E Se Vivêssemos Todos Juntos? é uma pequena pérola, uma maravilha, uma bênção. Fala de temas seriíssimos com graça, bom humor, sinceridade, emoção, carinho, sensibilidade. É belo como a vida às vezes é, como deveria ser boa parte do tempo que nos foi dado sem que tivéssemos pedido.
Focaliza um grupo de cinco amigos, todos velhinhos, da terceira idade (a melhor idade é a vovozinha de quem inventou a expressão), e um garotão que acontece de se juntar a eles. Os atores que representam os cinco amigos tinham idades que variavam, em 2010, quando o filme foi rodado, entre 81 e 66 anos.
E este já um dos muitos encantos do filme: uma história sobre pessoas com mais de 65 anos.
Bem recentemente, o diretor Lawrence Kasdan, então com 63 anos, disse: “Hollywood não faz mais filmes sobre pessoas, em especial pessoas com mais de 60 anos”. A frase foi dita quando ele estava lançando um filme sobre pessoas com mais de 60 anos, Querido Companheiro.
Querido Companheiro, este E Se Vivêssemos Todos Juntos, O Exótico Hotel Marigold, de John Madden, O Quarteto, de Dustin Hoffman, Um Divã para Dois, de Davide Frankel, todos bem recentes, são filmes sobre velhinhos. Podem ser a exceção que confirma a regra enunciada por Kasdan. Ou podem – quem sabe? – ser indícios de que talvez o cinema esteja percebendo que há espaço para filmes sobre pessoas na maturidade.
No belo elenco, três franceses, duas americanas e um alemão-espanhol
Co-produção França-Alemanha, segundo longa-metragem dirigido por Stéphane Robelin (ele também autor do argumento e do roteiro), o filme é estrelado por três franceses, duas americanas e um alemão-espanhol. Pensei em fazer um quadrinho:
Ator |
Nascimento |
Idade em 2010 |
Personagem |
Claude Rich |
1929 |
81 |
Claude |
Guy Bedos |
1934 |
76 |
Jean |
Pierre Richard |
1934 |
76 |
Albert |
Jane Fonda |
1937 |
73 |
Jeanne |
Geraldine Chaplin |
1944 |
66 |
Annie |
Daniel Brühl |
1978 |
32 |
Dirk |
Somos apresentados aos cinco primeiros personagens em sequências rápidas, que surgem intercaladas com os primeiros créditos. Em breves pinceladas, o autor e diretor Stéphane Robelin vai desenhando suas personalidades.
São, todos eles, personagens fascinantes, interessantíssimos.
Jean (Guy Bedos) é um eterno ativista, um ser político. Pensa na sociedade o tempo todo. Seguramente foi comunista quando mais jovem, e quando a ação começa está protestando contra a polícia, que chega para retirar moradores de um prédio invadido.
Jean é casado com Annie (Geraldine Chaplin). Moram numa bela casa num subúrbio rico, cercada por um grande terreno que inclui uma horta.
Albert (Pierre Richard) anda com sério problema de perda de memória. Não me lembro se o termo Alzheimer é mencionado – acho que não é –, mas tudo indica que é o alemão que está atacando Albert. O que é, além de triste, irônico, porque Albert não gosta dos alemães: seu pai foi torturado e fuzilado pelos nazistas em 1941. Ele costuma manter um diário um tanto bissexto, em que anota alguns fatos. Sua principal diversão é um cachorro danado de grande, que ele às vezes esquece de levar para passear.
Jeanne (Jane Fonda, radiante aos 73 anos) é a mulher de Albert. Numa das primeiras sequências em que aparece, ela está vendo os resultados de exames de saúde. Os resultados são obviamente ruins, mas Jeanne joga fora os documentos e mente para o marido dizendo que está tudo bem.
E, finalmente, há Claude (o papel de Claude Rich), fotógrafo profissional e safado, comedor inveterado por natureza. Está viúvo, e vai com grande freqüência às putas.
São grandes amigos há mais de 40 anos. E veremos que, no passado distante, 40 anos antes da época em que se passa a ação, Claude havia sido amante tanto de Annie quanto de Jeanne.
Por que uma tese sobre velhinhos aborígenes da Austrália, e não sobre franceses?
Claude é de longe o mais sexualmente ativo dos cinco amigos – mas libido é algo que os anos não apagaram, naquela turma. Jean e Annie trepam com alegria. E Jeanne adora falar de sexo. Vai falar muito de sexo com Dirk (o papel da Daniel Brühl, esse filho de alemão e catalã nascido em Barcelona que parece fazer cinco filmes por ano, e quase sempre, ou sempre, filmes bons). Os indícios são de que Jeanne na verdade gostaria de dar para Dirk, se o garotão não a visse como uma senhora que poderia ser sua avó.
Dirk aparece na história depois que o cachorrão gigantesco derruba Albert no meio da rua, e ele tem que ser hospitalizado. Albert e Jeanne procuram então uma pessoa para passear com a fera, e surge esse garotão, um alemão formado em etnologia que está fazendo pós-graduação na França e preparando uma tese sobre o comportamento dos aborígenes da Austrália quando chegam à terceira idade.
