3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Barra pesada, duro, de uma violência crua – e feito com muito talento. As duas atrizes, a madura, Monica Bleibtreu, e a garotinha, Hannah Herzsprung, são extraordinárias.
A abertura já é chocante. Vemos uma jovem deitada em um beliche; logo atrás da cabeça dela, há uma outra mulher que parece estar flutuando no ar, como uma Mary Poppins. O espectador leva alguns segundos para perceber: estamos em uma prisão, e a mulher que flutua no ar enforcou-se. A jovem acorda, vê o que aconteceu, enfia a mão no bolso da suicida e pega um cigarro dela.
Em seguida veremos uma velha senhora que chega à prisão com um piano de cauda. É Traude Krüger, o personagem da atriz Monica Bleibtreu; ensina piano para apenas quatro presas daquele presídio feminino um tanto mal tratado e com uma disciplina tão rígida e relações humanas tão gélidas que pensei que poderíamos estar na antiga Alemanha Oriental. Não, não é; estamos mesmo na Alemanha unificada.
A senhora Krüger tem mais um aluno, além das quatro presas. É Mütze (Sven Pippig), um dos guardas da prisão, um sujeito grandalhão, um tanto ingênuo, quase bobo, mas apaixonado por música erudita, pela ópera. É Mütze que conduz a nova prisioneira – a garota que roubou o cigarro da suicida na primeira seqüência – à senhora Krüger. Ele já viu a ficha da garota, Jenny (Hannah Herzsprung), e informa à senhora Krüger que ela tem talento musical. Quando tiram a algema da garota, no entanto, ela tem um acesso de fúria e agride ferozmente o guarda Mütze, jogando o rosto dele contra o teclado do piano de cauda da senhora Krüger.
É a primeira das cenas de violência explícita que o diretor e roteirista Chris Kraus – um jovem alemão da Saxônia nascido em 1963 – mostra com um talento assombroso; a violência é explícita, mas sua câmara faz cortes rápidos e, bem ao contrário do que faria um Sam Peckinpah, não a mostra com detalhes; ao contrário, corta-se rapidamente a tomada, e a câmara, como que com vergonha daquilo, vira-se para um outro lado, para mostrar outra coisa ali perto, neste caso aqui a fuga da senhora Krüger do lugar da agressão, enquanto, ao fundo, o espectador vê toda a movimentação dos guardas indo acudir o agredido e dominar a agressora.
Com dez minutos de filme, temos, então, de um lado uma velha professora de piano severa, rígida, austera, dura, e de outro uma jovem com um talento musical tão extraordinário quanto sua rebeldia, sua capacidade de se autoflagelar e seu desprezo pelo mundo e por si própria. O filme tratará, entre outras coisas, mas basicamente, da relação entre essas duas mulheres. Vamos demorar bastante para saber o passado de cada uma delas – que crime cometeu a garota Jenny, por que tanta violência contra todos e contra si mesma, e, no caso da senhora Krüger, sua longa história que remete aos últimos anos do nazismo.
E aí foi impossível não pensar em O Leitor, o extraordinário livro de Bernhard Schlink (ainda não vi o filme com Kate Winslet e Ralph Fiennes), e também em O Menino do Pijama Listrado, de John Boyle (idem ibidem – ainda não vi o filme). Imensa coincidência eu ter lido os dois livros e visto este filme aqui em um curto período de dois meses. Não consegui deixar de ficar pensando, enquanto via o drama dessas duas mulheres tão díspares, que se conhecem na Alemanha de hoje, uma das maiores economias do mundo, um país civilizado e democrático, como deve ser duro carregar nas costas e no fundo da consciência aquele passado de horror, o mais horroroso dos horrores possíveis. Foi há mais de 60 anos, mas aquela mancha não vai se apagar nunca.
Não tem sentido revelar aqui mais da história criada pelo diretor Chris Kraus do que já contei – e, a rigor, revelei pouco mais que os dez primeiros minutos de filme. Só gostaria de repetir que são extraordinárias essas duas atrizes que eu não conhecia. Monica Bleibtreu nasceu em 1944, um ano antes do fim da Segunda Guerra; estava, portanto, com 62 anos quando fez o filme, e foi maquiada para parecer bem mais velha – a senhora Krüger tem cerca de 80 anos no filme. Vejo no iMDB que ela já ganhou dez prêmios em festivais. A garotinha Hannah Herzsprung, também extraordinária, tinha 25 anos, e já reúne hoje cinco prêmios. Vejo agora – outra grande coincidência – que ela está no filme O Leitor, em um pequeno papel, o de Julia. Tem tudo para ter uma bela carreira, porque, além do grande talento, ainda tem um belo, belíssimo rosto – uma beleza que a amargura profunda de sua Jenny procura de toda forma esconder.
Quatro Minutos/Vier Minuten
De Chris Kraus, Alemanha, 2006.
Com Monica Bleibtreu (Traude Krüger), Hannah Herzsprung (Jenny), Sven Pippig (Mütze), Richy Müller (Kowalski)
Roteiro Chris Kraus
Produção Kordes & Kordes. Estreou em São Paulo 12/9/2008
Cor, 112 min
***
De fato, um grande filme. Passou ontem à noite na TV Cultura, no âmbito do Festival Internacional de Cinema. Só queria saber uma coisa: como no fim aparece uma dedicatória à Traude Krüger, será que a personagem foi baseada numa pessoa real?
Esse filme é baseado em uma história real??
1. Jenny foi estuprada pelo pai, gerando a sua gravidez?
2. Como ficou iniciou a relação Traude com o pai de Jenny?
Filme espetacular, pela atuação das duas atrizes, pela dureza do tema, pela direção e cenografia, pela história em si mesma, pela complexidade das personagens. Tenho num HD porque considero uma obra magistral.