Lee

4.0 out of 5.0 stars

(Disponível no Amazon Prime Video em 4/2025.)

Lee Miller foi uma fotógrafa de tremenda importância, seguramente comparável a Robert Capa, o mais famoso e reconhecido fotógrafo correspondente de guerra que já houve. Contratada pela Vogue inglesa, cobriu batalhas da Segunda Guerra Mundial na França e na Alemanha, e foi a primeira, ao lado do amigo David Scherman, da Life, a registrar imagens dos campos de concentração nazistas logo após sua descoberta pelas forças aliadas.

Era uma mulher fascinante, muito à frente de seu tempo, corajosa, determinada, de personalidade marcante, temperamento às vezes difícil. Foi amiga de grandes personalidades, como Jean Cocteau, Pablo Picasso, Paul Éluard, e teve uma vida riquíssima.

Ao contrário de Robert Capa, no entanto, Lee Miller nunca teve a fama que merece.

Se milhares e milhares de pessoas mundo afora ficaram sabendo de seu trabalho, de sua importância, a partir de 2024, foi graças a outra mulher extraordinária – Kate Winslet, uma das maiores atrizes de sua geração e de qualquer geração, desde a invenção do cinema, cerca de 130 anos atrás.

Lee, produzido por pequenas empresas de Reino Unido, EUA, Austrália, Singapura e Hungria, de 2023, dirigido por Ellen Kuras, com Kate Winslet no papel da fotógrafa – em atuação deslumbrante, daquelas fora de série, antológicas, inesquecíveis – é um filmaço, uma obra-prima.

Já idosa, Lee conta fatos de sua vida para um entrevistador

O filme abre com uma sequência de guerra: Lee-Kate Winslet está em uma rua de uma cidade em que tropas aliadas enfrentam nazistas. Uma bomba explode perto dela, ela quase desmaia – e é salva por um soldado americano que aparece para resgatá-la, dizendo e repetindo que a fotógrafa não deveria estar naquele local.

Corta, e Lee está em sua casa de fazenda, a Farley Farm, em 1977, como informa um letreiro. Haviam-se passado, portanto, 32 anos desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O filme não explicita muitas outras datas além de 1977, mas Lee Miller é de 1907. Assim, em 1938, um ano antes do início da guerra, quando se divertia no litoral francês com um grupo de amigos, estava com 31 anos, e, em 1977, com 70.

Em 2024, quando o filme foi lançado, Kate Winslet estava com 49 anos. Pois a atriz interpreta maravilhosamente tanto a jovem Lee de 31 anos quanto a septuagenária que vive em sua fazenda no Surrey, no sudeste inglês. O trabalho das equipes de maquiagem e de cabeleireiros é extraordinário – quase tão extraordinário quanto essa atriz incrível.

Nesta segunda sequência do filme, Lee está recebendo na Farley Farm House um homem de uns 30 e poucos anos que a entrevista, certamente um repórter – embora não seja dito para que órgão de imprensa ele trabalha, nem seja citado seu nome. É o papel de Josh Connor (que interpretou o jovem príncipe Charles na terceira e na quarta temporadas de The Crown).

O entrevistador vai fazendo perguntas a Lee sobre sua vida – e o que ela conta é o que vamos vendo ao longo do filme. De tempos em tempos –umas quatro ou cinco vezes, talvez, em quase duas horas de filme – vemos os dois, Lee e seu entrevistador, na sala da casa da fazenda dela, para em seguida voltarmos a ver fatos acontecidos de 1938, um ano antes do começo da Segunda Guerra Mundial, até 1945, o ano em que os Aliados derrotaram os nazistas.

Naquele ano de 1938, Lee passou uma temporada no litoral francês com um grupo de amigos que incluía o poeta Paul Éluard e sua mulher, Nusch (os papéis de Vincent Colombe e Noémie Merlant) e a duquesa Solange d’Ayen (uma participação especial, embora não creditada assim, da maravilhosa Marion Cotillard).

