2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Este filme do veterano Walter Lima Jr. é bem ambicioso. Através da história de um grupo de músicos e de um cineasta, ele mostra um painel de acontecimentos históricos e culturais dos anos 60 e 70, e mescla na sua narrativa ficcional – que se passa no Rio de Janeiro e em Nova York, com um trechinho em Buenos Aires – diversas citações de vários fatos reais.
A base da trama é um conjunto musical formado no Rio no início dos anos 60, durante a explosão da bossa nova, chamado Os Desafinados. São quatro jovens: Joaquim (Rodrigo Santoro), Davi (Ângelo Paes Leme), Geraldo (Jair Oliveira) e PC (André Moraes). Os Desafinados queriam participar de um show de cantores e compositores brasileiros que iria ser realizado no lendário Carnegie Hall de Nova York; ficam conhecendo, no Rio, um americano, Bill, que se oferece para fazer versões de composições do grupo para o inglês e vendê-las no mercado dos Estados Unidos; acabam sendo preteridos na seleção dos artistas que se apresentariam lá, mas resolvem embarcar para Nova York por conta própria. Junto com eles vai Dico Pereira (Selton Mello), grande amigo dos quatro, cineasta iniciante.
Em Nova York, os quatro jovens músicos e o cineasta reencontram o tal Bill, que acabará se revelando um mau-caráter: paga uma quantia fixa – pequena – pelas músicas e as registra nos serviços de direitos autorais em seu próprio nome.
Vão também encontrar, em Nova York, uma bela jovem cantora e instrumentista brasileira, Glória Goldfaber (Cláudia Abreu), radicada lá fazia algum tempo. Acabam todos indo parar por uns tempos no apartamento de Glória. Glória e Joaquim têm um romance – mas todos os demais vão, de alguma maneira, se apaixonar por ela.
Walter Lima Jr. abre seu filme com esplêndidas, extraordinárias tomadas de um Rio de Janeiro que continua lindo, façam o que façam e deixem de fazer o que deveriam todos os políticos que passaram pelo poder lá. São imagens com a qualidade de Pedro Farkas, o excelente diretor de fotografia que também fez maravilhas com a paisagem de São Paulo em Não Por Acaso (por acaso outro filme também estrelado por Rodrigo Santoro).
Quando a ação começa, logo após aqueles cartões postais estupendos do Rio, estamos nos anos 2000, e o rádio está noticiando a morte, na Suíça, em um acidente automobilístico, de Glória Goldfaber, “uma cantora de cuja voz quem viveu no final dos anos 60 certamente se lembra”, e que gravou três discos com o conjunto Os Desafinados.
Uma emissora de TV quer fazer um programa sobre Glória Goldfaber, e entra em contato com Dico Pereira (já velho, ele é interpretado por Arthur Koln), hoje dono de uma produtora de filmes. Sim, ele tem muito material sobre Os Desafinados e sobre Glória, inclusive filmes que fez quando os membros do conjunto a conheceram, em Nova York. Dico então procura Davi, Geraldo e PC (todos agora, bem mais velhos, interpretados por outros atores); reúnem-se em um bar. Vão falar dos velhos tempos, Dico vai tentar gravar entrevistas deles sobre Os Desafinados e Glória.
Não temos ainda 15 minutos de filme, e vamos então ter um flashback para o início dos anos 60, as apresentações para a seleção dos conjuntos que iriam para o concerto no Carnegie Hall, a viagem por conta própria, o reencontro com Bill, o encontro com Glória.
Ao longo do filme, teremos idas e vindas no tempo, do encontro de Dico com os três músicos no bar nos anos 2000 para flashbacks da estadia em Nova York no início dos anos 60, e também para flashbacks do reencontro dos Desafinados com Glória no Rio em meados dos anos 70.
No meio da ficção, muitas histórias reais
Ao longo dessas idas e vindas, temos, então, referências a vários fatos históricos, reais. Como se sabe, houve de fato um grande show de apresentação da bossa nova ao público americano no Carnegie Hall, no dia 21 de novembro de 1962; estiveram lá João Gilberto, Carmen Costa, Oscar Castro Neves e seu quarteto, Luís Bonfá, Sérgio Mendes e seu sexteto, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Milton Banana, Sérgio Ricardo. Os Desafinados não participaram – além de serem fictícios, eles não estavam entre os escolhidos pela produção, certo?
