Segredos Enterrados / Les Secrets

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1.0 out of 5.0 stars

Com muita boa vontade e condescendência, seria possível dizer que este Segredos Enterrados, no original Les Secrets, da tunisiana Raja Amari, pode ser interessante para quem queira saber sobre os hábitos de uma civilização em tudo diferente da nossa, talvez mais próxima da dos venusianos ou jupiterianos do que tudo o que conhecemos.

Com um mínimo de rigor, o que dá para dizer é que esta co-produção Tunísia-França-Suíça é de uma chatice atroz. E a história que conta e as ações dos personagens são mais misteriosas e de difícil compreensão que mandarim ou sânscrito.

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Em alguns aposentos do porão de um gigantesco e abandonado palacete no meio do nada, vivem três mulheres: a mãe (Wassila Dari), cujo nome não aparece em momento algum, uma senhora aí de uns 60 anos, talvez, Radia (Sondos Belhassen), uma mulher aí beirando os 40, e Aicha (Hafsia Herzi), uma jovem de uns 18 anos.

Hafsia Herzi, bela e jovem atriz francesa descendente de argelinos e tunisianos, nascida em 1987 (estava, portanto, com 22 anos em 2009, ano do lançamento do filme), dá um show de interpretação em O Segredo do Grão, e trabalhou também no extraordinário A Fonte das Mulheres. Foi basicamente por causa dela que resolvi gravar da TV a cabo para ver depois este Segredos Enterrados.

No passado, aquela mãe trabalhou como criada da família proprietária do palacete agora abandonado e que começa a cair aos pedaços. Não fica claro por que o imóvel foi abandonado, nem por que mãe e suas duas filhas (assim elas nos são apresentadas), instaladas ali feito posseiras, se escondem nos aposentos dos criados. Já que estão lá mesmo, e o lugar é deserto, por que não ocupar as áreas nobres do casarão?

Mas esses são só detalhes dentro de um filme cheio de mistérios.

Misterioso é o comportamento das três mulheres. A mãe e Radia estão sempre vigiando a jovem Aicha, tentando, aparentemente, impedir que ela tenha comportamentos impróprios.

Bem no início da narrativa, Aicha se fecha no banheiro e pega um aparelho de barbear para depilar as pernas. As outras duas batem à porta, exigem que ela abra, a põem de castigo. Exatamente por quê, meu Deus do céu e também da terra? Por que a menina estava começando a depilar as pernas? Depilar as pernas é contra a religião delas?

Aliás, não há sinais de religião, na história. A mãe às vezes usa um lenço sobre a cabeça, mas não sempre, e Radia e Aicha não usam qualquer espécie de véu muçulmano.

Será que as duas mais velhas por acaso temem que, sozinha no banheiro, a jovem Aicha se masturbe?

Quando a ação está bem adiantada, a câmara mostrará, de longe, a adulta Radia trancada no mesmo banheiro em atitudes que fazem lembrar masturbação. Querem as mais velhas impedir que a jovem tenha qualquer tipo de atitude relacionada à sexualidade?

Sei lá.

zzsegredos3O fato é que volta e meia botam a garota de castigo. Às vezes a amarram na cama. Por que motivo, não fica muito claro.

Lá pelas tantas, um casal jovem, visivelmente de classe média, ocidentalizado, chega ao palacete. Ele é Ali (Dhaffer L’Abidine), ela é Aelma (segundo o IMDb; segundo as legendas, Selma), interpretada por  Rim El Benna. Quem serão aqueles dois? Seria Ali descedente da família proprietária do palacete? Não se sabe. Mistério neste filme de mistérios.

Aicha esgueira-se até as alas principais do palacete e observa o casal. Chega a entrar no quarto em que o casal trepa, e fica ali olhando. O casal não percebe sua presença.

Aicha rouba os sapatos de salto alto de Aelma/Selma. Uma hora lá, chega a entrar na festa que o casal promove para vários amigos. Não ocorre a ninguém perguntar o que aquela desconhecida está fazendo ali.

