano, de um Exército de ocupação na Alemanha derrotada, poucos anos após o fim da Segunda Guerra, e de a vítima ser uma moça rica alemã. E, em quarto lugar, o filme faz uma conclusão que assusta até hoje. O personagem de Kirk Douglas, o major que é designado advogado de defesa dos militares estupradores, conclui, e repete diversas vezes: Nunca leve um caso à Justiça.

A narrativa tem uma característica extremamente interessante: a história é toda narrada por uma jornalista alemã, que trabalha para um jornal que o advogado de defesa considera uma merda malcheirosa. Ela começa narrando com a certeza absoluta e absolutamente firme de que os estupradores são animais e a vítima é uma pobre jovem indefesa e inocente; ao longo do filme, as certezas dela vão sendo postas em cheque. As verdades absolutas vão desaparecendo.

Peguei o filme com dez minutos já passados, e portanto não vi a apresentação, mas fiquei achando que a atriz que faz a garota estuprada, Karin Steinhof, devia ser a Christine Kaufmann, que se casaria pouco depois com o Tony Curtis, rompendo um casamento de muitos anos dele com a Janet Leigh. De fato é ela, e ela parece ter 16 anos – está impressionantemente jovem, e trabalha muito bem, está muito bem dirigida.

Christine Kaufmann – chequei muito tempo depois – estava mesmo com 16 anos; ela nasceu em 1945, o ano do fim da Segunda Guerra; este filme foi sua estréia no cinema americano, mas ela já era veterana na Alemanha – começou a trabalhar em 1952, aos sete anos de idade, portanto, e aos 16 anos já havia feito 22 filmes.

A resenha do Maltin tem apenas duas linhas: “2.5 estrelas em 4. Drama de tribunal sobre G.I.s acusados de estuprar garota alemã. Elenco decente, mas poderia ter sido melhor manejado. Canção título, cantada por Gene Pitney, foi um grande sucesso. Filmado na Alemanha.” 

O Cinemania só tem a resenha do Maltin – o filme não foi comentado pelo Ebert, nem pela Pauline Kael. O guiazinho do Steven H. Scheuer dá 2 estrelas em 4. O guia do Mick Martin e Marsha Porter não traz o filme. O guia da Time Out também não traz. Um absurdo.

Nova anotação em 2003:

 R, ***1/2 A prova de que o filme é bom e de que eu gostei dele é que, ao zapear e perceber que o filme iria começar, assisti inteirinho, de novo, poucos meses depois de ter visto pela primeira vez. (Vi em agosto – são só cinco meses.)

Cidade Sem Compaixão/Town Without Pity

De Gottfried Reinhardt, EUA-Suíça-Alemanha Ocidental, 1961.

Com Kirk Douglas, E.G.Marshall, Christine Kaufman, Barbara Rutting

Roteiro Silvia Reinhardt e Georg Hurdalek

Baseado na novela The Verdict, de Manfred Gregor, adaptada por Jan Lustig

Fotografia Kurt Hasse

Música Dimitri Tiomkin

Produção Gottfried Reinhardt, The Mirish Corporation

P&B, 105 min

3 Comentários para “Cidade Sem Compaixão / Town Without Pity”

  1. 1960 foi um dos anos que mais vimos filmes. Iamos ao cinema no mínimo duas vezes por semana. Cidade sem Compaixão marcou bastate, pois atéaquela época estupro era uma coisa quase desconhecida para mim, e pouquissimo comentada.Kirk Douglas o galã que eu admirava.Hoje, lendo o que você escreveu sobre o filme, senti uma vontade enorme de assistí-lo novamente.

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