A Mente que Mente / The Great Buck Howard

2.5 out of 5.0 stars

Anotação em 2010: John Malkovich, o ator mais careteiro da história do cinema, está ótimo neste filme. Ele faz um papel talhado para ele, o de Buck Howard – um mágico, um showman, sujeito teatral, de gestos muito largos, um tanto cafona, um tanto caipira, um tanto fora do tempo, uma espécie assim de dinossauro.

Fazendo o papel de Buck Howard, que é assim uma espécie de John Malkovich, John Malkovich se dá bem. Afinal, John Malkovich é o melhor intérprete de John Malkovich.

Buck Howard – o filme vai nos mostrar – era bom de serviço. Não usava a expressão mágico, e sim mentalista. Sabia fazer bons números de mágica; tinha tido grande sucesso no passado – orgulhava-se por ter ido 61 vezes ao Tonight Show de Johnny Carson, um dos programas de maior audiência da televisão americana nos anos 60 –, mas, na época em que a ação se passa, os dias de hoje, anos 2000, não era mais convidado para a TV, ou para os grandes shows de Las Vegas. Continuava fazendo apresentações, mas em geral em cidades pequenas, para platéias nunca lotadas, formadas em geral por pessoas mais velhas.

Era um showman em decadência, segundo a opinião geral – só ele parecia não ver isso.

E, além de um tanto cafona, um tanto caipira, era um homem de personalidade complexa e comportamento difícil; tinha acessos de raiva, de irritação, em que destratava quem estivesse à sua frente.

A história de Buck Howard é apresentada ao espectador através da visão de um jovem de 20 e poucos anos, Troy Gable (Collin Hanks, à esquerda na foto). O pai de Troy queria que o filho estudasse Direito, e o rapaz bem que tenta, mas percebe logo que aquilo não é a dele; detesta a faculdade, o Direito, acha sua vida uma desgraça. Acaba abandonando o estudo; vê no jornal um anúncio de uma personalidade do mundo artístico que procura um road manager, um gerente de turnê, um secretário, um faz-tudo – e logo estará cuidando das excursões e dos muito caprichos do Grande Buck Howard, como ele gosta de ser chamado.

         O personagem se inspira na história real de um mágico

Buck Howard – os letreiros finais nos informam – foi baseado em um mágico, perdão, mentalista que existiu na vida real, conhecido como The Amazing Kreskin. Kreskin, nascido em 1935, teve certa fama na TV americana e canadense nos anos 70 – chegou a ter um programa que foi ar entre 1971 e 1975, The Amazing World of Kreskin.

O que o filme não diz – o iMDB e a Wikipedia dão a informação – é que o personagem Troy Gabel é baseado na experiência do próprio diretor e roteirista Sean McGinly, que foi, durante algum tempo, road manager de Kreskin.

O diretor nos transmite uma visão ao mesmo tempo crítica e carinhosa do showman em seus dias pós-glória. O garoto Troy sofre bastante nas mãos dele, por causa dos ataques de fúria que o acometem. Passa por um constrangimento imenso ao ser flagrado pelo pai numa das escalas da interminável tourné do mentalista – o pai de Troy é interpretado por Tom Hanks, que na vida real é pai do ator Collin Hanks. A seqüência em que um sisudo Tom Hanks ralha com o filho que trocou a faculdade por um emprego de carregador de malas é ótima.

Mas, apesar de todos os problemas, Troy aprende a gostar de Buck, até a admirá-lo. E ainda terá a sorte de, por causa de Buck, conhecer uma jornalista gracinha (a inglesa Emily Blunt, sempre competente, sempre ótima, ao centro na foto acima).

Com uma interpretação contida, suave, Collin Hanks serve apenas de escada para o brilho de Malkovich. Já falei muito mal de Malkovich nas minhas anotações, mas é forçoso reconhecer: aqui ele está ótimo. A crítica do AllMovie traz uma observação corretíssima. Transcrevo:

“O ator claramente tem prazer em interpretar o personagem, e é uma alegria observar como ele habita a pele de Buck e o traz lindamente à vida. Malkovich encontra a humanidade atrás da caricatura sem deixar a caricatura desaparecer; o bordão de Buck – ‘Eu amo esta cidade!!!!!’ – é engraçada porque é ao mesmo tempo cafona e real.”

É isso. Nada de extraordinário – mas é um filme bem bonzinho, gostoso.

Aburdo foi o título que os distribuidores brasileiros inventaram. “Mente que mente” não tem qualquer sentido, não tem nada a ver com a história. Ridículo.

A Mente que Mente/The Great Buck Howard

De Sean McGinly, EUA, 2008

Com John Malkovich (Buck Howard), Colin Hanks (Troy Gable), Emily Blunt (Valerie), Ricky Jay (Gil), Steve Zahn (Kenny), Tom Hanks (Gable pai), Griffin Dunne (Johnathan Finerman), Debra Monk (Doreen)

Roteiro Sean McGinly

Fotografia Tak Fujimoto

Música Blake Neely

Montagem Myron Kerstein

Produção Bristol Bay Productions, Playtone. DVD Europa Filmes.

Cor, 97 min

**1/2

5 Comentários para “A Mente que Mente / The Great Buck Howard”

  1. Eu procuro não comentar sempre porque sei como sou espaçosa. Mas dessa vez foi covardia. A Missão e, logo depois, O Malkovich. Eu sei, eu sei, é careteiro. Mas ele tem um jeitinho de olhar que parece pedir cumplicidade como se fosse: eu sei e você sabe que estou tentando interpretar, vamos combinar que deu certo? E eu sempre combino, sempre. Nunca esqueço Valmont, nunca. E, este filme que vi apenas em dvd teve o mesmo efeito. Um personagem que me cativa e basta.

  2. Luciana, comente sempre, sempre, sempre. Dá para mim um grande prazer – e, para o sitezinho, um upgrade.
    Sérgio

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