Mais tarde, em 1944, na época da libertação de Paris dos nazistas com a chegada das forças aliadas, Lee se reencontra tanto com o casal Paul e Nusch quanto com Solange. O encontro com essa amiga é trágico: Solange havia sido presa pelos nazistas, estava magérrima, subnutrida, com sinais de profunda perturbação mental. Com o poeta, no entanto, a circunstância é festiva – uma pequena multidão recebia Éluard recitando os versos de seu poema-hino, “La Liberté””, aquele dos versos inesquecíveis, “Sur mes cahiers d’écolier / Sur mon pupitre et les arbres / Sur le sable de neige / J’écris ton nom”. (Em meus cadernos de estudante, em minha carteira de escola e nas árvores, nos grãos de neve, escrevo teu nome.)

Ao pequeno grupo em férias se junta uma pessoa que apenas Lee ainda não conhecia, o pintor surrealista inglês Roland Penrose (o papel de Alexander Skarsgård).

Fica bastante claro, nas sequências passadas ali no litoral francês, que Lee era uma jovem solteira sexualmente ativa, ativíssima – como se vivesse numa comunidade hippie da Califórnia nos anos 60, e não ali nos anos 30. E fica bastante claro que seu encontro com Roland foi daqueles coups de foudre fantásticos, como se diz amor à primeira vista na terra em que os dois se conheceram.

Lee e Roland estão vivendo juntos em Londres quando a guerra começa.

São impressionantes as sequências nos campos de concentração

Lee vai trabalhar na Vogue inglesa, dirigida por uma mulher fantástica, forte, batalhadora, Audrey Withers (o papel de Andrea Riseborough, excelente). Veterana, Audrey sabia que Lee havia sido uma requisitada modelo no passado – mas conhecia e admirava o trabalho dela depois que resolveu passar para o outro lado das câmaras fotográficas.

O filme mostra que Audrey Withers enfrentava, dentro da redação da Vogue, a oposição firme do então jovem Cecil Beaton, que viria a ser famosérrimo como fotógrafo de moda, escritor, pintor, designer de interiores e figurinista de teatro e de cinema – ganhou dois Oscars por melhor figurino e um por melhor direção de arte. Beaton (interpretado por Samuel Barnett) defendia sempre posições mais conservadoras, batendo de frente com a editora. Naturalmente, Lee se alinhou a Audrey Withers na disputa pela linha editorial da revista.

Lee passou a fotografar os efeitos dos bombardeios da Luftwaffe sobre Londres – e foi nessa época que ficou conhecendo o enviado especial à Inglaterra da Life, então uma das mais importantes revistas do mundo. Tem grande importância no filme a amizade que se desenvolve entre Lee e David Scherman (interpretado por Andy Samberg), depois de um início em que ela o via como um competidor, e acaba virando o maior parceiro, companheiro, cúmplice.

O roteiro insinua que Scherman desenvolveu uma paixão por Lee. Embora o relacionamento entre os dois fosse bem íntimo, não rolou sexo. Lee, antes namoradeira, dadivosa, permaneceu fiel a Roland.

Ela estava determinada a ir para o front, para fotografar as batalhas no continente europeu – mas o Exército britânico não admitia uma fotógrafa mulher no meio dos combates. Lee recorreu, então, ao Exército de seu país natal – e foi com o uniforme do Exército dos Estados Unidos que ela passou a acompanhar as batalhas.

O filme não especifica quais foram os campos de concentração que Lee e David Scherman fotografaram, praticamente no mesmo momento em que as tropas aliadas chegavam a eles e libertavam os prisioneiros – mas sabe-se que foram os campos de Dachau, ao Norte de Munique, e Buchenwald, no Leste alemão.

E aqui faço uma observação bem pessoal. Várias vezes já escrevi que são muitos, são diversos, são numerosos os filmes que falam da perseguição aos judeus, dos campos de concentração nazista, do Shoah – o Holocausto. E isso é bom, é necessário, porque a humanidade não pode esquecer jamais a tragédia terrível, inominável, inimaginável.

Sim, pois é: já vi muitos filmes que falam do Holocausto. Mas devo dizer que as sequências que mostram os campos de concentração recém-libertados pelos aliados neste filme dirigido por Ellen Kuras e que existe por causa da vontade, da determinação de Kate Winslet, são impressionantes, emocionantes, inesquecíveis.

São das mais fantásticas de todas as muitas e muitas que já vi na vida.

