3.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: São duas as características mais impressionantes neste grande filme. A primeira é a atuação de Sean Penn. A segunda é a maestria com que o diretor Gus Van Sant mistura seu filme com as cenas reais, históricas, tiradas de arquivos.
Além de bom diretor de filmes sérios, pesados, densos (Na Natureza Selvagem/Into to Wild, Acerto Final/The Crossing Guard), Sean Penn é um dos maiores atores do cinema americano, uma coisa assim no nível de Paul Newman, de Marlon Brando – e isso não era novidade. Ele está brilhante, por exemplo, como o assassino cínico no corredor da morte em Os Últimos Passos de Um Homem/Dead Man Walking, ou como o advogado de gângster cheirador de cocaína em O Pagamento Final/Carlito’s Way, só para citar dois filmes que já foram comentados neste site.
Mas ele consegue se superar na pele de Harvey Milk, o homossexual que, nos anos 70, entrou para a política e a História ao defender os direitos dos gays na região de Castro, em San Francisco. É uma interpretação gloriosa, esplêndida, de ficar na História como o interpretado. Pouco importa que ele tenha ganhado o Oscar por este papel, depois de ter sido derrotado por Mickey Rourke em diversas outras premiações, como o Globo de Ouro, por O Lutador/The Wrestler. Como disse o Vandré para a multidão enfurecida que vaiava o Sabiá de Tom e Chico no Maracanãzinho, a vida não se resume a festivais.
É costume se dizer que é mais fácil conseguir grandes interpretações quando o ator faz um aleijado, um deficiente, ou um bêbado, ou também um gay, porque os trejeitos facilitam o trabalho. Pode ser. Não sei. Mas o fato é que Sean Penn conseguiu fazer um homossexual com uma perfeição absurda, acachapante. E não é uma coisa caricatural, fácil, uniforme: seu Harvey Milk é cheio de matizes, rico, complexo, às vezes abertamente veado, para usar a expressão exata, embora politicamente incorreta, para definir quem exagera nos trejeitos, no desmunhecar, às vezes mais contido, nos momentos de falar em público diante de audiências hétero, em muitos momentos alegre, debochado, desbocado, em outros triste, angustiado, doído.
Sean Penn não é fisicamente muito parecido com o Harvey Milk real, cujo rosto é mostrado no encerramento do filme. Mas dá para apostar que ele estudou a fundo o homem que iria interpretar; deve ter visto e revisto as cenas de TV e de cinejornais em que Milk aparece. É um brilho absoluto.
No encerramento do filme, antes dos créditos finais, como em muitas obras sobre histórias reais, o filme dá informações sobre o que aconteceu com os principais personagens, mostrando as fotos das pessoas retratadas ali – e é impressionante como Gus Van Sant e o diretor de elenco conseguiram fazer os atores se parecerem fisicamente com as pessoas reais.
Isso ajuda muito na tarefa a que, tudo indica, Gus Van Sant se propôs, de retratar com a maior fidelidade possível a trajetória de Harvey Milk em seus últimos oito anos de vida, desde que, na véspera de seu 40º aniversário, ainda “no armário”, funcionário de uma companhia de seguros em Nova York, conhece Scott (James Franco) e apaixona-se por ele, até o auge de sua atuação política como vereador de San Francisco e ativista da causa gay, no final da década de 70.
Parte dessa trajetória acaba sendo contada bem por alto, bem superficialmente – ou a menos me pareceu isso. É exatamente o início da entrada de Harvey Milk na vida pública, quando ele passa de hippie despreocupado ao lado de Scott para o influente comerciante de Castro – me pareceu que o filme passou muito por alto pelo período em que ele foi enfrentando a reação hostil dos comerciantes tradicionais e liderando a transformação do bairro num centro gay. Do jeito que o filme mostra, parece que foi fácil demais – o que seguramente não deve ter sido.
Mas isso é um detalhe.
É de fato fascinante como o diretor Van Sant consegue fundir em seu filme a recriação da realidade daqueles anos fervilhantes com as cenas reais tomadas emprestadas de documentários, imagens de TV, de cinejornais, de cinegrafistas profissionais ou amadores. Parecem que foram feitas para o filme, foram recriadas cinematograficamente, as cenas reais em que a cantora Anita Bryant faz sua pregação racista, raivosa, direitista, nojenta, contra os homossexuais e todos os outros representantes de minorias.
Mas a aparência de documentário é só nas imagens. O roteirista e produtor executivo Dustin Lance Black, ele próprio um jovem homossexual assumido, conforme fez questão de mostrar na festa do Oscar em fevereiro deste ano, 2009, e o diretor Gus Van Sant deixaram de lado qualquer possibilidade de uma narrativa e um tom isentos, apartidários, historicamente documentais. O filme é todo feito com paixão pelo personagem e por sua luta em defesa da minoria gay. É um panfletaço, que busca a simpatia do espectador pela causa usando argumentos, a razão, mas abusando também, sem vergonha alguma, da emoção. Nisso, na coisa de pegar o espectador pela emoção, Van Sant tem a grande ajuda da trilha sonora de Danny Elfman, forte, envolvente, apaixonada.
