0.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Este filme é de George Stevens, um dos grandes diretores da época de ouro de Hollywood, o período entre os anos 30 e os 60; tem ótimos nomes no elenco – Ginger Rogers, James Stewart, Charles Coburn, Beulah Bondi, Jack Carson. E é, com toda certeza, um dos filmes mais idiotas que já foram feitos.
E, além de ser absolutamente idiota, tem também duas demonstrações de racismo – algo em tudo por tudo execrável.
É assim: Peter Morgan Jr. (James Stewart) entra num night club de Nova York com a missão de retirar dali e botar dentro de um trem de volta para Old Sharon um primo seu, Keith (James Ellison). Peter é um professor na Universidade de Old Sharon, onde seu pai é o reitor. Keith informa Peter que está apaixonado por uma mulher maravilhosa que dali a pouco vai se sentar à mesa com eles. Peter insiste: eles têm que sair dali e pegar o trem.
Nisso, Keith dá uma saidinha da mesa, e entra em cena a atração maior do night club, a cantora e dançarina Francey (Ginger Rogers). Niqui que ela começou a cantar, pláft – o professor Peter já se apaixonou. Ao final da canção, You’ll be reminded of me, ela se senta à mesa de Keith, onde está apenas o professor Peter. Os dois decidem sair dali para jantar; passeiam por Nova York, apaixonam-se louca, perdidamente, casam-se de manhã.
E de tardinha pegam o trem para Old Sharon – o jovem casal e mais Keith, o primo que era noivo da moça até dois dias antes. Chegam a Old Sharon, e Peter não tem coragem de dizer para papai (Charles Coburn) que se casou!
Mereceria uma linha inteira, um parágrafo inteiro de pontos de exclamação.
Vamos lá de novo: o professor Peter chega com a mulher, a esposa, a cônjuge, à sua cidade, e não tem coragem de dizer para papai que se casou!!!!!!!!!!!!!
Estamos com uns 15 minutos de filme. O professor Peter vai passar mais uma hora inteira de ação sem ter coragem de dizer para papai que se casou!!!!!!!!! E Francey, cantora e dançarina de night club de Nova York, vai se sujeitar a toda essa situação!!!!!!!!
Ora, faça-me o favor!
James Stewart estava com 30 anos de idade quando fez o filme, que é de 1938. Ginger Rogers estava com 27. Tá certo que James Stewart parece até um pouco mais novo que Ginger Roger, mas aqueles são personagens de mais de 25 anos, de pelo menos 25 anos, mesmo que a gente dê todos os descontos possíveis. Um marmanjo de mais de 25 anos, formado, professor, não ter coragem de contar pra papai que se casou? Uma marmanja, cantora e dançarina da noite da maior cidade do país, agüentar aquela situação ridícula, grotesca, absurda, idiota?
Ora, faça-me o favor!
Senhores com mais de 40 anos em papel de adolescente
A idiotice absoluta dessa situação que é a base da trama deste filme me fez lembrar uma observação que li há tanto tempo que não me lembro mais em que livro foi. Era a observação de um crítico de rock, americano ou inglês, não me lembro mais, sobre o fato de Simon & Garfunkel, naquela histórica reunião para o concerto no Central Park, em 1982, depois de 12 anos da separação, terem cantado Wake Up, Little Susie.
Wake Up, Little Susie, feita nos anos 50, no início do rock, é uma canção para adolescentes; o namoradinho e Little Susie estão conversando (vejam só: não estão trepando, não; estão conversando), e aí pegam no sono. Aí o namoradinho, que é o narrador da história, acorda, vê a hora, xi, passou da hora de Susie chegar em casa!, e aí fala com ela: Acorda, Susinha – o que nós vamos dizer pro seu pai? O que nós vamos dizer pra sua mãe?
E então o tal crítico questionava: qual é o sentido de estarem ali, diante daquela multidão de meio milhão de pessoas, dois senhores passados dos 40 anos de idade, maduros, com uma grande história, todo um longo passado nas costas, cantando Acorda, Susinha, passou da hora e seu papai vai te dar uma bronca?
Não concordei com o que o cara dizia. Ora, cazzo, rock é coisa adolescente, mesmo. Ou, no mínimo, coisa em que cabe adolescência, memórias da adolescência. Os dois quarentões maduros estavam ali se lembrando de sua adolescência, e fazendo meio milhão de pessoas se lembrar da sua adolescência – qual é o problema? Então a gente não pode, numa festinha, cantar uma bobagem qualquer da Jovem Guarda?
Mas o James Stewart de 30 anos de idade fazendo o papel de um professor que não tem coragem de contar pra papai que se casou? Ginger Rogers fazendo o papel de uma dançarina e cantora de Nova York que, em vez de mandar o marido idiota pra puta que pariu, freqüenta sua aula de botânica?
Ah, não – aí não dá. É idiotice demais da conta.
Posso estar implicando. Mas racismo não, né?
