Tudo Vai Ficar Bem / Every Thing Will Be Fine

2.5 out of 5.0 stars

Tudo Vai Ficar Bem, de 2015, é o primeiro longa-metragem de ficção de Wim Wenders desde 2008, quando fez Palermo Shooting. Entre os dois, o grande realizador fez vários documentários, entre eles o belo Pina (2011), homenagem à coreógrafa Pina Bausch.

O filme que marca a volta do diretor alemão à ficção não poderia ser mais internacional. É uma co-produção Alemanha-Canadá-França-Suécia-Noruega. A história foi escrita e roteirizada por um norueguês, Bjørn Olaf Johannessen – e certamente o autor deve ter imaginado que os fatos se passavam na Noruega, mas, no filme, toda a trama se desenrola no Canadá. O protagonista é interpretado por um americano, James Franco, e entre os principais atores há uma inglesa filha de francês, Charlotte Gainsbourg, uma canadense radicada nos Estados Unidos, Rachel McAdams, uma canadense de fala francesa, Marie-Josée Croze, um belga, Patrick Bauchau, e um sueco, Peter Stormare.

Poderia ser na Noruega, poderia ser no Canadá – mas precisaria de fato ser num país gelado. Gelo, neve, muita neve, inverno de rachar – esses elementos são fundamentais para a história.

O protagonista, Tomas, é um escritor que tem dificuldades para criar seu novo livro

Quando o filme começa, o protagonista, Tomas Eldan – o papel de James Franco – está numa daquelas cabanas em cima de uma camada de gelo formada na superfície um lago ou rio no auge do inverno de país próximo do Círculo Polar. Perto da cabana que ele ocupa há algumas outras, de pescadores – aquela coisa aparece em outros filmes, em que os pescadores abrem um buraco no gelo e ficam ali pescando.

Tomas procurou aquele lugar isolado, embora não muito longe de onde mora, para escrever. É um escritor, já publicou dois romances, e está batalhando para começar um terceiro.

Tomas recebe alguns telefonemas da mulher, Sara (o papel de Rachel McAdams, na foto abaixo) – e o espectador percebe perfeitamente que o casamento não vai bem. Tanto que ele precisou sair de casa, ir para aquele lugar distante a absolutamente gelado para tentar escrever. Com mais algum tempo de filme, o espectador perceberá que Sara está mais apaixonada por ele que ele por ela.

Sara, na verdade, liga para o celular dele com alguma insistência. Liga algumas vezes quando ele já está em seu carro, viajando de volta para casa depois de uma temporada ali no lugar dos pescadores de águas geladas.

Está guiando por uma estradinha pequena que nem se enxerga direito, porque todo o terreno está absolutamente coberto por uma camada espessa de neve.

O filme está aí com uns 15 minutos quando ocorre o fato determinante de toda a história. Caso o eventual leitor queira ver o filme, a rigor seria melhor que ele parasse de ler este texto aqui.

Atenção: o que se narra a seguir é, a rigor, a rigor, um spoiler

Tomas se distrai por um momento rapidíssimo, ao olhar para o celular colocado no banco do carona a seu lado – e aí percebe que alguma coisa passou correndo à frente do carro. Ouve-se um barulho surdo.

O espectador vê que algo passa correndo à frente do carro. Mas é muito rápido, é só um relance, não dá para perceber o que é.

Todo o filme tem um ritmo bastante lento. Há momentos em que simplesmente nada acontece – a câmara se demora mostrando o rosto de um ou outro personagem, ou uma paisagem. Todo o ritmo é de fato especialmente lento, mas, nesta sequência aí com uns 15 minutos, quando acontece o fato fundamental da história, Wim Wenders exagera um pouquinho no ralentando – e aqui tem todo o sentido. Momentos como aqueles a gente vive de fato como se fosse em câmara lenta.

Tomas desce do carro lentamente, caminha lentamente na neve para a frente do carro – e vê, e o espectador vê com ele, uma criança parada bem diante do pára-choque dianteiro.

Tomas, assim como o espectador, volta a respirar, aliviado: o garoto está vivo.

Tomas conversa com ele – o garoto, de uns 5 ou 6 anos de idade, nem consegue responder. Tomas olha em redor – a uns 200 metros da estrada, parecendo absolutamente isolada ali no meio da neve, há uma casa.

Tomas vai levando o garotinho até a casa. Carrega o trenó com que o garoto brincava, provavelmente o trenó em que estava quando de repente surgiu na estrada à frente do carro.

É provável que o trenó tivesse o nome do garoto, Christopher, porque, quando os dois chegam junto da casa, e uma mulher vem ao encontro deles, Tomas vai logo dizendo que houve quase um acidente, e que Christopher tinha atravessado a estrada bem na hora em que ele passava de carro.

A mulher – o papel de Charlotte Gainsbourg, essa ótima atriz – dá um grito para o filho. Pergunta para Christopher onde está o irmão dele – e corre em direção à estrada.

