Violação de Domicílio / Private

2.5 out of 5.0 stars

Anotação em 2011: Para começo de conversa: este Violação de Domicílio é um filme chato, muito chato, chato pra caramba. Mas tem evidentes qualidades, e trata de um tema importante, que é preciso ser abordado sempre, a questão palestina.

Mas é danado de chato.

É um filme italiano, passado na Palestina, sobre a realidade da Palestina, todo falado em árabe, hebraico e às vezes em inglês.

O diretor, Saverio Costanzo, rapaz jovem – nasceu em Roma em 1975 –, é chegado aos maneirismos. Deve ser fã dos dinamarqueses do Dogma 95; usa câmara de mão quase o tempo todo, e a mão do cameraman é propositadamente trêmula. Boa parte das tomadas é feita de noite, sem iluminação, e então a imagem fica granulada, suja, feia.

Um monte de maneirismos para agradar ao pessoal papo-cabeça do cinema “de arte” e aos jurados dos festivais. Claro, o filme foi premiadíssimo nos festivais.

Fala-se de uma família palestina – não se explicita se da Faixa de Gaza, se da Cisjordânia – que tem uma casa isolada, no meio do campo, não numa cidade. O pai, Mohammad (Mohammed Bakri), é professor; ele e a esposa, Samia (Areen Omari) têm cinco filhos.

Quando a ação começa, marido e mulher estão discutindo: na noite anterior, soldados israelenses estiveram perto da casa. Samia tem medo, acha que a família deve sair dali. Mohammad acha que eles devem ficar, resistir, resistir ao medo – ele não quer ser um refugiado. A casa é deles, eles devem ficar. A filha mais velha, porém, Mariam (Hend Ayoub), deveria ir para Alemanha, estudar Medicina, para depois de formada voltar para sua terra – é o que diz o chefe da família.

Na noite seguinte, ou numa das noites seguintes, um grupo de soldados israelenses invade a casa da família. Todos são acordados e levados para a sala. Mohammad tem duas opções, dizem os invasores: ou abandona a casa, se retira com sua família para o sul, ou então terá que se confinar à sala – as demais dependências da casa, os andares de cima, passarão a ser usados pelos israelenses.

Mohammad opta por ficar. Mesmo diante daquelas condições todas, ele opta por ficar. A casa é deles, eles devem ficar – e a rotina de suas vidas não deve ser alterada. Os meninos todos devem continuar estudando, indo à escola, fazendo os deveres de casa – Mohammad, professor, é especialmente exigente quanto à educação dos filhos.

Uma parábola, uma metáfora

Claro, óbvio: uma parábola, uma alegoria, uma metáfora. A casa de Mohammad é como sua terra, seu país. Entra um exército invasor dentro da casa, submete os moradores a todo tipo de desconforto, de opressão – como faz um exército invasor numa nação, numa pátria, como Israel fez tantas vezes em terras de seus vizinhos, e nos próprios pequenos territórios palestinos, Gaza e Cisjordânia.

A força do tema, da questão que está sendo sendo colocada, mais algum talento do diretor, dos atores, tudo isso deixa o espectador preso àquela narrativa; o clima é envolvente, fica-se com imensa curiosidade de saber como aquele conflito será resolvido, onde a história irá parar. Sim, cria-se um clima forte – o espectador fica agoniado com aquela situação absurda, patética, ridícula, desumana.

Os dias vão passando, e não se percebe a proximidade de alguma solução. Durante o dia, toda a família sai, Mohammad vai dar aula, os cinco filhos vão às suas escolas, só Samia fica em casa, cuidando da casa; à noite, todos são confinados à sala, sete pessoas claustrofobicamente aglomeradas para dormir na sala.

Entra dia, sai dia, e a situação não muda. Não há uma escalada de opressão, de violência – é sempre a mesma opressão, a mesma violência surda, que não aumenta, não diminui, se mantém. E essa é uma bela sacada do roteiro – embora seja um tanto desconfortável para o espectador.