Aqui se revela quase um spoiler. Melhor pular este trecho

Há um evento na vida de Lee, naqueles dias que se seguiram à queda do regime nazista, em meados de 1945, que parece coisa de cinema, de literatura, saída da imaginação fantástica de um ficcionista. Está documentado, fotografado. O filme reproduziu o acontecimento – mas, como ele acontece quando a narrativa já se aproxima do fim, a rigor, a rigor, poderia ser considerado um spoiler. Se o eventual leitor não tiver visto o filme ainda, deveria pular para o próximo intertítulo.

Acontece depois das sequências em que Lee e David Sherman testemunham as cenas de horror dos campos de Dachau e Buchenwald.

Os dois estão andando em Berlim, e, ao se dirigir à entrada de um imóvel que não havia sido destruído pelos bombardeios aliados, são impedidos de entrar por um soldado, que diz que a imprensa é proibida ali. Com calma e jeito, Lee suborna o soldado com um maço de cigarros.

Na ampla sala de estar da residência, há vários soldados e oficiais fumando, bebendo, conversando. Não dão atenção aos dois desconhecidos que entram, com fardas do Exército americano.

Em algum momento da sequência, ficamos sabendo que aquela é a residência de Adolf Hitler e Eva Braun em Berlim.

Lee descobre onde é o banheiro – amplo, com uma bela banheira. Ela checa: tem água, e água quente. Tira a roupa, e se prepara para tomar um banho – mas antes chama o amigo Sherman para clicar a máquina que ela já havia deixado preparada. Lee Miller, correspondente de guerra, na banheira do ditador que causou a morte de milhões de seres humanos. A foto-documento existe, pode ser vista por qualquer pessoa, a qualquer momento.

“Depois de caminhar penosamente através dos campos de concentração liberados de Buchenwald e Dachau, Lee Miller tirou suas botas enlameadas, assegurando-se de limpar bem aquela lama horrível no tapete de banho limpo e fofo, e posou na banheira de Hitler.”.

A frase é do jornalista Alex Beggs, em sua reportagem publicada na Vanity Fair de 30 de setembro de 2015. O título é “Não deixe que a História esqueça essa incrível mulher fotógrafa da Segunda Guerra Mundial”.

Muita dificuldade durante oito anos para fazer o filme

O filho único de Lee Miller, Antony Penrose (grafado assim, sem o h no prenome), e a neta que ela não conheceu lutaram para que a História não esquecesse essa incrível mulher – segundo afirma uma das frases dos letreiros que, ao final da narrativa, dão mais informações sobre a protagonista desta beleza de cinebiografia.

E eles tiveram a ajuda inestimável da atriz que, aos 22 aninhos de idade, encantou o mundo como a Rose do Titanic de James Cameron, de 1997.

A idéia não foi dela. Foi de Ellen Kuras, experiente, com mais de 60 títulos como diretora de fotografia, a partir de 1990, quando estava com apenas 21 anos – ela nasceu em Nova Jersey em 1959. Desde 2008 passou também a dirigir – The Betrayal – Nerakhoon, sua primeiro experiência na direção, em parceria com Thavisouk Phrasavath, do Laos, foi indicado ao Oscar de melhor documentário de longa-metragem.

Ellen Kuras viu um livro sobre Lee Miller em uma livraria de Nova York, e achou que ela se parecia com Kate Winslet, com quem havia trabalhado como diretora de fotografia em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004). Comprou dois exemplares, e mandou um para a atriz. Anos depois, a inglesa começou a desenvolver o projeto de fazer um filme sobre Lee e perguntou a Ellen se ela gostaria de assumir a direção. O projeto foi oficialmente anunciado em outubro de 2015.

A forma com que são apresentados os nomes dos roteiristas nos créditos do filme demonstra que foi um trabalho demorado, cuidadoso, provavelmente penoso. É assim:

Roteiro Liz Hannah e Marion Hume & John Collee. História Lem Dobbs e Marion Hume & John Collee. Baseado no livro The Lives of Lee Miller, de Antony Penrose

Com base no que estabelece sobre “e” e “&” o SWG, o sindicato dos roteiristas, foi assim: primeiramente, Lem Dobbs escreveu uma adaptação do livro de Antony Penrose. Em seguida, Marion Hume & John Collee, trabalhando juntos, a quatro mãos, remexeram na adaptação, que foi então encaminhada à roteirista Liz Hannah. Liz Hannah escreveu o roteiro – mas ele não ficou exatamente como os realizadores queriam, e então a dupla Marion Hume & John Colle remexeu no roteiro que enfim seria transformado em filme.

