A Via Láctea


1.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2009: A Via Láctea é um filme pretensioso, metido a besta, sacal, insuportavelmente chato.

Um sujeito sai de um prédio de apartamentos, com a cara de angustiado, desorientado, anda pela rua, atravessa, vai até o outro lado, volta para o meio da rua, há o ruído de um baque. Corta, e temos de novo o sujeito saindo do mesmo prédio de apartamentos, com a cara de angustiado, desorientado, anda pela rua, atravessa, vai até o outro lado, volta para o prédio de onde saiu, entra no carro. Corta, e temos de novo uma repetição da seqüência anterior com pequenas variações. Esta é a abertura do filme – tudo com câmara de mão nervosa, inquieta, cansativa, enervante. 

O espectador pode perceber claramente que: a) óbvio, o cara foi atropelado; a segunda seqüência não é a realidade, é o que poderia ter sido, é uma outra realidade, um sonho, uma imaginação, um delírio; b) a diretora Lina Chamie viu muitas vezes Ano Passado, em Marienbad, e todas as experiências do Godard e todos os “vanguardismos” possíveis; c) vem aí pela frente um filme pretensioso, metido a besta, sacal, insuportavelmente chato.

avia1Heitor (Marco Ricca), o sujeito da seqüência inicial, professor de literatura e escritor, conhece Júlia (Alice Braga), uma jovem atriz que abandona o palco pela faculdade de veterinária. Conhecem-se durante uma apresentação de As Bacantes, do José Celso Martinez Corrêa – e só por aí o espectador já pode ver que são uns chatos de galocha, uns intelectualóides de merda. Como são intelectualóides – vivem recitando poemas um para o outro (inclusive de Mário Chamie, o pai da diretora), citando Carlos Drummond, Manuel Bandeira, demonstrando ou pretendendo demonstrar cultura, refinamento intelectual, ou falando num estilo lítero-acadêmico-babaca –, não são felizes; Heitor tem ciúme, especialmente de Tiago (Fernando Alves Pinto), amigo antigo de Júlia.

No seu estilo fragmentado, triturado, desconjuntado, anti-cronológico, e anti-lógico, a diretora Lina Chamie nos conta que Heitor e Júlia tiveram mais uma de suas brigas ao telefone; Júlia propôs terminar o caso, disse que nem sabia mais se amava Heitor, Heitor perguntou se havia outro, se era Tiago; desligaram o telefone putos. Heitor se arrependeu, resolveu ir até a casa de Júlia – e aí aconteceu a cena mostrada várias vezes e de formas diferentes nas seqüências iniciais, Heitor chegando à rua com a cara de angustiado, desorientado – até o ruído de um baque.

Ao longo do filme, teremos 200 tomadas de Heitor em seu carro, a caminho da casa de Júlia, preso num congestionamento insuportável, desses que temos todos os dias em São Paulo.

É possível que a diretora Lina Chamie tenha tentado contar uma história entremeada de “e se tivesse sido diferente?”, “e se as coisas tivessem tomado outro rumo?”. É possível.

Lá pelo meio do filme, temos uma seqüência em que Heitor e Júlia estão no alto de um prédio no centrinho de São Paulo, provavelmente na cobertura do Martinelli; Heitor faz declarações de amor, quer casar com Júlia e viver com ela para sempre, ou pelo menos 30 anos, ou então 20, dez, cinco, três. Bem mais tarde, teremos uma seqüência semelhante – no mesmo lugar, o mesmo diálogo, mas invertido, desta vez Júlia fazendo as declarações de amor.

avia2Há também uma seqüência de três realidades distintas, diferentes, mostradas em seguida; na primeira, Júlia está em casa lavando louça (com uma cara de profunda angústia; por que uma tão profunda angústia ao lavar louça?, me pergunto) e esquentando água no fogão, toca a campanhia e Tiago chega; na segunda, Júlia está lavando louça do mesmo jeito, mas quem toca a campainha e chega é Heitor; na terceira, Júlia está lavando louça do mesmo jeito, só que Heitor também está na casa dela, e os dois vão atender à porta quando Tiago toca a campainha levando flores para ela. 

Ah, vá plantar batatas.

         Uma diretora “densa, poética e perturbadora”

De qualquer forma, agora que já anotei o que achei, vou dar uma olhada na internet; com toda certeza, haverá textos com elogios à genialidade da moça.

Opa! Temos aqui um texto assinado por Márcio Ferrari, editor de UOL Cinema, que explica de que trata o filme:

“De acordo com Lina, é uma ‘história de amor vertiginosa’ que tem na cidade de São Paulo um de seus personagens. O ponto de partida é uma briga de casal por telefone. Ele é um ‘professor de literatura quarentão’; ela, ‘uma jovem veterinária voluntariosa’. Na discussão telefônica a jovem anuncia a ruptura da relação de alguns anos, mas o professor não se conforma e sai de carro rumo à casa dela para tratar do assunto cara a cara. Começa um trajeto que é o próprio filme, e na verdade são dois: o caminho atravancado em meio ao trânsito do fim de tarde em São Paulo e as idas e vindas da memória e da imaginação de Heitor, o professor de literatura. ‘As impossibilidades da cidade vão dialogando com sua viagem interior’, diz Lina.”

Ah, bom!

E tem mais:

“Há, segundo ela (a diretora Lina Chame), uma espécie de corpo-a-corpo entre a cidade e Heitor. No filme isso se traduz pelas imagens captadas em mini-DV durante todo o trajeto de carro. A agilidade da câmera pequena permitiu a gravação ininterrupta da matéria-prima que originou 80% da metragem final do filme. Os outros 20% foram gerados em película – parte em 35 mm e parte em super-16. Ao todo, foram mais de 60 horas de material filmado. Essa opção técnica ‘criou uma linguagem e se transformou numa pegada do filme’, segundo Lina. ‘A câmera rouba momentos sem interferência, como se a cidade pudesse falar por si só.’ Na alternância de texturas, os trechos imaginários e idílicos têm a luz mais límpida e repousante, obtida por meio de película. ‘O filme se espalha pela cidade e tem um destino, que é a tentativa de chegar a um ponto de descanso.’ Levada pela constatação de que o amor é a maior motivação para ficar ou ir embora, Lina construiu a história – em parceria com o co-roteirista Aleksei Abib – como uma jornada que é também do desejo e do delírio.”

Falou.  

Na internet há, sim, diversos outros textos babando com o filme, dizendo que Lina Chamie é densa, poética e perturbadora.

Falou.

A Via Láctea

De Lina Chamie, Brasil, 2007

Com Marco Ricca, Alice Braga, Fernando Alves Pinto

Argumento Lina Chamie

Roteiro Lina Chamie e Aleksei Abib

Produção Girafa Filmes

Cor, 86 min

*

5 Comentários para “A Via Láctea”

  1. Se o filme fosse feito em um país tipo Argentina você diria que o filme é bom e que é disso que o cinema nacional precisa, mas já que o longa é Made in Brasil você mete o pau.

  2. Não é assim. Não é verdade o que você diz.
    Confesso que sua mensagem, dando a entender que meto o pau sistematicamente no cinema brasileiro, me assustou -porque isso não é verdade, e eu não gostaria, de forma alguma, de passar essa impressão.
    Por isso, fiz um levantamento sobre as cotações que dei para os filmes brasileiros já no site. É assim:
    Quatro estrelas – 5 filmes
    Três estrelas e meia – 4 filmes
    Três estrelas – 7 filmes
    Duas estrelas e meia – 12 filmes
    Duas estrelas – 2 filmes
    Uma estrela e meia – 1 filme
    Uma estrela – 3 filmes
    Meia estrela – 5 filmes.

    Levando em consideração que duas estrelas e meia equivalem a regular, temos que no site há 28 filmes brasileiros considerados de regular para excelente, contra 11 abaixo de regular.
    Os números são claros, eloquentes.
    Sérgio

  3. Este é um dos filmes que mais gosto. Não é a melhor coisa que existe, mas é criativo, provocante e, sobretudo, artístico. Ainda assim, eu consegui me envolver com os personagens.

    =)

  4. Agradeço a você por enviar seu comentário, com uma perspectiva completamente diferente da minha.
    Não sou, evidentemente, dono de verdade alguma; apenas boto aqui minhas opiniões pessoais. É uma maravilha ter aqui também o contraditório.
    Um abraço, e obrigado.
    Sérgio

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