E é impressionante, como a Mary notou de imediato, como estão umbilicalmente ligadas a luta pelos direitos dos homossexuais e as lutas pelos demais direitos civis todos, dos negros, da liberdade de expressão, do aborto, das diferenças de credos de todas as formas. É tudo um balaio só, uma coisa só, conforme este belo filme deixa mais uma vez bem claro. Muito mais do que entre “esquerda” e “direita” no sentido econômico do termo, de maior ou menor controle do Estado sobre a atividade econômica, a humanidade se divide entre retrógrados e progressistas, entre os conservadores, caretas, reacionários de um lado e, de outro, os libertários, defensores dos direitos individuais e da convivência entre díspares, desiguais, diferentes.
Milk – A Voz da Igualdade/Milk
De Gus Van Sant, EUA, 2008.
Com Sean Penn, Emile Hirsch, Josh Brolin, James Franco, Diego Luna, Alison Pill
Roteiro Dustin Lance Black
Fotografia Harris Savides
Música Danny Elfman
Produção Focus Features. Estreou em São Paulo 20/2/2009.
Cor, 128 min
***1/2
Sérgio;
Eu e Patricia assistimos o filme “milk” nessa última terça-feira, 18/03. É daqueles filmes que nos prendem atenção e permenace na na memoria por dias, semanas… Para os advogados da familia, e não sao poucos, o filme é uma baita lição na defesa dos direitos civis, seja lá qual for a tese defendida. No caso do protagonista, ficou evidente sua maturidade para fugir dos “clichês” de machão que sempre fez (ultimos passos de um homem). Da atuação dos personagens até o contexto historico muito bem elaborada, concluo que o filme é uma aula! É Imperdível! Bjão, André Vaz
tio, sensacional tua crítica ao filme. sensacional ser o sobrinho de um cara como vc e como da tia mary… mas como havia sido com a tia regina de quem tenho muitas saudades e carinho e claro, a tia sueli, tudo show com vc!!! batuta – betão
Eta sitezinho família, siô!
Sem dúvida o filme é muito bom, bem feito, mas achei longo e um pouco cansativo. Isso pq vi em casa e pude fazer uma pausa entre uma parte e outra. Só sei que senti falta no discurso final do Harvey, quando ele fala das minorias, que ele falasse das mulheres. Afinal, somos também e ainda uma minoria, eu pelo menos, me considero, ainda mais sendo mulher e hétero, rs. Mas parece que não reconhecem isso. Nem é preciso dizer que o Sean Penn está maravilhoso. Só o achei um pouco acabado pra 48 anos…
No filme, senti falta de mais personagens mulheres. Pena que uma das poucas que apareceu, na verdade , uma entre duas, era aquela cantora homofóbica e repulsiva. A outra, a personagem lésbica, foi super mal recebida pelos caras, o que só vem provar que há sim uma certa misoginia mesmo dentro do movimento gay, onde os homens gays, ainda levam a melhor em cima das mulheres gays, pelo simples fato de serem homens.
Mas noves fora zero, é um filme muito bom, sim.
Ah, como vc sempre fala das belas atrizes aqui, rs, permita-me falar do James Franco, que tá muito bonito no filme e atua bem tb. Mais bonito no começo do que no final, com aquele bigode ridículo. Já o Emile Hirsh não me convenceu como ativista, ficou meio caricato. E o Josh Brolin como vilão tb achei péssimo, embora tenha concorrido ao Oscar de melhor ator coadjuvante.
Desculpe, me expressei mal. Eu quis dizer que existe misoginia no movimento gay, quando, por exemplo, em algumas cidades, os homens gays expulsam as lésbicas das paradas. No filme não existiu misoginia, mas sim, uma certa gozação e discriminação quando a moça lésbica entrou para o comitê. Talvez o Gus Van Sant quis mostrar que o movimento gay, de início, era um movimento predominantemente masculino.
Acho que você está certíssima, Jussara, quando fala dessa misoginia dentro do movimento gay mostrado no filme. Na minha opinião, isso não é um defeito do filme, mas sim da realidade que o filme mostra. De fato, se dá muito pouca importância à mulher, no filme – porque aparentemente não havia, ali, naquele mundo dos gays homens de San Francisco, na época, uma aproximação com as mulheres, o que, obviamente, é uma coisa péssima. Minha visão de tudo isso se parece com a sua, eu sendo, como você, um hétero que simpatiza muito com a causa, os direitos dos homos, o DOS querendo dizer dos e das, é claro.
É como diz o Pete Seeger: when will they ever learn?
Sérgio