Durante todo esse processo, Antony, o autor do livro e filho da biografada, ajudou no projeto: ele entregou a Ellen Kuras os arquivos da mãe, seus diários, suas anotações.

Kate Winslet foi uma das produtoras do filme, desde o início. Escolheu os roteiristas, encarregou-se das finanças, sugeriu nomes para o elenco e fez contatos com alguns dos atores escolhidos.

Entre o final de outubro de 2021 e outubro de 2022, foram acertadas as participações dos principais atores, de Alexandre Desplat como o compositor, de Pawel Edelman como diretor de fotografia e – uma escolha fundamental para um filme que mostra personagem central entre 31 e 70 anos – de Ivana Primorac como chefe da equipe de maquiagem e cabeleireiros.

Kate Winslet disse, em entrevista, que teve muitas dificuldades nas conversas com executivos, nas tentativas de conseguir financiamento para o filme. “Os homens que pensam que você quer e precisa da ajuda deles são incrivelmente ultrajantes. Eu tive que ouvir um diretor dizer para mim: ‘Escute, você trabalha no meu filme e eu ajudo você a conseguir financiamento para seu pequeno Lee’. Pequeno? Também teve potenciais investidores dizendo coisas assim: Me diga, por que eu devo gostar dessa mulher?”

Durante a etapa de pré-produção, por duas semanas Kate Winslet se viu obrigada a pagar com dinheiro do próprio bolso o salário dos contratados, enquanto não saía o financiamento de produtoras que participariam do projeto.

As filmagens começaram em setembro de 2022 na Croácia – e tiveram que ser interrompidas por alguns dias porque a atriz teve um tropeço no primeiro dia de filmagem e foi hospitalizada.

Lee teve estréia mundial no Toronto International Film Festival em setembro de 2023, oito anos depois que Kate Winslet passou a se dedicar ao projeto. E só foi lançado nos cinemas do Reino Unido. Irlanda e Estados Unidos em setembro de 2024.

         Nem um fracasso nem um grande sucesso

Lee não foi um fracasso comercial, mas também não teve imenso sucesso de bilheteria. Bem, são raríssimos os dramas sérios, densos, destinados ao público adulto, que têm imenso sucesso na bilheteria. Segundo registra a Wikipedia, o filme teve um bom lançamento no Reino Unido, em 605 salas de cinema, e estreou como o número 3 nas bilheterias no primeiro fim de semana. No segundo fim de semana, havia ganhado as telas de outras 40 salas, um bom indício.

No circuito de premiações, não obteve grande ressonância. Foram 17 indicações, a mais importante delas ao Bafta na categoria de melhor filme britânico. No Globo de Ouro, Kate Winslet teve indicação ao prêmio de melhor atriz em filme, drama.

No site agregador de opiniões Rotten Tomatoes, o filme estava, em abril de 2025, com 67% de aprovação dos críticos – média da opinião de 146 profissionais – e com belos 94% de aprovação dos leitores. O que é muito bom: os filmes, diacho, são feitos para o público, não para os críticos. O “consenso da crítica”, segundo o site, é o seguinte: “A performance emocionante de Kate Winslet no papel título ajuda a elevar Lee além das desapontadoras armadilhas convencionais das cinebiografias”.

Então tá.

Foi uma boa decisão concentrar o foco na época da guerra

Não fiquei sabendo em que momento do processo de preparação do filme, de adaptação da biografia de Lee Miller, foi decidido que seriam focalizados basicamente os anos da Segunda Guerra Mundial – com aquele belo achado de colocar um jovem que o espectador não sabe quem é fazendo perguntas em sua casa de fazenda em 1977, o ano em que ela morreria.

(A identidade do entrevistador interpretado por Josh O’Connor só é revelada bem no final da narrativa. É sem dúvida uma boa sacada.)

Faz bastante sentido, eu acho, a opção dos realizadores de se concentrar no período do imediato pré-guerra e dos anos do conflito, já que uma das principais diversas vidas de Lee Miller – como dá a entender o título da biografia, The Lives of Lee Miller – foi de fato a de correspondente de guerra. Mas é claro que o filme deixa o espectador curioso para saber mais sobre essa mulher fascinante – e há um excelente texto publicado na BBC News Brasil que faz um atraente resumo da vida dela. O texto, assinado por Lynn Hilditch, professora de Belas Artes da Universidade Hope de Liverpool, foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation, na época de lançamento do filme. Tomo a liberdade de transcrever.