Jeanne acompanha Dirk e o cachorrão de Albert em alguns de seus passeios, e é ela que sugere a ele: por que os aborígenes da Austrália, e não os velhinhos dali mesmo da França? Com aquele grupo de amigos, Dirk teria bom material de estudo. E Jeanne insiste em um ponto específico: a tese terá, forçosamente, de abordar a questão da sexualidade dos velhinhos.
O garotão acaba virando visitante frequente do grupo e, muito mais que um visitante, um faz-tudo para eles.
É de Albert, o eterno ativista, a idéia que dá o título do filme: e se vivêssemos todos juntos? Annie, a princípio, é absolutamente contra a idéia. Adora sua bela casa – e sua privacidade. Mas Albert é insistente, persistente.
“Um antídoto contra o adolescentismo e o medo de envelhecer”
O site AlloCine traz gostosas informações sobre o filme.
* Et si on vivait tous ensemble? era, de início, apenas um título provisório, adotado pela equipe enquanto se aguardava a definição de algum melhor. Pensou-se em Os Velhos e Até a Lua e em toda a Terra. Mas o diretor Stéphane Robelin, que pensava no caráter utópico das comunidades dos anos 1970, acabou achando que o título provisório era o que mais definia o espírito do filme.
* Robelin tinha em seu currículo apenas três curtas-metragens e um longa, Real Movie, de 2004, que ele mesmo definia como “modesta e excitante” – um filme de orçamento baixíssimo. Não foi muito fácil conseguir financiamento para um segundo longa de orçamento bem mais alto. Finalmente, um grupo de investidores alemães topou financiar o filme. O personagem Dirk virou alemão e Daniel Brühl – garantia de boa bilheteria na Alemanha – foi chamado para o papel.
* Jane Fonda obviamente adorou seu papel – uma septuagenária que, como ela mesma, se mantém sensual. E Geraldine Chaplin, a mais jovem dos cinco atores principais, disse, em entrevista sobre o filme: “É terrível envelhecer. A carroçaria não funciona mais, o motor não funciona mais, mas há algumas coisas que duram, como o desejo…” Velhinhas safadas, deliciosas!
* Quando o projeto do filme foi anunciado, em 2006, falava-se que Jeanne Moreau e Jean Rochefort estariam no elenco. Com o passar do tempo, seus nomes deixaram de ser mencionados.
* As filmagens foram feitas na região de Paris, durante o verão de 2010.
O AlloCine dá três razões para se ver o filme. Boas razões:
1 – O prazer de rever enfim Jane Fondá em um filme francês, 40 anos depois de Tout va Bien, de Godard (e eu acrescento que é bom lembrar que Jane Fondá foi casada com Roger Vadim, e passou bom tempo na França);
2 – Um verdadeiro tema da sociedade, abordado com humor e ternura.
3 – Uma reunião de atores extraordinários, como um antídoto contra o adolescentismo e o medo de envelhecer.
A velhinha conta para o rapagão tímido que gosta de se masturbar
Os diálogos são inteligentíssimos, e o humor é fascinante. Brinca-se sobre sexo, política, militância, solidariedade, companheirismo, envelhecimento, doenças, proximidade da morte, rivalidades entre países. Os diálogos em que Albert, o que teve o pai morto pelos nazistas, questiona as opiniões do alemão Dirk, por exemplo, são impagáveis. Dirk diz, um tanto irritado, que nasceu nos anos 1980 – querendo dizer, é claro, meu, eu não tenho nada a ver com o nazismo. Albert não se contenta, e pergunta o que o pai dele fazia em 1941. Mais irritado ainda, Dirk diz: “Meu pai tinha 14 anos”.
São deliciosos todos os diálogos entre Jeanne e Dirk sobre sexo – ela soltinha, contando com a maior naturalidade do mundo, por exemplo, que gosta de se masturbar, ele espantado, um tanto tímido. A fórceps, Jeanne consegue extrair do garotão confissões sobre de que ele gosta – mulheres exóticas, de peitos grandes. Quando, no final da narrativa, surge Soraya (Shemss Audat), com seu vasto peitanzil, é uma absoluta maravilha.
Todos os atores estão excelentes. Talvez se possa dizer que Guy Bedos exagera um pouco naquela cara sempre fechada, de sujeito que está o tempo todo irritado, de mau humor. Mas, tirando esse pequeno detalhe, o elenco dá um show.
Esse Stéphane Robelin realizou uma pequena obra-prima.
Anotação em maio de 2013
E Se Vivêssemos Todos Juntos?/Et Si On Vivait Tous Ensemble?
De Stéphane Robelin, França-Alemanha, 2011
Com Guy Bedos (Jean), Geraldine Chaplin (Annie), Jane Fonda (Jeanne), Pierre Richard (Albert), Claude Rich (Claude), Daniel Brühl (Dirk),
e Bernard Malaka (Bernard), Camino Texeira (Maria), Gwendoline Hamon (Sabine), Shemss Audat (Soraya)
Argumento e roteiro Stéphane Robelin
Fotografia Dominique Colin
Música Jean-Philippe Verdin
Montagem Patrick Wilfert
Produção Les Films de la Butte, Rommel Film, Manny Films,
Studio 37, Home Run Pictures. DVD Prisma Imovision.
Cor, 96 min
***1/2
Título em inglês: All Together
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