3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Bom plot, bem feito – mas violento para caralho. A definição é de Mary, em resposta à pergunta que fiz meio para ela, mais para mim mesmo: o que vou escrever sobre este filme?
É exatamente isso, a definição é perfeita. Em seu segundo filme consecutivo com o ator Viggo Mortensen como protagonista, depois de Marcas da Violência/A History of Violence, o canadense David Cronenberg – que cultiva fama de extravagante, louco, ousado, diferente do padrão – entra no submundo aterrador da máfia russa em Londres. Os negócios dos mafiosos envolvem tráfico de escravas brancas, prostituição e muitos, muitos assassinatos.
Já na primeira seqüência do filme, corta-se o pescoço de um sujeito com uma navalha e o sangue jorra em profusão, como um gêiser, como um poço de petróleo recém perfurado. Bem mais tarde, teremos outro pescoço cortado da mesma maneira. A câmara de Cronenberg parece se deliciar com os detalhes mais sangrentos possíveis, como uma seqüência em que um cadáver tem seus dedos cortados fora para dificultar a identificação.
Lá pelas tantas, haverá uma longa, longa, longa seqüência de uma luta de facas dentro de uma sauna, em que o personagem interpretado por Mortensen, inteiramente nu, enfrenta dois mafiosos – e dá-lhe facada aqui, facada acolá, facada no olho.
Logo depois daquela primeira seqüência em que um sujeito é degolado, uma bela adolescente entra numa farmácia pedindo ajuda; a câmara se abaixa até seus pés e vemos uma poça de sangue se formando ali.
Essa adolescente é levada para um hospital, onde os médicos conseguem salvar o bebê que ela carrega, mas ela morre. Entre os médicos que cuidam do caso está Anna (Naomi Watts); Anna recebe uma caderneta com o diário da garota morta – uma russa, Tatiana, de 14 anos de idade –, e o leva para casa. Por coincidência, Anna é filha de um russo, já morto, com uma inglesa, Helen (Sinéad Cusack); Anna não lê russo, mas seu tio Stepan (Jerzy Skolimovsky) lê. Anna quer descobrir informações sobre a garota, talvez o endereço dos pais ou de parentes dela, para que adotem o bebê. Com o tempo, Anna vai se afeiçoar muito pela criança.
O diário da adolescente morta vai levar Anna ao restaurante de Semyon (Armin Mueller-Stahl); o restaurante é a fachada respeitável para os negócios de Semyon na máfia russa. O filho dele, Kirill (Vincent Cassel), e seu motorista, Nikolai (o papel de Viggo Mortensen), estavam envolvidos no assassinato que abre o filme.
A partir daí, segue-se uma trama complexa, muito bem estruturada, envolvendo Anna e esses russos criminosos. Num belo diálogo, Nikolai dirá a ela: “Fique longe de mim; vá para junto das pessoas boas, que é o seu lugar”.
É interessante como esse diretor canadense, filmando em Londres com dinheiro do Canadá e da Inglaterra, juntou no seu elenco gente de diversas nacionalidades. Naomi Watts, tão bela quanto competente, é inglesa de nascimento mas foi criada na Austrália. Viggo Mortensen, astro da trilogia Senhor dos Anéis, do neo-zelandês Peter Jackson, é americano de Nova York. Vincent Cassel é francês, e Armin Mueller-Stahl, alemão.
E o elenco tem ainda a presença inusitada do polonês Jerzy Skolimovsky como o tio de Anna; ele é um dos diretores mais importantes de seu país, em atuação desde 1964; foi colaborador de Andrzej Wajda e de Polanski (ainda na sua fase polonesa inicial), estudou na mesma Escola de Cinema de Lodz dos dois cineastas citados e ainda de Krzysztof Kieslowski. Seu anti-stalinismo o fez trocar a Polônia pelo Ocidente, onde fez diversos filmes cultuados – Ato Final, Estranho Poder de Matar, Ataque em Alto Mar.
Se Cronenberg não fosse tão doentiamente fascinado pela violência explícita, este aqui seria um grande filme.
Aliás, David Gilmour (o crítico canadense; nada a ver com o David Gilmour do Pink Floyd) tem uma definição que me parece boa sobre seu conterrâneo Cronenberg, no livro O Clube do Filme: “um cara talentoso com uma mente suja”.
Senhores do Crime/Easterns Promises
De David Cronenberg, Inglaterra-Canadá, 2007
Com Viggo Mortensen, Naomi Watts, Vincent Cassel, Armin Mueller-Stahl, Sinéad Cusak, Jerzy Skolimovsky
Argumento e roteiro Steven Knight
Música Howard Shore
Produção Serendipity Point, Focus Features, BBC Films. Estreou em SP 22/2/2008.
Cor, 100 min
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