2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Como todos os filmes do alemão Tom Tykwer, este aqui é extremamente bem feito, em todos os aspectos técnicos. É um thriller, um filme de ação para nenhum fã de filme de ação botar defeito. Tem uma trama intrincadíssima, e uma conclusão arrasadora – a de que a humanidade não tem jeito mesmo.
A ação se passa em cidades dos mais diversos países – passamos por Berlim, Nova York, Lyon, Luxemburgo, Milão, Istambul. Os protagonistas são o inglês Louis Salinger (Clive Owen), um ex-policial da Scotland Yard, trabalhando agora na Interpol, e a americana Eleanor Whitman (Naomi Watts), uma procuradora de Nova York. Os dois estão investigando as ações de um banco com sede em Luxemburgo, o IBCC, que comete todos os tipos de crimes fiscais – lavagem de dinheiro é o menor deles – e está numa negociação bilionária para a compra de um sistema de mísseis de uma grande corporação italiana, pertencente a um magnata, Umberto Calvini (Luca Barbareschi).
O banco, o IBBC, de propriedade de um dinamarquês, Jonas Skarssen (Ulrich Thomsen), manda matar qualquer um que atrapalhe seus planos – e compra quem estiver disponível para ajudar, sejam policiais ou o que for. E tem um consultor, um alemão, Wilhelm Wexler (o grande Armin Mueller-Strauss, um dos maiores atores europeus em atuação), que lhe fornece informações sobre o mercado de armas, as ações da Interpol e da Justiça. Só bem no final saberemos a história, o passado desse personagem que parece a personificação do mal, no meio dessa trama repleta de personificações do mal.
Produção cara, estrutura mais convencional
Tom Tykwer surpreendeu os críticos e o público do mundo inteiro com seu Corra, Lola, Corra, de 1998, um filme inteligente, surpreendente, ágil, com um roteiro que demonstrava imenso talento e um trabalho de câmara fascinante. Em A Princesa e o Guerreiro, de 2000, de novo com sua então mulher, Franka Potente, ótima atriz, ele radicalizou no requinte visual e nos rebuscamentos do roteiro, fez diabruras com a câmara – usou todos os fogos de artifício à sua disposição.
Em 2006, o diretor faria um filme bem mais convencional, mais comercial, Perfume – A História de um Assassino, produção internacional cara, baseada no best-seller de Patrick Süskind, e na época achei que, embora bem feitíssimo, com visual extraordinário, Perfume não passou de mais um filme sobre serial killer.
Trama Internacional é o filme seguinte a Perfume. E, de uma certa maneira, segue os passos do anterior. É também uma produção caríssima, bancada por dinheiro alemão, inglês e americano. E tem uma estrutura mais convencional que seus primeiros filmes. Não há invencionices na narrativa, não há muitas piruetas de câmara – embora, logo na primeira seqüência, numa praça de Berlim, diante do prédio moderníssimo da Estação Central, ele entorte a câmara para dar um close-up do primeiro das muitas vítimas fatais do banco IBBC. E aí o tal negócio: quem sabe, sabe. Diretores iniciantes costumam entortar a câmara para chamar a atenção dos críticos, para dizer olhem aí, eu não sou quadradão, acadêmico – e em geral tudo o que fazem é aborrecer o coitado do espectador. Já a entortada de câmara nessa seqüência, além de bela, plasticamente, tem sentido dentro da narrativa. E, como Tykwer não abusa do efeito, quando usa, usa bem.
Haverá ainda uma ou outra pirotecnia, como a belíssima tomada do alto de um prédio gigantesco em Milão, um contreplongée belíssimo da praça lá embaixo, com centenas de pessoas correndo, pequenas formiguinhas insignificantes.
Mas são poucas as pirotecnias, repito, e a narrativa é bem mais convencional do que a de A Princesa e o Guerreiro. Também, seria demais enfeitar a narrativa, porque a trama, em si, já é enlouquecedoramente intrincada.