A câmara de Wim Wenders não mostra o corpo do irmão de Christopher – não é necessário.

Há o corte, e na sequência seguinte uma policial está deixando Tomas em sua casa. Não é preciso haver explicação, fica tudo claro – era muito evidente que havia sido um acidente, que Tomas não tinha tido culpa.

Ter culpa em inquérito policial e depois eventualmente num tribunal é uma coisa – e isso não aconteceria com Tomas. Mas sentir culpa – mesmo que o que tenha havido tenha sido evidentemente, claramente acidental – é outra coisa. A gente sabe disso muito bem.

Imagine carregar o peso de ter atropelado uma criança – mesmo que de forma evidentemente, claramente, obviamente acidental.

Depois de 11 anos, Christopher, agora adolescente, quer conhecer Tomas

A partir daí, o filme mostra o que vai acontecendo com Tomas ao longo de um bom período de tempo. Haverá um letreiro informando “Dois anos depois”. Um outro informando “Quatro anos depois”. Um terceiro dizendo “Quatro anos depois”.

Tomas se separa de Sara. Tomas volta ao local do acidente, reencontra a mãe de Christopher e do garotinho morto, Kate, uma artista plástica, ilustradora, e os dois estabelecem uma relação de amizade. Tomas publica um livro, depois outro, depois outro, vai ficando rico. Tomas conhece, na editora que publica seus livros, uma mulher que cuida das edições dos livros em língua francesa, Ann (o papel de Marie-Josée Croze).

E, finalmente, 11 anos depois do acidente, recebe uma carta de Christopher, agora um adolescente de 16 anos. Na carta, diz que gostaria muito de conhecer Tomas pessoalmente. A rigor, reencontrá-lo, 11 anos depois.

Não me parece que os personagens tenham sido bem construídos

A lentidão escolhida por Wim Wenders como ritmo para contar sua história, seu drama psicológico, poderia talvez permitir que o espectador acompanhasse mais de perto os personagens centrais, compreendesse melhor seus sentimentos, suas emoções.

É provável que Wenders tenha escolhido esse ritmo extremamente lento para isso mesmo.

Na minha opinião – que, claro, não vale mais que uma nota rasgada de três guaranis paraguaios –, não funcionou.

O espectador não fica sabendo melhor o que sentem os personagens. Seja porque, afinal de contas, a rigor, os personagens não foram bem construídos. Ou porque os personagens não são lá muito simpáticos. Ou porque a interpretação do ator principal, que faz o protagonista, seja fraca.

O fato é que o filme não envolve o espectador na trama. Sempre, é claro, na minha opinião. Mas para mim é isso: o filme não emociona, não pega.

A rigor, a rigor, o filme deixa a sensação de que Wim Wenders tinha nas mãos um conto, e quis alongá-lo para que virasse um romance.

“As emoções, os sentimentos são relegados bem lá para trás”

Visualmente, o filme é belíssimo. As paisagens são maravilhosas, a fotografia é esmerada. A diferença do campo em que Kate mora, inteiramente tomado pela neve, da beleza da natureza resplandescente no verão, é algo fascinante.

O filme foi inteiramente rodado em 3D, o que torna toda a filmagem mais trabalhosa.

Um leitor do site AlloCiné, que se assina benoitG80, comentou sobre isso com muita propriedade, acho eu. Ele diz que Every Thing Will Be Fine – o filme foi exibido na França com este título mesmo, em inglês – dá grande importância à forma, “que é seguramente sedutora, com imagens de grande beleza, com cores saturadas e luzes encantadoras, magníficas”. Para concluir que o aspecto técnico e formal acaba ofuscando o roteiro, “e assim as emoções, os sentimentos são relegados bem lá para trás. É de fato uma pena.”

Concordo. Acho exatamente isso.

Anotação em dezembro de 2016

Tudo Vai Ficar Bem/Every Thing Will Be Fine

De Wim Wenders, Alemanha-Canadá-França-Suécia-Noruega, 2015

Com James Franco (Tomas Eldan), Rachel McAdams (Sara), Charlotte Gainsbourg (Kate), Peter Stormare (o editor), Marie-Josée Croze (Ann), Patrick Bauchau (o pai de Tomas), Lilah Fitzgerald (Mina aos 8 anos), Julia Sarah Stone (Mina dos 12 até 14 anos), Jack Fulton (Christopher dos 5 até 8 anos), Philippe Vanasse-Paquet (Christopher aos 12 anos), Robert Naylor (Christopher aos 16 anos)

Argumento e roteiro Bjørn Olaf Johannessen

Fotografia Benoît Debie

Música Alexandre Desplat

Montagem Toni Froschhammer

Produção Neue Road Movies, Montauk Productions, Göta Film, Götafilm, Film Väst.

Cor, 118 min

**1/2

9 Comentários para “Tudo Vai Ficar Bem / Every Thing Will Be Fine”

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