Bem, é a minha opinião, foi o que senti ao ver o filme. Fiquei com vergonha por estar vendo aquela idiotice. Fiquei com vergonha pelo grande George Stevens, por James Stewart, por Ginger Rogers. Mas tudo bem, é só minha opinião. Claro que neguinho pode ver isso, não achar nada demais, nada mais bobo que qualquer outro filme, ir em frente e se divertir. Tem um sujeito que escreveu no iMDB que o filme é uma alegria do começo ao fim, e depois diz assim: “A única parte ‘exasperante’ é a covardia do personagem de Stewart em contar para seus pais que ele se casou, mas, sem ela, não haveria filme”. Ele colocou a palavra exasperante entre aspas, não sei por quê.
Tá bom, então beleza. Mas racismo, aí também não, né?
Antes de entrar no tema racismo, preciso explicar que não sou defensor do politicamente correto – muito ao contrário. O excesso do politicamente correto é chato, enfadonho; a vida com excesso do politicamente correto não tem piada, não tem graça.
Agora, racismo não dá para agüentar.
Aparecem dois negros neste filme. Uma é a empregada de um clube onde há uma festa; ela aparece em uma seqüência curta, e é mostrada como burra. O outro é um camareiro de um trem; ele aparece em uma seqüência bem longa, e é mostrado como um débil mental.
Aí é foda. Aí extrapolam-se todos os limites possíveis. Mesmo quando – como é o caso aqui – é num filme que, no fundo, no fundo, apesar da trama imbecil, critica o machismo e defende as mulheres, a igualdade de direitos entre homens e mulheres, décadas antes da revolução feminista.
Só eu achei uma droga – todo mundo gostou
Ainda bem que George Stevens melhorou na vida. Dezoito anos depois desta boçalidade aqui ele faria Assim Caminha a Humanidade/Giant, aquela beleza de filme contra todo tipo de racismo.
Vamos a outras opiniões. Gosto sempre de ver outras opiniões, em especial sobre filmes que me deixam possesso de raiva. E vejo que estou sozinho nessa. Não achei, nos alfarrábios, nenhuma indignação – todo mundo achou o filme muito divertido.
Lady Pauline Kael não viu nada de horroroso no filme: “O filme é sobre a colisão de cultura. Quando os recém casados chegam à cidade universitária – Old Sharon –, discutem a questão de dar a notícia aos pais dele, e Ginger acha a solução perfeita. ‘Você vai lá dizer a eles como eu sou maravilhosa’, ela diz, ‘e eu apareço mais tarde.’ George Stevens dirigiu num estilo relaxado que deriva de seu trabalho anterior com Laurel e Hardy, e ele treinou Ginger Rogers para fazer algumas das rotinas de Stan Laurel.”
Leonard Maltin dá 3 estrelas em 4: “Longa mais divertida comédia sobre professor Stewart se casando com cantora de night club Rogers, tentando dar a notícia à sua família conservadora e à noiva na cidade natal. Bondi está engraçada em uma variação gostosa do seu tradicional papel de mãe.”
Informaçãozinha à parte: este foi um dos cinco filmes em que Beulah Bondi fez papel de mãe de James Stewart.
Pequeno comentário sobre o comentário de Maltin: concordo plenamente com o adjetivo “longa” que ele usa para o filme. De fato, 90 minutos dessa asneira são demais.
Que Papai Não Saiba/Vivacious Lady
De George Stevens, EUA, 1938
Com Ginger Rogers, James Stewart, Charles Coburn, Beulah Bondi, James Ellison, Frances Mercer, Jack Carson
Roteiro P.J.Wolfson e Ernest Pagano
Baseado em história de I.A.R. Wylie
Produção Pandro S. Berman, RKO Radio Pictures
P&B, 90 min.
Bola preta.
Título na França: Marriage incognito. Título na Itália: Una Donna Vivace
Adoro essa comédia.
Como toda comédia os acontecimentos são irreais.
Situando o filme na época em que é retratado a gente até entende as ações da Personagem da Ginger .
Cumpre seu papel de fazer rir e só.
Nossa, deu pra notar que vc estava mesmo disposto a fazer o leitor odiar o filme a todo custo! rs Tive até que rever as cenas do suposto racismo pra ver se tinha passado batido, e realmente não vi nada de racismo ali. Na cena do trem o funcionário conduz o JS até a cabine do primo e depois acaba amparando o primo do Stewart que estava embriagado e só. Na cena da Hattie ela faz uma cara de espanto por causa de um comentário feito pela Ginger e só.
E quanto as situações “inverossímeis” que acontecem no filme, eram extremamente comuns no gênero Screwball. E como bem disse a Sibely acima, o filme cumpre muito bem o seu papel de entreter e fazer rir.
Olá, Sam.
Obrigado por enviar o comentário. Acho muito bom quando me contestam. Não sou dono da verdade, de forma alguma – tudo o que escrevo é apenas minha opinião, que vale tanto quanto opinião de qualquer outra pessoa.
Um abraço.
Sérgio