3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2000, com complemento em 2008: Aí já tem o talento do mestre John Ford, e muito de sua filosofia. Eu acho que eu não forcei a barra, ontem, ao dizer, escrevendo sobre O Último Hurrah, que o Juiz Priest (o grande Will Rogers) deste filme aqui tem um caráter muito parecido com o do personagem de Spencer Tracy no filme que o diretor faria décadas mais tarde, em 1958.
É o filme de um diretor ainda não completamente maduro, mas cheio de talento, e graça, e de uma bela visão da vida. A seqüência inicial é deliciosa: o promotor – um sujeito rico, despótico – tenta condenar um negro que teria roubado galinhas. O negro diz ao Juiz Priest que não roubou, que naquela hora estava pescando – e o juiz pergunta pescando o que, com que tipo de isca. Dali a pouco estão indo os dois, juiz e ex-réu, pescar.
Para Ford, neste filme, rico é imbecil e pobre é bom. Chega a ser maniqueísta, mas ele dá diversos exemplos disso ao longo do filme.
No final, há uma exaltação ao Sul vencido, contra o Norte vencedor da Guerra da Secessão; Ford toma partido apaixonado dos derrotados, sem qualquer vergonha.
Vejo agora no Leonard Maltin que o próprio Ford refez a história mais tarde, em 1953, em The Sun Shines Bright. Eu nunca tinha ouvido falar desse filme na obra gigantesca do mestre. Chamou no Brasil O Sol Brilha na Imensidão.
O que dá, então, a lição de que eu estava errado quando achava que Capra foi o único diretor a fazer um remake do seu próprio filme (Lady for a Day, 1933, e Pocketful of Miracles, 1961, os dois chamados aqui de Dama por um Dia). Temos também mestre Ford na lista – e Hitchcock também, que fez dois O Homem Que Sabia Demais. Wimwenders e aprendenders, como se diz.
É preciso, é obrigatório falar de Will Rogers, o ator que interpreta o Juiz Priest. Em 1934, ano deste filme, o cara era uma lenda – era simplesmente o artista mais popular dos Estados Unidos, como diz o livro The International Dictionary of Films and Filmakers – Actors & Actresses. Nascido em 1879, em 1905 já trabalhava no teatro de vaudeville em Nova York; trabalhou na Broadway, começou no cinema em 1918, fez a transição do cinema mudo para o falado já respeitadíssimo; escreveu vários livros, gravou discos, tinha uma coluna que era publicada em diversos jornais país afora, trabalhou como correspondente do Saturday Evening Post. Morreria um ano depois deste filme, em 1935, aos 56 anos, em um acidente de avião. Há diversos livros sobre ele, e em 1952 Michael Curtiz, o diretor de Casablanca, fez o filme The Story of Will Rogers.
Vale a pena transcrever um trecho do verbete sobre ele no dicionário citado acima, um texto de um tal Douglas Gomery:
“Will Rogers foi mais que um astro do cinema – ele foi uma das grandes personalidades do show business americano. (…) Nos desolados anos da Grande Depressão, Rogers veio a representar o nobre selvagem, o humorista casual e contador de histórias que operava dentro de uma América lendária do século XIX. John Ford, o grande diretor americano, foi quem melhor compreendeu a imagem de Rogers, e a explorou profundamente em Doctor Bull, Judge Priest e Steamboat Round the Bend.”
O Juiz Priest/Judge Priest
De John Ford, EUA, 1934.
Com Will Rogers, Henry B. Whitehall, Tom Brown, Anita Louise
Roteiro Dudley Nichols e Lamar Trotti
Baseado no personagem Juiz Priest, criado por Irvin S. Cobb
P&B, 80 min.
4 Comentários para “O Juiz Priest / Judge Priest”