A fascinante vida da modelo que virou fotógrafa, retratou os horrores da 2ª Guerra e foi clicada na banheira de Hitler

Por Lynn Hilditch, The Conversation, 30/9/2024

A atriz britânica Kate Winslet lutou por oito anos até a finalização do seu filme biográfico da fotógrafa de guerra americana Lee Miller (1907-1977).

O filme Lee foi finalmente lançado no Reino Unido no início de setembro. A Lee em questão é Elizabeth “Lee” Miller, uma mulher notável nascida nos Estados Unidos, cuja vida repleta de cores e glamour costuma ofuscar sua carreira como fotógrafa.

Miller não foi só uma top model de revistas de moda como Vogue, Harper’s Bazaar e Vanity Fair. Ela foi também uma importante fotógrafa surrealista e corajosa correspondente de guerra, que documentou as atrocidades da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Lee Miller nasceu em 1907, em Poughkeepsie, uma pequena cidade industrial a cerca de 145 km da cidade de Nova York, nos Estados Unidos.

Seu pai, Theodore, era engenheiro, inventor e fotógrafo amador. Ele incentivou o interesse de Miller pela fotografia, comprando sua primeira câmera, uma Kodak Box Brownie, quando ela tinha 10 anos de idade.

Foi no quarto escuro do seu pai que Miller começou suas primeiras experiências com o processo fotográfico. Ela também serviu de modelo para o pai, que tirou milhares de fotografias da filha, desde o nascimento até a idade adulta, incluindo diversos retratos nus.

Jovem com espírito livre, Lee Miller acabou se cansando da vida pacata em Poughkeepsie. Em 1925, com 18 anos, ela convenceu seu pai a permitir que ela fizesse uma viagem de estudos para Paris, na França. Lá, ela encontrou uma cidade vibrante, com forte vida cultural, artística e intelectual.

Ela voltou em 1926 para Nova York, onde teve um encontro casual com o fundador da revista Vogue, Condé Nast (1873-1942). Ele ficou tão encantado com a beleza e sofisticação de Miller que a convidou para trabalhar como modelo para a revista.

Ao longo dos anos 1920 e 1930, Miller trabalhou com alguns dos principais fotógrafos de moda da época, como Edward Steichen (1879-1973) e George-Hoyningen-Huene (1900-1968). Mas ela sempre preferiu ficar por trás da câmera, em vez de ser fotografada.

Steichen foi quem a apresentou ao fotógrafo surrealista americano Man Ray (1890-1976), que trabalhava como artista e fotógrafo comercial em Paris. Miller foi a musa, amante e colaboradora de Ray na capital francesa entre 1929 e 1932.

Às vezes, ela cuidava dos trabalhos de fotografia comercial de Ray, para que ele pudesse se concentrar nos seus projetos artísticos. Mas Miller raramente recebia o crédito pelas suas fotografias publicadas.

Seu trabalho também foi importante para a redescoberta de um processo fotográfico chamado solarização, que produz “linhas em forma de halos em torno das formas e áreas de tonalidade parcialmente reversa para enfatizar os contornos do corpo”. Este processo passou anos sendo atribuído apenas a Man Ray.

Em 1932, Miller voltou a Nova York, onde abriu seu próprio estúdio comercial, chamado Lee Miller Studios Inc. Lá, ela trabalhou até 1934, quando se mudou para o Egito para se casar com um rico empresário do país, Aziz Eloui Bey (1890-1976).

O Egito inspirou Lee a criar diversas imagens surrealistas, incluindo sua obra Retrato do Espaço, de 1937. Mas a sua passagem pelo Egito teve vida curta, bem como seu casamento com Aziz.

Em 1937, Miller conheceu em Paris o pintor surrealista britânico Roland Penrose (1900-1984). Ela entrou para o círculo de conhecidos dele no sul da França, que incluía Man Ray, o poeta francês Paul Eluard (1895-1952) e o pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973), que pintou um retrato memorável de Lee Miller.

Miller se mudou com Penrose para Londres em setembro de 1939, na mesma época em que o Reino Unido declarava guerra à Alemanha. E, como fotógrafa com formação surrealista, ela viu na Blitz de Londres em 1940 uma oportunidade fascinante para capturar os aspectos curiosos e estranhos da Segunda Guerra.

