Anotação em 2010: A Vida no Paraíso – o filme sueco de 2004 que foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro – me pareceu um tanto estranho. E no adjetivo não vai qualquer julgamento de valor; o estranho aí significa apenas esquisito, incomum, inesperado.
Tento me explicar. O diretor Kay Pollack é um veterano em termos de idade – nasceu em 1938 –, mas ao mesmo tempo tem obra pequena, apenas cinco filmes, segundo o iMDB. Veterano-novato, fez um filme que ao mesmo tempo vai fundo, maduramente, em alguns de seus temas, e, quase juvenilmente, opta às vezes por um clima sentimentalóide.
Outro motivo de estranheza: ao contrário do que seria de se esperar – em parte por uma imbecil simplificação, uma estúpida estereotipação das quais é difícil a gente se livrar, mas também pelos tantos exemplos que vimos nos filmes de Bergman –, os personagens do filme não são aquela coisa nórdica, suecamente frios, travados, fechados. Muito ao contrário: berram, se esgoelam, são violentos, são absolutamente passionais – parecem mais o estereótipo que temos de italianos ou espanhóis que de nórdicos.
Latinamente passionais, nordicamente angustiados
Bem. Eles são absolutamente, latinamente passionais, sim – mas ao mesmo tempo são nordicamente angustiados, têm sérios, graves problemas metafísicos, profundas discussões e lutas com Deus.
Não sei se consegui me explicar. Até porque acho que passei o carro na frente dos bois.
Vamos lá, então. Sinopse básica, roubada do AllMovie: “Um internacionalmente renomado maestro sueco retorna a seu vilarejo da infância e concorda em ajudar o coral da igreja local a melhorar os seus talentos. Quanto mais o trabalho de Daniel traz para fora os talentos escondidos dos cantores, mais ele percebe o quanto ele estava perdendo por viver na grande cidade. Não demora muito para que ele faça novos amigos, e encontre um novo amor. Uma sincera história de inspiração e descoberta.”
Hum… É mais ou menos isso, mas não exatamente isso. Essa sinopse que transcrevi do AllMovie é uma simplificação extrema do que é o filme.
Numa visão bem rudimentar, o filme poderia ser visto assim: uma inspiradora história de descoberta dos valores mais básicos, mais importantes, mais fundamentais, por parte do protagonista, o maestro Daniel Daréus (Michael Nyqvist), o qual, ao mesmo tempo, extrai, das pessoas simples de seu pequeno vilarejo natal, talentos que de outra forma permaneceriam para sempre desconhecidos.
A questão é que o filme é nórdica, suecamente, muito mais complicado do que isso.
Um começo acelerado, urgente, premente
A abertura do filme é fascinantemente acelerada; tem uma urgência, uma premência, uma necessidade de dizer tudo ao mesmo tempo que parece de fato alguém que tem muito o que dizer e está à beira da morte. Nos cinco, oito primeiros minutos da ação, vemos que:
– quando garotinho, na sua aldeiazinha natal, Daniel, o protagonista, já então um exímio músico, era alvo de ataques brutais de alguns colegas de escola;
– hoje já famoso e respeitadíssimo, grande regente de orquestra importante que tem compromissos já firmados nas grandes salas de concerto da Europa para vários meses à frente, Daniel tem graves problemas de saúde. Rege tão apaixonada e furiosamente que sangra de maneira abundante pelo nariz; seu coração está para ter um ataque que pode ser fatal, e por isso os médicos o aconselham a parar tudo, a, como disse John Lennon, sair da carrossel, enquanto dava tempo;
– sua mãe havia decidido, quando ele era ainda garotinho, sair do vilarejo acanhado do interior onde ele apanhava dos colegas de classe, e mudar-se para outra cidade;
– quando, adolescente, estava para se submeter a um importante teste de seu talento, Daniel perdeu a mãe.
Tudo isso aparece em seqüências rápidas, furiosamente velozes, nos primeiros cinco, oito minutos do filme. Só depois disso é que veremos, então, aí já num ritmo completamente diferente, bem mais lento, Daniel voltando para sua cidade natal, onde a princípio pretende descansar, longe daquele insensato mundo da busca da fama, aquela roda viva em que a gente costuma perder a vida enquanto acha que a está ganhando.
O filme vai fundo na angústia, nas discussões filosóficas
A primeira pessoa que vai visitar Daniel para dar-lhe as boas vindas é o ministro religioso do lugar. Com o tempo, o maestro aclamado mundialmente vai então tornar-se o regente do coral da igreja.
A partir daí, o diretor sueco Pollak rouba um pouco do italiano Pasolini. Daniel – tipo boa pinta, estranho num pequeno vilarejo perdido no interior gelado da Suécia, e famosérrimo mundo afora, e por isso fascinante, atraente, charmoso – vira assim uma espécie do anjo torto do Teorema de Pasolini. Todas as mulheres se apaixonarão por ele.
E aí o sueco Pollak não trai o sueco Bergman: como o grande mestre, vai fundo na angústia, na análise filosófica e teológica das grandes questões. Um diálogo entre o ministro religioso e sua mulher a respeito de sexo, Deus, o diabo, o pecado, a religião, a Igreja, que acontece ali pelo meio do filme é uma das coisas mais impressionantes que já vi em muitos e muitos anos.
Os ensaios do coral não são propriamente ensaios de um coral – são terapia em grupo, e de um grupo especialmente cheio de problemas, dos quais o fato de uma mulher ser espancada pelo marido é apenas um entre tantos. A sensação que se tem é de que Freud, Jung, todos eles deveriam ter começado examinando os suecos.
Só depois de meses vem o primeiro beijo
Lá em cima, falei da estranheza do filme. Tem mais uma. Minha geração sempre foi levada a acreditar que a Suécia era precursora e campeã mundial no quesito trepar. Quando, muito antigamente, começou-se a usar a expressão “amor livre”, parecia que essa coisa tinha começado na Suécia. Nos terrivelmente caretas anos 50 e início dos 60, em que a questão “virgindade” era de extrema importância, a sensação que a gente – adolescentes em Belo Horizonte – tinha era de que a Suécia estava à frente de tudo; na Suécia, a gente achava, as meninas davam desde muito cedo, numa boa, sem problema algum. Lá pelos 14 ou 15 anos li um livro de um autor sueco de cujo nome não me lembro chamado Ela Dançou um Só Verão, que falava de jovens, adolescentes, e contava a história de uma garotinha de 16 anos de cidade do interior que tem o primeiro amor, a primeira trepada – e fiquei fascinado com a naturalidade com que tudo era falado.
Talvez seja em grande parte uma questão de estereótipos – mas o filme de 2004 sobre costumes da Suécia hoje mostra uma realidade bem diferente. A relação afetiva entre o maestro Daniel e Lena (Frida Hallgren, ótima atriz, como todos do elenco) é complicada; o primeiro beijo só vem depois de meses e meses e meses.
Não acho que este seja um grande filme, mas é muito interessante, fascinante mesmo. As pessoas que gostam de cinema deveriam vê-lo.
A Vida no Paraíso/Så som i himmelen
De Kay Pollak, Suécia, 2004
Com Michael Nyqvist (Daniel Daréus), Frida Hallgren (Lena), Helen Sjöholm (Gabriella), Lennart Jähkel (Arne), Ingela Olsson (Inger), Niklas Falk (Stig), Per Morberg (Conny), Ylva Lööf (Siv), André Sjöberg (Tore), Mikael Rahm (Holmfrid)
Argumento e roteiro Kay Pollak, Anders Nyberg, Ola Olsson, Carin Pollak e Margaretha Pollak
Música Stefan Nilsson
Fotografia Harald Gunnar Paalgard
Produção Filmpool Nord, GF Studios, K. Pollak Film
Cor, 132 min
**1/2
Título em inglês: As It Is In Heaven
Estou encantada,deslumbrada e feliz,à meses que tento descobrir algo dessa pessoa, livros que fossem em português ,mas acho que é só sueco .recebo alguns parágrafos e me deleito lendo e relendo e me encontro extasiada nesses momentos gostaria de ver filmes do kay Pallak ,mas acho que não tem no Brasil.Os parágrafos me vem da Suécia.mt obrigada..Um grande abraço
Prezado,
Assisti esse filme há anos, realmente é adorável.
