3.5 out of 5.0 stars
Resenha na coluna O Melhor do DVD, no site estadao.com.br, em 2001: O Último Hurrah é um dos vários clássicos que a Columbia está lançando em DVD, alguns com muitas apresentações especiais, outros sem nenhuma, como, infelizmente, é o caso aqui. É o resultado da feliz reunião de dois gigantes, monstros-sagrados, pérolas do cinema americano, John Ford e Spencer Tracy.
Eles se encontraram apenas duas vezes, ao longo das carreiras respeitáveis, imensas, prolíferas. A primeira foi em 1930, em Up The River, a estréia de Spencer Tracy em longa-metragens (antes, havia feito dois curtas baratos). Ford viu o ator na Broadway, fazendo o papel de um assassino em uma peça chamada The Last Mile, e convenceu a 20th Century Fox a contratá-lo; em Up The River, ele contracenou com outro novato, então no seu segundo filme, um tal de Humphrey Bogart. Era uma comedinha policial, fez sucesso, rendeu dinheiro para a Fox e um contrato para Tracy.
O segundo encontro dos dois, após 28 anos, foi O Último Hurrah, um perfeito Ford, com um perfeito Spencer Tracy.
É interessante notar que o personagem de Tracy, o veterano prefeito Frank Skeffington, filho de imigrantes pobres irlandeses (assim como o próprio Ford), tem muito a ver com o do Juiz Priest, que deu o título de um outro filme de Ford nos anos 30. Os dois, tanto o Juiz Priest quanto o prefeito Skeffington, são homens calmos, tranqüilos, generosos, cheios daquela sabedoria popular, não culta, não refinada, muito mais amigos dos pobres do que dos poderosos. O ator que Ford escolheu em 1934 para fazer o Juiz Priest foi Will Rogers, que tinha então 55 anos mas parecia ter muito mais; era uma figura extremamente famosa e querida, uma espécie de filósofo popular, a representação perfeita do americano comum – muito à imagem e semelhança do que era Spencer Tracy em 1958, então com 55 anos mas parecendo muito, muito mais. (Também, com a quantidade de birita que tomava…) A sabedoria e a altivez em pessoa.
Logo no início de O Último Hurrah, o veterano prefeito Skeffington, no final do quarto mandato, prestes a concorrer a um quinto, chama seu sobrinho Adam (Jeffrey Hunter, dois anos depois de fazer com Ford um dos maiores filmes da História, Rastros de Ódio), um jovem jornalista que escreve sobre esportes, e propõe que ele seja um espectador privilegiado de um lance histórico do esporte favorito dos americanos, a política. E, didaticamente, explica a Adam, e ao espectador, por que aquele momento – a eleição para prefeito – seria especial, emblemático: “A campanha política antiquada em uns poucos anos será extinta. Eu faço comícios, falo no meio do povo, até beijo bebês. E tem dado certo. Mas esse jeito de fazer campanha e fazer política está acabando – assim como eu mesmo. Em breve, será tudo pela TV e pelo rádio. Será tudo rápido e fácil.”
Ford leva, então, o sobrinho do prefeito e o espectador juntos por essa jornada pelo momento histórico, exatamente o final da década em que a tal da mídia eletrônica passou a determinar os rumos das eleições. É um passeio nostálgico, sentimental, nesse ambiente outonal, de fim de ciclo. Uma beleza de filme.
Ford e seu prefeito que fala com a voz de Spencer Tracy só erraram num ponto: nem sempre – como provam os votos da Flórida nas presidenciais americanas em 2000 – as eleições seriam rápidas e fáceis.
O Último Hurrah/The Last Hurrah
De John Ford, EUA, 1958.
Com Spencer Tracy, Jeffrey Hunter, Dianne Foster
Roteiro Frank S. Nugent
Baseado em novela de Edwin O’Connor
P&B, 121 min
Uma dimensão interessante do filme é que ele é mais ou menos o retrato do fenômeno do “bossismo” nos Estados Unidos; o prefeito é um típico boss que gere uma máquina política montada geralmente sobre a distribuição de favores, ajudas e empregos, e que tinha como clientela sobretudo populações de imigrantes; não por acaso ele é filho de irlandês; o filme cola no período em que esse “fenômeno” começa a decair nos EUA