O Que Há, Tigresa? / What’s up, Tiger Lily?

1.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2010: Este O Que Há, Tigresa?/What’s up, Tiger Lily? é uma peça museológica rara, e um filme sui generis, único, sem paralelo – não se parece com nenhum outro filme já feito.

O que não quer dizer que ele seja bom. Não, não, de jeito algum: é uma tremenda porcaria. Só tem valor como peça rara de museu.

Não me lembrava de ter ouvido falar do filme, embora ele seja citado por diversas fontes, conforme relato mais adiante nesta anotação. Não saiu em VHS no Brasil (pelo menos não consta do completíssimo Videobook, que registrava tudo); foi lançado em DVD mais recentemente pela Lume, uma empresa que tem colocado no mercado diversos bons filmes, daqueles que por um motivo ou outro estão sem detentor dos direitos autorais, em geral feitos por empresas que faliram.

E então me chamou a atenção na locadora, como certamente chamará a atenção de muita gente: De Woody Allen e Senkichi Taniguchi, 1966 – ué, então no começo de carreira Woody Allen co-dirigiu um filme com um japonês? O que será isso?

O que se vê é um filme japonês de ação, com perseguições, tiros, quadrilhas que disputam uma receita de salada de ovos (?!!?), com uma trama absoluta, totalmente incompreensível – um nonsense puro.

Começa com um tiroteio, em seguida há um carro de polícia a toda, e então temos uma quadrilha que mantém uma bela japa amarrada, deitada, junto a uma gigantesca serra elétrica que vai se aproximando da prisioneira, para fazê-la confessar alguma coisa – uma óbvia cópia daquela seqüência de um dos primeiros filmes de James Bond, em que Sean Connery é ameaçado por um raio laser que vai se aproximando perigosamente dele – mais exatamente daquela arma que ele carrega entre as pernas.

Aí corta, e temos um sujeito entrevistando um extremamente jovem Woody Allen, em algo que finge ser um escritório do então jovem humorista que se iniciava no cinema. O sujeito vira-se para a câmara e diz o seguinte:

– “Senhoras e senhores, o que acabamos de assistir é um trecho de um filme produzido no Japão. Estou aqui conversando com Woody Allen, o autor deste filme. Woody, a palavra ‘autor’ é o melhor termo? Qual foi exatamente sua participação no filme?”

Aí aquele extremamente jovem Woody Allen (ele estava com 31 anos) diz:

– “Vou tentar explicar. Eles queriam que Hollywood fizesse um filme de espionagem definitivo. E queriam que eu supervisionasse o projeto. (E aqui ele faz umas piadas absolutamente sem graça sobre o fato de ele ser profundo entendedor do assunto assassinatos.) Então pegamos esse filme japonês, feito no Japão, com atores japoneses, e o compramos. É um filme belíssimo, há cores lindas, estupros, tem confusões e assassinatos. E eu tirei a trilha sonora. Juntei alguns atores e atrizes e colocamos nossa comédia por cima dos estupros e confusões deles. E o resultado é um filme em que pessoas estão matando umas às outras, sabe?, fazendo coisas típicas de James Bond, mas os diálogos são completamente diferentes.”

Ao que o entrevistador diz uma coisa sensata e verdadeira:

– “Que eu me lembre, isso nunca foi feito antes. Um filme em que os atores atuam em uma história e a fala é de outra.”

E o jovem Woody Allen diz a seguinte piada sem graça:

– “Já foi feito, sim, em … E o Vento Levou, mas poucas pessoas perceberam. São na verdade atores japoneses, com vozes americanas, com sotaque do Sul.”

O entrevistador pergunta se podemos ver o filme, e seguem-se então os créditos iniciais, no qual aparece “Woody Allen’s What’s up, Tiger Lily?”

E aí teremos a história incompreensível, absolutamente nonsense, de uma guerra de quadrilhas japonesas atrás da receita de salada de ovos, tudo dublado para o inglês com algumas piadas bastante cretinas.

Lá pela metade, surge de novo o entrevistador, e diz uma frase assim:

– “Woody, está sendo muito difícil acompanhar a trama. Você poderia nos dar uma explicação sobre a história?”

E Woody, firme: – “Não.”

E o filme nonsense continua.

         A história de como foi feito o filme é muito melhor que o filme

Ou seja: uma peça museológica rara, um filme sui generis, único, sem paralelo, que não se parece com nenhum outro filme já feito. Uma imensa bobagem.

Depois de ver a besteira, fui atrás de informações. E o fato é que a história do filme, a história sobre como e por que o filme foi feito é bem interessante – bem mais que a trama sem qualquer sentido do filme em si.

O iMDB e diversas outras fontes, como o Baseline e o Dicionário dos Cineastas de Rubens Ewald Filho, contam a história, que eu – mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa – não conhecia, ou da qual não me lembrava, o que no és el mismo, pero és igual.

A American International Pictures – uma empresa que já não existe mais – comprou em 1965 um filme japonês, Kagi no Kag, em inglês Key of Keys, dirigido por Senkichi Taniguchi, com um bando de atores desconhecidos no Ocidente – um thriller de espionagem de segunda categoria ao estilo das aventuras de James Bond. Depois de pagar pelo filme US$ 66 mil, no entanto, os dirigentes do estúdio perceberam que a trama era bastante confusa, incompreensível para as platéias americanas. O presidente do estúdio, um tal Henry G. Saperstein, teve então a idéia de transformar o thriller original incompreensível em uma comédia, mediante uma dublagem cômica. Para tocar o projeto, Saperstein chamou o jovem Woody Allen. Na época, Allen começava a ser conhecido no meio artístico de Nova York como bom autor de piadas para grandes comediantes e de textos para programas humorísticos para a TV. Tinha acabado de assinar o roteiro de uma comédia que fora um inesperado e grande sucesso, O Que é Que Há, Gatinha?/What’s New, Pussycat?, dirigida por Clive Donner, em 1965. Isso explica o título que deram ao novo filme – uma citação explícita do outro que havia sido grande sucesso.

E então Allen reuniu um grupo de amigos, e criou diálogos que ocupariam 60 minutos de filme. Em algum momento do processo, ele se desentendeu com o estúdio, que tocou o resto do trabalho sem o humorista: acrescentaram mais 19 minutos de diálogos, com um ator imitando a voz de Allen, e juntaram – já que tudo era incompreensível mesmo, tudo nonsense – trechos de um show do grupo The Lovin’ Spoonful.

E deu no que deu – e agora está disponível para os loucos que quiserem se aventurar nesta gigantesca asneira.

Uma curiosidade, nesta história curiosa: as duas atrizes japonesas que aparecem no filme, Akiko Wakabayashi e Mie Hama, sempre que possível tirando a roupa, com ou sem pretexto, iriam aparecer na aventura seguinte de James Bond, Com 007 Só Se Vive Duas Vezes/You Only Live Twice, de 1967.

Quanto a Woody Allen, iria estrear na direção três anos mais tarde, em 1969, com Um Assaltante Bem Trapalhão/Take the Money and Run.

O Que Há, Tigresa?/What’s up, Tiger Lilly?

De Woody Allen e Senkichi Taniguchi, EUA e Japão, 1966

Com Tatsuya Mihashi, Miya Hana, Eiko Wakabayashi, Tadao Nakamura, China Lee

Diálogos de Woody Allen, Julie Bennett, Frank Buxton, Louise Lasser,

Len Maxwell, Mickey Rose e Bryan Wilson

Produção original Toho, produção desta versão American International Pictures. DVD Lume.

Cor, 80 min.

*

4 Comentários para “O Que Há, Tigresa? / What’s up, Tiger Lily?”

  1. Não consegui achar a data que esse post foi publicada, pois gostaria de saber se esse site ainda tem postagens frequentes.

    Grata,

    Samantha Silva.

  2. Olá, Samantha!
    De fato, o site não indica a data em que cada post é publicado. Há apenas, no início do texto, a informação sobre o ano em que ele foi escrito.
    E, sim, o site permanece ativo; há post novo pelo menos dia sim, dia não.
    Obrigado pela mensagem.
    Um abraço.
    Sérgio

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