abs,
NIlson Soares
Acho que o senhor exagera com o uso de termos como “sentimentalóide” ou “uma imbecil simplificação, uma estúpida estereotipação”…
Pelo pouco que ouvi, conheço e percebo de arte, parece que tais termos não devam existir, pois se assim fosse, “King Kong”, “Luzes da ribalta”, “Wings”, “E o vento levou”, assim como a maioria de todos os filmes concebidos até hoje seriam execrados pela crítica, pois tais ingredientes abundam em seus enredos e argumentos.
POr isso aprendi a levar em conta a opinião de quem fez melhor e no Brasil temos poucos críticos reconhecidos internacionalmente, motivo pelo qual vemos que as críticas, às vezes, tentam apagar as luzes e escurecer as sombras.
O que vale num filme é a mensagem e a forma pela qual vai ser mostrada é apenas detalhe que impressiona o indivíduo de acordo com seu grau de maturidade e inteligência, assim um imbecil prefere o King Kong versão anos 2000 do que o original.
Nem tudo é forma e o que vale é o conteúdo.
Amei esse filme! No final cada um em seu Tom , isto é em harmonia ser que cada um é. Fantastic ! Abraços .
Não é mesmo, de fato, um grande filme mas é sim, um filme muito, muito bom.
Ali, todas aquelas pessôas eram carentes de alguma coisa: carinho, compaixão, apoio, e de muita alegria de viver.
Concordo que em alguns momentos o filme cai para o clima “vamos fazer chorar”.
Como é importante o valor da arte em nossa vida. Perante a arte o homem se cala.
Existem caminhos para que o homem, prêso a vida material,se liberte e,a arte é um deles.
Pessôas bem diferentes umas das outras: Uma velhinha pouco surda,o empolgado empresário do coral,uma mulher severa (arcaica)demais,um
rapaz com problemas mentais, uma mulher de bom coração e outra que tem dois filhos e apanha demais do marido, a esposa do pastor e o pastor, canalha.
O diálogo da Inger com seu marido, pastor canalha, foi de fato, um dos pontos altos do filme. Querendo ser moralista com a mulher e tinha as suas “Playboys” da vida, escondidas em uma gaveta.
Fiquei engasgado com uma coisa: havia motivo para o que aconteceu com o maestro ??
Mas, no final como diz a Tatiana e, como de fato aconteceu, cada um encontrou seu “tom”.
Como dizes,um filme sim,que merece ser visto.
Um abraço !!
Voltei para deixar mais claro o que eu quiz dizer quando perguntei se havia motivo para o que aconteceu com o maestro. Lembrei que ainda na primeira metade do filme ele teve uma conversa com a Lena dizendo que quando regia um concerto, houve queda na energia e os membros da orquestra não podiam ver a música nem a ele e, durante 58 segundos … o resto já se sabe. Foi o que aconteceu com o coral quando cantou sem a presença dele.
Como ele havia dito prá Lena: concentração, união.
Para não fazer spoiler, achei que não era preciso acontecer o que houve para que o coral se apresentasse sem a presença dele.
Mil outras coisas poderíam ter acontecido.
Acho que agora ficou mais claro.
Obrigado e, outro abraço.
Não encontro em lugar nenhum este filme. Um absurdo. Vejo artigos mas o filme parece que não existe mais.
Onde posso encontrar esse filme?
Cara Lucia,
O que posso dizer é que vi o filme em DVD, em junho de 2010. Não saberia dizer se o DVD continua em catálogo e pode ser encomendado a uma loja ou livraria. Também não tenho conhecimento se ele está disponível em algum serviço de streaming.
Peço desculpas por não poder ajudar.
Sérgio