A figura do americano Bill também se inspira em fatos reais. Tom Jobim e Vinicius contaram várias vezes sobre os problemas que tiveram com os direitos autorais de suas músicas no mercado americano e no resto do mundo. Os americanos (basicamente Norman Gimbel, Gene Lees e um não me lembro o que Gilbert) que verteram para o inglês as letras preciosas de Vinicius, Tom e Newton Mendonça ficaram com a parte de leão, a metade dos direitos autorais, enquanto a outra metade era dividida pelos brasileiros autores de melodia e letra. E é preciso lembrar que The Girl from Ipanema teve muito mais de cem gravações diferentes mundo afora, e várias outros clássicos da bossa nova, muitos deles presentes na trilha sonora deste filme, tiveram dezenas e dezenas – é dinheiro que não acaba mais de direitos autorais.
O filme inclui na sua trama fictícia outro caso real – o do desaparecimento, nunca inteiramente explicado, do músico brasileiro Tenório Jr. durante uma excursão a Buenos Aires, em meados dos anos 70, quando Brasil e Argentina viviam sob as ditaduras militares de direita que se espalharam por quase toda a América Latina. Todas as indicações são de que Tenório Jr. teria sido confundido com algum militante de esquerda, preso, torturado e morto pelos serviços de segurança dos generais argentinos.
O jovem cineasta aspirante Dico Pereira é, obviamente, a síntese dos muitos jovens diretores do cinema novo. O próprio Walter Lima Jr. fez parte do movimento; estreou em 1965, com o elogiado Menino de Engenho, baseado na novela de José Lins do Rego. O sobrenome de Dico, Pereira, não é à toa – basta lembrar que os jovens do cinema novo eram todos fãs de Nelson Pereira dos Santos. Dico é o protótipo daqueles garotos da época do “uma idéia na cabeça e uma câmara na mão”.
Dentro do filme, Dico faz um filme bem à la cinema novo, carregado de mensagens sociais, Bala Certeira. Vemos algumas cenas de Bala Certeira, e algumas seqüências das filmagens dele. Numa delas, Dico Pereira-Selton Mello pergunta: “Cadê o Dib?” Dib Lufti, o grande diretor de fotografia de diversos dos principais filmes do cinema novo, foi ele mesmo o responsável pela fotografia de Bala Certeira, o filme de Dico Pereira que aparece no filme Os Desafinados. Por coincidência, Dib é irmão do grande Sérgio Ricardo, poeta, cineasta e compositor, autor da trilha sonora de Deus e o Diabo na Terra do Sol, e que esteve no concerto do Carnegie Hall de verdade.
O filme Bala Certeira terá problemas com a censura dos milicos que tomaram o poder em 1º abril de 1964.
Como pano de fundo para a história do conjunto musical Os Desafinados, temos, então, citados neste filme aqui, o esplendoroso Rio de Janeiro do início dos anos 60; o golpe militar de 1964; a marcha sobre Washington liderada por Martin Luther King; a censura às artes durante a ditadura militar; a ditadura argentina; o recrudescimento da censura pelos militares brasileiros nos anos 70. Convenhamos, é muita coisa. Não exagerei quando disse, lá em cima, que este é um filme ambicioso.
Um projeto de mais de uma década
Walter Lima Jr. contou em entrevistas que teve a idéia da trama do que viria a ser Os Desafinados ainda em 1997, em Veneza. A repórter Silvana Arantes relatou na Folha de S. Paulo, na época do lançamento comercial do filme, em agosto de 2008: “O diretor passeava pela Praça San Marco, frustrado por saber que seu A Ostra e o Vento, que disputava o Leão de Ouro, saía do Festival de Veneza sem prêmios do júri. Vinda de um café na lateral da praça, a melodia de Insensatez chegou aos ouvidos de Lima Jr., 69, e o devolveu instantaneamente a um território conhecido, ou melhor, a dois – a bossa nova e o Brasil. Caminhando na direção do som, o diretor avistou um flautista de cabelos curtos e corpo miúdo. Chegou mais perto, até que ‘ele’ se virou, revelando um belo rosto de mulher. Essa cena foi transportada para Os Desafinados, com as devidas licenças poéticas. A praça deu lugar ao Central Park, em Nova York. É lá que o pianista e compositor Joaquim (um Rodrigo Santoro vagamente inspirado em Tom Jobim) é atraído pelas notas de Copacabana, tocadas pela flautista Glória Goldfaber (Cláudia Abreu, de cabelos curtos e semblante radiante).”
O diretor teve que esperar mais de dez anos até realizar e lançar seu filme. Durante boa parte desse tempo, procurou financiamento para a produção. Não foi uma produção barata, para os padrões brasileiros – R$ 7 milhões.
Walter Lima Jr. é de Niterói, aquela cidade que tem o privilégio de possuir uma das mais belas vistas existentes na face da terra – o Rio de Janeiro. Seus personagens Joaquim e Davi também são de lá; o filme tem uma seqüência em que os dois estão na barca, atravessando a Guanabara, voltando do Rio para Niterói. E tem duas seqüências em que aparecem Joaquim e sua mulher Luíza (Alessandra Negrini), a baía e o Pão de Açúcar e o Rio de Janeiro ao fundo.
A rica trilha sonora do filme inclui diversos clássicos da bossa nova, é claro, em arranjos de Wagner Tiso, que criou também vários temas originais da trilha. A voz de Glória não é de Cláudia Abreu, essa gracinha cujo rosto ignora o passar do tempo – ela não está nada diferente do que era em 1992, quando fez a minissérie Anos Rebeldes. A atriz foi dublada pela cantora Branca Lima, filha do diretor Walter Lima Jr. Sua voz é suave, perfeita para o filme e para as canções da bossa nova.
Os Desafinados
De Walter Lima Jr, Brasil, 2008
Com Rodrigo Santoro (Joaquim), Cláudia Abreu (Glória Goldfaber), Selton Mello (Dico), Ângelo Paes Leme (Davi), Jair Oliveira (Geraldo), André Moraes (PC), Alessandra Negrini (Luíza), Genésio de Barros (Davi no presente), Arthur Kohl (Dico no presente), Antônio Pedro (PC no presente), Benê Silva (Geraldo no presente)
Roteiro Walter Lima Jr, com colaboração de Suzana Macedo e Elena SoarezArgumento Walter Lima Jr
Fotografia Pedro Farkas
Direção musical Wagner Tiso
Produção Flávio R. Tambellini. Estreou em SP 29/8/2008
Cor, 131 min.
**1/2
Título internacional em inglês: Out of Tune
Fiquei com vontade de ver esse filme desde que soube que ele estava sendo rodado, mais por causa da música, do piano, do que qualquer outra coisa. Depois esqueci e acabou passando. Mas quando vi, foi uma decepção. Bem aquém do que eu esperava. Os atores que fazem os músicos estavam tão mal que dava pra ver que estavam atuando (com exceção do Ângelo Paes Leme, que eu considero um bom ator, ao contrário do super badalado Rodrigo Santoro). Há que se relevar tb o Jairzinho, já que ele é cantor, e não ator. De resto, achei bem pretensioso. E a Alessandra Negrini sempre fazendo o papel dela mesma. Incrível! Pra mim é um filme apenas bonzinho, não mais que isso. Ainda bem que assisti na TV e não precisei pagar pra ver.
Esse filme é maravilhoso em todos os aspectos. Os fatos históricos da nossa política, a juventude da época cheia de ideologia, sonhos, foram muito bem encenados. Todo o elenco, brilhante, inclusive Jairzinho que nem é ator, mas conseguiu passar muita competência, e como não poderia deixar de ser, muita musicalidade, todos enfim, perfeitos. As músicas maravilhosas, e só quem viveu aquela época dos “Anos Dourados”, sentiram fundo na alma, e essa saudades tocou fundo nossos corações. Parabéns Walter Lima Jr., à todo o elenco, e muito obrigada pela homenagem a todos nós brasileiros que com muito orgulho pudemos vivenciar nesse filme o amor por essa maravilhosa época. Parabéns!!!!
Ótima resenha para um filme bem fraco…
A melhor resenha sobre esse filme. Ótimo trabalho de Walter Lima Jr.
Gostei do filme… Assisti sem pretensões e me surpreendeu. Gostei das atuações de Rodrigo Santoro, Alessandra Negrini e a Cláudia Abreu.