The Square: A Arte da Discórdia / The Square

Nota: ★☆☆☆

Em menos de dez meses depois de sua estréia no Festival de Cannes, em maio de 2017, The Square, o novo filme do sueco Ruben Östlund, o autor do excelente Força Maior (2014), já ganhou 23 prêmios, fora 35 outras indicações.

É impressionante. Ganhou a Palma de Ouro de Cannes, teve indicações ao Oscar, ao Globo de Ouro e ao César francês de melhor filme estrangeiro.

Tem sido aclamado unanimemente pela crítica como uma obra-prima.

Bem… Quase unanimemente. O site que tem o nome do grande Roger Ebert, um dos melhores críticos de cinema do mundo, não entrou na louvação ampla, geral e irrestrita: deu 1.5 estrela em 4.

Transcrevo trechos da crítica assinada no rogerebert.com por Glenn Kenny:

“Na Suécia de The Square de Ruben Östlund, o que era antes o Royal Museum de Estocolmo é agora o X-Royal Museum, dedicado à arte contemporânea e aos valores correspondentes a ela. A maneira com que a mudança fora-com-o-velho e viva-o-novo se opera é expressa numa cena em que trabalhadores tentam remover a estátua de um cavaleiro da praça diante do museu; a estátua, pendurada a um guindaste pelo pescoço do cavaleiro, se quebra, decapitando a figura e arruinando o pedestal onde ela ficava.

“Este não é um filme que dá grande importância à trama”

A crítica prossegue:

“No lugar da estátua é instalado o quadrado do título do filme (square significa tanto quadrado quanto praça), um pequeno espaço demarcado por linhas brancas. Parte de uma exposição maior inventada por uma artista-socióloga, ela pretende representar um ‘espaço seguro’ comunitário. ‘The Square é um santuário de confiança e cuidado’, diz uma proclamação da artista. ‘Dentro dele, todos nós compartilhamos direitos e deveres iguais.’ O curador do museu, Christian, está sendo pressionado a vender a mensagem, e a exposição, ao público.

“Mas Christian – um atraente, competente profissional interpretado por Claes Bang, em uma atuação consistente que é provavelmente a melhor coisa neste filme imensamente infame – é distraído. Ele é distraído pela Vida Moderna, ou Vida Pós-Moderna, ou seja lá o nome que se queira dar. Numa cena que mostra Christian no trajeto rumo ao trabalho, o autor-diretor Östlund desvenda seu jeito nada sutil de fazer sátira social com uma marreta. Ele abre com uma tomada de um sem-teto numa limpa calçada de Estocolmo. Uma voz fica dizendo: “Você gostaria de salvar uma vida hoje?” A voz, nós vemos em uma tomada mais ampla, pertence a um daqueles sujeitos que seguram grandes cartazes pedindo ajuda para serviços sociais. Sim, mais uma vez é tempo de ‘QUE INCRÍVEL IRONIA’ – aquele homem está talvez morrendo ali perto, e eis aqui essa pessoa pedindo aos transeuntes, que são indiferentes a ela e ao sem-teto, se eles estão interessados em salvar uma vida! Uau!

“A cena de rua prossegue com Christian descobrindo que ele teve roubados sua carteira, seu celular e suas abotoaduras. Ele não pode acreditar. Com a ajuda de um subordinado bom em computação chamado Michael (Christopher Læssø), consegue identificar o lugar em que está seu telefone, e ele e Michael bolam um esquema ilógico de colocar uma carta ameaçadora em cada um dos apartamentos de um prédio humilde onde o celular havia sido localizado. O estratagema dá resultado, mas há consequências, e, enquanto lida com essas consequências, Christian sem reparar autoriza uma campanha de marketing inventada por uma dupla de designers moderninhos. E este fato quase literalmente estoura na cara dele.

“Este não é um filme que dá grande importância à trama; na verdade, as 2 horas e 20 minutos vagueiam bastante. O filme tem que acomodar outras anedotas a respeito da Vida Moderna, inclusive o caso eventual de Christian com uma jornalista americana (Elisabeth Moss) que inexplicavelmente tem um chimpanzé em seu apartamento, e se pega num surpreendente cabo-de-guerra com uma camisinha depois da trepada.”

“O filme nem sequer obedece a uma lógica interna”

Mais adiante em seu texto cheio de ironias no rogerebert.com, Glenn Kenny afirma:

“Se você estiver se perguntando por que Christian simplesmente não prestou queixa sobre o telefone roubado à polícia, bem, é interessante: os suecos deste filme parecem não ter polícia, ou guardas de segurança, ou porteiros. Quando um sujeito apresenta uma performance em um jantar de gala – a sequência fundamental do filme, creio – e começa a agir de forma totalmente errada, com agressões incessantes, são os convidados que têm que dar um fim àquilo. O que eles levam um tempo enorme para fazer, porque, você sabe, não é?, a Vida Moderna. Da mesma maneira, um irritado sujeito que recebe a carta de Christian, procurando vingança, entra no prédio de Christian sem problema algum, e cria grandes incômodos.

“OK, se esta é a sociedade que Östlund imagina, ele tem todo o direito. O problema é que o filme nem sequer obedece a uma lógica interna. A esnobe diretora geral do museu, Elna, interpretada pela música sueca Marina Schiptjenko, é mostrada em uma cena chocada com o vídeo do anúncio da exposição The Square; ela está preocupada com as contribuições para o museu, entre outras coisas. Na cena que vem quase a seguir, ela está sentada placidamente, aparentando estar apoiando o que está acontecendo, enquanto as pessoas que iriam fazer doações ao museu são assaltadas em nome da arte.

“Os murros na arte contemporânea se alternam com críticas ostensivas à masculinidade e privilégios, chegando a um clima que endossa uma compaixão que é insuficiente. Por toda a competência e refinamento mostrados, que  nunca é mais do fácil e arrogante.”

E então o crítico finaliza:

“Diz alguma coisa inquietante sobre estes tempos o fato de que a Palma de Ouro deste ano de Cannes tenha ido para um trabalho tão abertamente reacionário.”

É um filme tão chato, tão metido a besta, que dá preguiça escrever sobre ele

Meus três ou quatro leitores habituais talvez estejam estranhando um pouco o fato de eu ter me dado ao trabalho de transcrever um texto tão grande e não ter dado minha opinião pessoal – já que dar minha opinião pessoal é o que mais faço neste site.

A explicação é simples: fiquei com uma preguiça absoluta, terrível, pavorosa, de escrever sobre este filme chato, pretensioso, nariz arrebitado, metido a besta.

O típico filme feito para agradar ao povinho de nariz arrebitado que diz gostar de “cinema de arte” e detestar “filme americano”.

Com uma preguiça maior que minhas forças, pensei em simplesmente não anotar nada sobre o filme. Mas em seguida pensei que diabo, tenho um site sobre filmes, gastei meu precioso tempo vendo essa porcaria – que ainda por cima é danada de comprida, 2h31 de abacaxi azedo –, não tem sentido não aproveitar e botar no 50 Anos de Filmes.

Aí achei essa maravilha de texto no site que mantém a memória do grande Roger Ebert. Pronto: ele me resolve o problema.

Concordo com quase absolutamente tudo o que Glenn Kenny escreveu. Só não entendi o conceito de reacionário. Não achei que o filme seja reacionário. Nem reacionário, nem progressista, nem coisa nenhuma. É apenas um filme danado de chato e metido a besta. Só isso.

Há filmes que caem na armadilha de ficar parecidos com aquilo que pretenden criticar    

Um dia depois de escrever o que está aí acima, fiquei pensando que, de qualquer forma, falta uma avaliação minha, ainda que mínima.

É assim:

Há filmes que, ao fazerem uma crítica forte, vigorosa, de alguma coisa, acabam caindo na armadilha de ficarem parecidos com aquilo que querem criticar.

Há filmes, por exemplo, que, pretendendo denunciar como a sociedade é violenta, e também como o cinema anda abusando da violência, acabam, eles também, sendo violentos, abusando da violência.

Há os que pretendem denunciar que há abuso de sexo na sociedade, e também no cinema – e acabam sendo quasepornôs.

Talvez o melhor exemplo sejam alguns dos filmes de Claude Chabrol. Claude Chabrol dedicou seu imenso talento a fazer filmes que demonstravam que a burguesia francesa é a coisa mais chata do mundo. Conseguiu fazer filmes tão chatos quanto deve seguramente ser a burguesia francesa.

Ruben Östlund tem talento, e muito. Demonstrou isso à exaustão no belíssimo Força Maior. Demonstra isso aqui também. Só que, ao construir este The Square para denunciar a existência de imensa injustiça social na sua Suécia – um dos países mais ricos, mais desenvolvidos, mais democráticos e de menor injustiça social do mundo –, para denunciar que há hipocrisia, egoísmo, indiferença, na sociedade sueca, ele optou por fazer um filme danado de chato.

Não revela absolutamente nada novo, não acrescenta nada – só enche o saco de qualquer ser humano que opte por passar duas horas e meia diante dele e não tenha o narizinho arrebitado de quem diz que só vê “cinema de arte”.

Até porque este The Square é tão “cinema de arte” quanto são bons exemplos de belas artes as asneiras que o X-Royal Museum do filme expõe.

Anotação em março de 2018

The Square: A Arte da Discórdia/The Square

De Ruben Östlund, Suécia-Alemanha-França-Dinamarca, 2017

Com Claes Bang (Christian)

e Elisabeth Moss (Anne), Terry Notary (Oleg), Christopher Læssø (Michael), Dominic West (Julian), Marina Schiptjenko (ela mesma)

Argumento e roteiro Ruben Östlund

Fotografia Fredrik Wenzel

Casting Pauline Hansson

Montagem Jacob Secher Schulsinger e Ruben Östlund

Produção Plattform Produktion, Arte France Cinéma, Coproduction Office, Det Danske Filminstitut.

Cor, 151 min (2h31)

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