Vinte e duas fotografias de Miller sobre os ataques aéreos sobre a capital britânica foram incluídas na publicação do Ministério da Informação britânico Grim Glory: Pictures of Britain Under Fire (“Glória sinistra: imagens do Reino Unido sob ataque”, em tradução livre).

Ela foi certificada pelo Exército dos Estados Unidos em 1942 e passou a ser uma das poucas mulheres correspondentes de guerra viajando com o exército pela Europa.

Miller foi a única a fotografar os combates e presenciar a libertação de Saint-Malo, na França, onde os americanos testaram sua nova arma secreta, o napalm. As fotografias de Miller foram publicadas na forma de ensaio fotográfico nas edições britânica e americana da revista Vogue.

A editora da Vogue britânica, Audrey Withers (1905-2001), não queria cobrir apenas moda e beleza. Ela queria manter seus leitores a par de temas da atualidade e dos problemas sociais.

Miller e Withers trabalharam em estreita cooperação para transformar a revista de moda e estilo de vida em uma publicação que também falasse sobre o que estava acontecendo no mundo, publicando artigos sobre moda ao lado de reportagens e imagens da guerra.

Miller sempre procurava mostrar a verdade nas suas fotografias de guerra. Nas suas imagens da libertação dos campos de concentração de Buchenwald e Dachau, na Alemanha, em abril de 1945, ela documentou as mais terríveis atrocidades do regime nazista.

Um dia depois de fotografar Dachau, ela posou para seu mais famoso retrato da época da guerra. Ele foi tirado pelo seu amigo e colega de profissão, o fotógrafo David E. Scherman (1916-1997), da revista Life.

O retrato mostra Lee Miller se lavando na banheira do apartamento de Adolf Hitler em Munique, na Alemanha. Sua aparência é cansada, mas bela, com suas botas no chão e uma fotografia do Führer apoiada na borda da banheira.

Depois da guerra, em 1947, Miller ficou grávida do seu único filho, Antony Penrose. Ele é o autor do livro The Lives of Lee Miller, que serviu de base para o filme de Winslet. E Miller se casou com o pai de Antony, Roland Penrose.

A família se mudou de Londres para Farley Farm, na zona rural de East Sussex, no sudeste da Inglaterra, em 1949. Lá, Miller voltou sua atenção para o cenário doméstico, passando a ser uma reconhecida cozinheira e anfitriã.

Mas as visões que ela presenciou durante a guerra a assombraram pelo resto da vida. Miller se tornou dependente de álcool. Nos dias de hoje, ela seria diagnosticada com Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).

Lee Miller morreu em Farley Farm em 1977. Ela deixou um legado fotográfico extraordinário e foi objeto de inúmeras exibições desde então.

Anotação em abril de 2025

Lee

De Ellen Kuras, Reino Unido-EUA-Austrália-Singapura-Hungria, 2023

Com Kate Winslet (Lee Miller),

Andy Samberg (David Scherman, o fotógrafo da Life), Alexander Skarsgård (Roland Penrose, o marido de Lee), Josh O’Connor (o jovem que entrevista Lee), Marion Cotillard (Solange d’Ayen, amiga de Lee), Andrea Riseborough (Dame Audrey Withers, a editora da Vogue), Noémie Merlant (Nusch Éluard), Vincent Colombe (Paul Éluard), Arinzé Kene (major Jonesy), Patrick Mille (Jean D’Ayen), Samuel Barnett (Cecil Beaton), Zita Hanrot (Ady Fidelin), James Murray (coronel Spencer)

Roteiro Liz Hannah e Marion Hume & John Collee

História Lem Dobbs e Marion Hume & John Collee

Baseado no livro “The Lives of Lee Miller”, de Antony Penrose

Fotografia Pawel Edelman

Música Alexandre Desplat

Montagem Mikkel E.G. Nielsen

Casting Lucy Bevan, Olivia Grant

Desenho de produção Gemma Jackson

Figurinos Michael O’Connor

Produção Lauren Hantz, Troy Lum, Andrew Mason, Marie Savare, Kate Solomon, Kate Winslet, 55 Films, Brouhaha Entertainment, Embassy Films, Hantz Motion Pictures, Hopscotch Features e outras;

Cor, 117 min (1h57)

****

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *