2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2010: Um filme de ação e suspense correto, muito bem feito. Nada excepcional, não – mas prende a atenção, envolve, tem belas tomadas e mais a maravilha que é Kate Beckinsale.
A ação começa em 1957, segundo nos informam um letreiro e o fato de que vemos na tela um grande avião com hélices. Estamos em um cargueiro soviético, sobrevoando a Antártida. E a ação começa com muita ação, assim já de cara: o piloto e o co-piloto conversam rapidamente; um deles diz algo do tipo “se é para fazer, vamos fazer já”, e o co-piloto sai de seu assento e vai para dentro do grande espaço do cargueiro. Oferece uma vodca aos tripulantes, uns seis ou oito homens – e, de repente, saca um revólver e atira em um, vai atirar em outro, os demais reagem, começa um tiroteio sem fim dentro do avião. Algumas balas perfuram as paredes, há despressurização, o aparelho começa a cair, o piloto é baleado, o avião cai no meio do gelo da Antártida. A câmara havia focalizado algumas vezes, no meio do tiroteio, um baú de metal. Fica óbvio: ali dentro há uma carga muito, muito especial. Piloto e co-piloto tinham planejado roubá-la, depois de ficar livre dos tripulantes, mas seu plano não deu certo.
Corta, e temos belíssimos planos gerais em que a câmara vai se aproximando de uma das bases americanas na Antártida nos dias de hoje – um letreiro nos informa o nome da base, e até sua localização geográfica, meridiano tanto, paralelo tanto, e a temperatura externa, de 55 graus centígrados negativos. Em um plano-seqüência fenomenal, vamos seguindo uma pessoa devidamente empacotada em camadas de agasalhos que entra na base e vai caminhando por diversos corredores e salas, a câmara indo atrás dela, enquanto vamos vendo diversas pessoas em atividade por todos os lados. A pessoa que a câmara vai seguindo entra no seu quarto de dormir, e aí vemos que é Kate Beckinsale. Ela vai tirando os sobretudos, tira um colete à prova de balas, fica de calcinha e sutiã, e entra no chuveiro, logo depois de pendurar um distintivo que a câmara então exibe: ela é uma agente do Departamento de Justiça dos U.S. of A.
Uma gata frágil na “mais fria e isolada massa de terra no planeta”
Chama-se Carrie Stetko, a agente federal encarregada de garantir a lei, a ordem e a segurança naquela base americana no que um letreiro já havia definido como “a mais fria e isolada massa de terra no planeta”.
Epa, pera lá: mas o Departamento de Justiça botou no Pólo Sul, para manter a ordem na mais fria e isolada massa de terra no planeta, aquela gata lindérrima, magrinha, pequena, com uma aparência de fragilidade?
Bem, quem trucar o filme aí, quem quiser ser, como dizia o Nelson Rodrigues, um idiota da objetividade, não está preparado para ver um filminho americano de ação e suspense. Pô, é uma gata lindérrima magrinha, pequena e frágil porque é parte da garantia de uma boa bilheteria, cacilda!
Então vamos em frente.
A gata lindérrima ainda está no banho quando alguém entra no quarto dela. É o doutor John Fury (Tom Skerritt), o médico da base, amigo dela, sujeito sempre bem humorado, benquisto por todos. Estão todos se preparando para viajar de volta aos Estados Unidos – dali a três dias começam as tempestades de inverno, e a base, durante alguns meses, ficará vazia.
Com mais cinco minutos de filme, surgirá um cadáver. Lá pela metade da história, o avião cargueiro russo e a tal baú de metal contendo algo muito, mas muito especial voltarão a aparecer.
É uma boa trama, bem engendrada. Há os exageros que já viraram padrão no cinemão comercial, mas paciência, parece que não tem jeito mesmo, temos que conviver com os exageros.
Cor diferente para avisar que é flashback – coisa antiga
Logo nas primeiras seqüências em que vamos conhecendo a agente federal Carrie Stetko, vemos que ela teve uma experiência duríssima, no passado, que deixou profundas marcas.
E aí o diretor – que eu não sabia quem era; não sabia absolutamente nada sobre o filme, peguei só com a refereência de que era um filme novo de suspense e tinha Kate Beckinsale – mostra um estilo interessante, esquisito. Para que o espectador veja as cenas que provocaram no passado o trauma na agente Carrie Stetko, usa-se um tom diferente de cor, algo mais amarelado, meio sépia. Achei isso fascinante, porque é algo fora de moda, avisar claramente ao espectador que se está mostrando um flashback. Isso é coisa de muito antigamente – nos anos 30, 40, até mesmo nos anos 50, os filmes nos avisavam direitinho quando entraria um flashback: a câmara se aproximava do rosto do ator ou da atriz, as imagens ficavam um tanto borradas, e lá vinha o flashback. Ao final dele, voltávamos para o mesmo close-up do rosto pensativo do ator ou da atriz.
Pois o diretor Dominic Sena usa recursos parecidos, sempre que vai mostrar a seqüência que deixou nossa heroína traumatizada. Ninguém usa mais esse tipo de coisa, pelo menos desde os anos 70 – subverte-se a ordem cronológica com a maior facilidade, sem avisar nada, os espectadores já se acostumaram com isso.
Ver filmes sem ter lido nada sobre eles tem vantagens e desvantagens, claro. Só no final do final, quando surgem os créditos (não há créditos iniciais), fiquei sabendo que Terror na Antártida/Whiteout se baseia numa graphic novel, num gibi, numa história em quadrinhos. Se soubesse disso antes, talvez tivesse deixado o filme de lado.
Não sou versado em graphic novels; se soubesse um pouquinho a respeito delas, provavelmente já teria ouvido falar nessa história. Parece que é bem conhecida. O autor é Greg Rucka – e, pelo que vejo agora na Wikipedia, Greg Rucka é assim um Hemingway dos quadrinhos, autor de histórias com Wolverine, Elektra, Homem-Aranha, Batman, Mulher Maravilha, Super-homem. Ele é também o produtor executivo do filme.
Whiteout é na verdade uma série de livros de Greg Rucka; o primeiro foi lançado nos anos 90, com grande sucesso.
Uma história muito parecida com a de Mistério na Neve
O diretor Dominic Sena gosta de deixar as coisas bem claras, beirando o didatismo, e então, bem no início da narrativa, um personagem explica para um grupo de novatos, e para o respeitável público, que whiteout é uma tempestade fortíssima de neve que ocorre no inverno na Antártida.
Vejo então que Dominic Sena veio do videoclip; dirigiu clips de Sting e Janet Jackson. É o autor de A Senha: Swordfish, de 2001, com John Travolta e Halle Berry, sobre hackers e crime. Na época em que vi Swordfish não fiquei muito impressionado, mas, pelo que mostra neste filme, Sena domina a técnica, sabe contar bem uma história, usa bons movimentos de câmara e tem pleno domínio para fazer cenas de ação.
Agora, se é para deixar as coisas bem claras, é preciso notar que a história criada por esse Hemingway dos quadrinhos remete bastante à história do filme Mistério na Neve/Smilla’s Sense of Snow, uma estranha aventura do cerebral diretor dinamarquês Bille August no terreno dos thrillers. Mistério na Neve, de 1997, também começa com um acontecimento do passado distante, no final do século XIX, na Groenlândia, para logo em seguida avançar para o final do século XX. Baseia-se em um romance do dinamarquês Peter Hoeg publicado em 1992. Whiteout, de Greg Rucka, com desenhos de Steve Lieber, saiu em 1998.
Uma última observação. Pela forma como são apresentados nos créditos os nomes dos roteiristas, duas duplas, dá para perceber que uma dupla trabalhou na elaboração do texto, mas os produtores não gostaram, e entregaram o trabalho para outra dupla, que deu a versão final. Ou seja: não foi fácil transformar em filme a história bolada por Rucka. Mas foi, afinal, um bom trabalho. Ao fim e ao cabo, é uma história bem contada.
Terror na Antártida / Whiteout
De Dominic Sena, EUA-Canadá-França, 2009
Com Kate Beckinsale (Carrie Stetko), Gabriel Macht (Robert Pryce), Tom Skerritt (Dr. John Fury), Columbus Short (Delfy), Alex O’Loughlin (Russell Haden)
Roteiro Jon Hoeber e Erick Hoeber, Chad Hayes e Carey Hayes
Baseado na história em quadrinhos de Greg Rucka, com ilustrações de Steve Lieber
Fotografia Chris Soos
Música John Frizzell
Produção Warner Bros. e Dark Castle Entertainment
Cor, 101 min
**1/2
Título em Portugal: Whiteout – Inferno Branco