Muitos maneirismos, uma câmara que espreita a realidade por uma fresta

Saverio Costanzo é tão chegado a um maneirismo que cria a seguinte situação: depois de vários dias de casa ocupada, Mariam, a filha mais velha, garota aí de uns 17, 18 anos, resolve fazer o que os soldados haviam proibido terminantemente – subir as escadas até o segundo andar que agora foi declarado território israelense. Ela sobe as escadas e se esconde dentro de um armário; abre um pouquinho a porta do armário, e por essa fresta espreita as conversas dos soldados invasores.

Faz isso uma, duas, três, quatro vezes. E temos então que durante uns bons dez minutos do filme a câmara, fazendo as vezes dos olhos de Mariam, espreita a realidade por uma fresta. A câmara que só mostra uma fresta da realidade deve ter sido um elemento que provocou imenso prazer entre a turma papo-cabeça e os jurados de festival.

A produção do filme divulgou a informação de que, na feitura do roteiro, o diretor Saverio Costanzo e seus colaboradores se basearam num caso real de uma família árabe que conviveu dentro de sua própria casa com um grupo de soldados israelenses.

Violação de Domicílio ganhou prêmios ou foi indicado a prêmios nos festivais de Bratislava, Buenos Aires, Locarno, San Francisco e Valladolid. Ganhou o David de Donatello italiano de melhor novo diretor, e o mesmo prêmio do Sindicato Italiano de Jornalistas de Cinema.

O filme foi escolhido pela Itália para representar o país na corrida do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A Academia acabou recusando o filme sob o argumento de que ele não é falado em italiano – os palestinos falam em árabe, os soldados judeus falam em hebraico e, nos momentos em que há conversas entre os dois lados, fala-se inglês.

Um filme importante, com qualidades. Mas chato

Fiquei tentando entender o que o filme quis dizer com essa metáfora óbvia da terra invadida por um exército estrangeiro. A família discute várias vezes sobre a opção de sair da casa, abandonar a casa – e Mohammad insiste sempre, firme, em que esta seria a pior saída. O melhor – ele repisa sempre – é resistir, lutar, ou seja, permanecer em seu território, mesmo naquela situação adversa, absurda, mesmo com os filhos e a mulher demonstrando dificuldade cada vez maior em suportar aquele horror.

O filme seria, então, uma crítica a esse tipo de resistência passiva, pacífica, embora firme? Seria, então, uma crítica às lideranças palestinas mais moderadas, as do Fatah, em contraposição às posições mais radicais, as do Hamas?

Mas o que raios poderia fazer o pobre Mohammad? Tentar combater com suas mãos de professor os soldados invasores fortissimamente armados?

Mary, que se irritou profundamente com o filme, com aqueles maneirismos todos, entendeu que não, não é isso: é apenas a denúncia do absurdo que é a ocupação por Israel de territórios que não pertencem a ele. Apenas esta metáfora simples, básica, e por isso mesmo forte, poderosa: aposentos de seu próprio lar invadidos, tomados por força estrangeira.

Então é isso. Um tema importante, um filme que tem qualidades. Mas que é chato, feito pra agradar chatos, lá isso é.

Violação de Domicílio/Private

De Saverio Costanzo, Itália, 2004

Com Mohammed Bakri (Mohammad B.), Lior Miller (comandante Ofer), Hend Ayoub (Mariam B.), Tomer Russo (Private Eial), Areen Omari (Samiah B.), Marco Alsaying (Jamal B.), Sara Hamzeh (Sarah B.), Karem Emad Hassan Aly (Karem B.), Amir Hasayen (Amir B.)

Argumento e roteiro Camilla Costanzo, Saverio Costanzo, Alessio Cremonini e Sayed Oashua

Fotografia Luigi Martinucci

Música Alter Ego

Produção Istituto Luce, Offside, Cydonia, Rai Cinema. DVD Europa Filmes.

Cor, 90

**1/2

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