Como ler um texto sobre física quântica escrito em mandarim

Ver Segredos Enterrados foi para mim foi como tentar ler um texto sobre física quântica escrito em mandarim.

Mas, naturalmente, a turma de narizinho empinado que diz gostar de “filme de arte” vai, toda ela, adorar o filme. Os júris dos festivais, idem ibidem.

Terão visto nele, com certeza, belas metáforas e sábias lições sobre sexualidade reprimida, abuso sexual, incesto e desejo de vingança, e também, é claro, sobre a injustiça social, o abismo entre as classes ricas e pobres.

No IMDb há a seguinte sinopse do filme, assinado por The Film Catalog: “Aicha, Radia e a mãe delas vivem longe do mundo nos aposentos subterrâneos dos criados de uma mansão abandonada. O equilíbrio precário de sua vida cotidiana é quebrado pela chegada de um jovem casal que se muda para a casa principal. Uma bizarra coabitação se estabelece entre o casal e as três mulheres, que decidem não fazer sua presença conhecida por esses vizinhos inesperados. Elas não podem abandonar seu esconderijo porque ele esconde segredos enterrados por anos. Mas Aicha, a irmã mais nova, é atraída pelos recém-chegados.”

Uma mistura de pretensão com lerdeza e repetição das mesmas ações

Nascida em Túnis em 1971, Raja Amari se formou na Fémis, a escola nacional de cinema de Paris. Seu primeiro longa, Satin Rouge, de 2002, estrelado pela magnífica atriz palestina Hiam Abbass, obteve grande sucesso de crítica. Em 2004, realizou um documentário, Les Traces de l’Oubli.

zzsegredos2Por este filme, seu segundo longa-metragem de ficção, a diretora Raja Amari – ela própria autora do argumento e do roteiro – ganhou dois prêmios no Festival Internacional de Filmes Independentes de Bruxelas. O filme levou também o grande prêmio do festival Arte Mare de Bastia, o grande prêmio do Festival do Cinema Árabe de Roterdã, o prêmio de melhor fogografia na Mostra de Valencia do Cinema Mediterrâneo e o prêmio de melhor filme africano no Festival de Cinema Africano de Milão.

Segredos Enterrados foi também selecionado para a mostra oficial do Festival de Veneza, um dos três mais importantes da Europa, ao lado de Berlim e Cannes.

Os jornais Le Monde e Le Figaro e as revistas L’Express, Elle e Studio Ciné Live deram ao filme 4 estrelas em 5, segundo informa o site AlloCiné.

No mesmo site – uma excelente fonte de informações sobre o cinema francês – há dois comentários de espectadores que vale a pena transcrever.

O primeiro é seguramente de um daqueles narizinhos empinados: “Forte emoção. O filme alia doçura e violência com brio. Tive a chance de assistir a um debate com a realizadora e a atriz Hafsia Herzi: uma troca apaixonante.”

O outro é de um pobre ser humano como eu mesmo: “Este filme é de um tédio absolutamente mortal. Não compreendo como este filme pôde ser selecionado para um grande festival como o de Veneza”.

Que maravilha. Na minha opinião, é exatamente isso.

Porque não é só o fato de que a trama parece absolutamente misteriosa para alguém que não conhece os costumes do interior profundo da Tunísia. O pior é a forma com que a história é contada. É uma mistura indigesta de pretensão com lerdeza e repetição ad nauseam dos mesmos temas e ações.

Uma chatice atroz.

Anotação em dezembro de 2012

Segredos Enterrados/Les Secrets

De Raja Amari, Tunísia-França-Suíça, 2009.

Com Hafsia Herzi (Aicha), Sondos Belhassen (Radia), Wassila Dari (a mãe), Rim El Benna (Aelma), Dhaffer L’Abidine (Ali)

Argumento e roteiro Raja Amari

Fotografia Renato Berta

Montagem Pauline Dairou

Produção Nomadis Images, Akka Films, Les Films d’Ici, Rouge International, Les Films du Requin, Les Films de la Source.

Cor, 91 min

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Título em inglês: Buried Secrets

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