Quando já avançamos para o final do filme, há uma seqüência de tiroteio dentro do museu Guggenheim de Nova York que é para os fãs de filmes de ação aplaudirem de pé como na ópera. É uma daquelas seqüências que parecem feitas para entrar nas antologias – é de fato um brilho.
E, nas seqüências finais, a partir do momento em que o espectador fica sabendo do passado do alemão Wilhelm Wexler, num longo diálogo entre ele e o agente da Interpol Louis Salinger, em que os dois filosofam sobre o estado das coisas, ideologias, o sentido de tudo, o roteirista Eric Singer e o diretor Tom Tykwer apresentam sua moral da história – e é uma moral apavorante. Faz lembrar a do extraordinário O Senhor das Armas/Lord of War, de Andrew Niccol, de 2005, com Nicolas Cage. O que ele quer dizer é isto: não tem jeito, não tem saída: o mundo é dominado por uma cadeia de ligações, uma conspiração universal entre os grandes bancos e a indústria armamentista, de tal forma que as pessoas, as instituições, as polícias, a Justiça, até os governos são meros joguetes desses magnatas do mal.
Tom Tykwer pode ter abandonado, ou ao menos diminuído, suas invenções formais, mas não se tornou um diretor convencional. Seu filme é uma das coisas mais pessimistas, mais niilistas que o cinema já fez. Cruz credo.
Na proveta do cinemão, refizeram partes do filme
Depois de fazer a anotação acima, vi no iMDB informações interessantes. Lá se diz que a história do filme foi inspirada por um escândalo financeiro ocorrido nos anos 80 e 90, envolvendo o BCCI, Bank of Credit & Commerce International. Não me lembro dessa história real.
Diz também o iMDB que, mostrado em sessões especiais, o filme foi muito mal recebido, e os produtores decidiram que era preciso filmar novas seqüências, para acrescentar mais ação. Essa é uma prática muito comum: os grandes estúdios promovem sessões para convidados – pessoas comuns, espectadores normais – e pedem suas opiniões; se for necessário, mudam coisas, tentam ajustar a obra ao gosto do público. Assim, o filme, que tinha sua estréia programada para agosto de 2008, acabou sendo lançado nos Estados Unidos, o maior mercado consumidor do mundo, em fevereiro de 2009 – no meio da pior crise financeira mundial desde 1929.
Aproveitei para dar uma olhada no que o AllMovie diz sobre o filme. A crítica é bem arrasadora. Sua autora, Cammila Albertson, elenca os temas tratados – “praticamente tudo que existe no manual dos thrillers sobre conspiração, incluindo lavagem de dinheiro, antigos oficiais leais ao regime comunista, assassinos de aluguel que usam pernas protéticas, a Máfia italiana, os que lucram com as guerras do Oriente Médio, assassinato político no meio de um comício”. E sentencia: “Juntar tudo isso (e mais, muito mais) numa história coerente seria provavelmente uma tarefa difícil, e embora seja possível que The International faça sentido no papel – com todas as suas lacunas e furos na trama preenchidos –, isso não significa que seja agradável num filme. Há uma quantidade tão imensa de personagens, lugares, lealdades e interesses em jogo que a narrativa continuamente perde coesão e os espectadores inevitavelmente perdem o interesse.”
A moça foi bem mais virulenta na sua avaliação do que eu, mas é preciso admitir que ela tem uma certa razão no que diz.
Acho, no entanto, que o belo visual do filme e a competência técnica do diretor Twyker merecem respeito.
Trama Internacional/The International
De Tom Tykwer, EUA-Alemanha-Inglaterra, 2009
Com Clive Owen, Naomi Watts, Armin Mueller-Stahl, Ulrich Thomsen, Luca Barbareschi
Argumento e roteiro Eric Singer
Fotografia Frank Griebe
Música Tom Tykwer, Reinhold Heil, Johnny Klimek
Produção Columbia, Relativity, Atlas. Estreou no Brasil 19/6/2009
Cor, 118 min
**1/2
Título em Portugal: The International – A Organização
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