Não Por Acaso


2.5 out of 5.0 stars

Anotação em 2009: O diretor Philippe Barcinski não foi nada tímido, nada modesto, ao fazer seu primeiro longa-metragem. Não Por Acaso é um filme difícil de se produzir: tem vários e diferentes cenários em interiores, muitíssimas seqüências externas complexas, envolvendo milhares de carros, grande número de extras. Pois ele conseguiu fazer um filme tecnicamente irrepreensível.

A fotografia (de Pedro Farkas, um talento sobejamente comprovado) é simplesmente extraordinária. É um escândalo de beleza. A São Paulo que ele mostra – esse conjunto desconjuntado e infinito de prédios e mais prédios, ruas, avenidas, viadutos, conjuntos de viadutos, centenas de milhares de carros – é tão fascinante quanto apavorante. Ele usa diversas vezes o belíssimo recurso de unir na montagem cenários que passam da noite para o dia, do dia para a noite – são seqüências de uma beleza acachapante.

É um absoluto requinte o que Barcinski e Farkas criaram no jogo de sinuca, a bola branca indo parar no lugar exato onde está seu fantasma, a imagem transparente de onde ela irá parar ao fim da jogada. É de babar. Lembrei da mágica que Martin Scorsese conseguiu criar nas mesas de sinuca em A Cor do Dinheiro/The Color of Money, de 1986. O diretor brasileiro estreante e o experiente diretor de fotografia não ficaram atrás do mestre nova-iorquino.

Essa mesma, digamos assim, figura de linguagem da imagem transparente, de fantasma, usada na mesa de sinuca, será repetida, lá pela metade do filme, na seqüência em que Teresa (a personagem interpretada por Branca Messina) está saindo de casa e atravessando uma rua. É um efeito visual esplêndido, muitíssimo bem usado.

Com toda essa competência, todo esse talento na parte técnica, no entanto, o filme – na minha opinião pessoal, é claro – não chega a envolver, a pegar, a tocar. A culpa disso, acho, é da própria história, a trama, o que se tem para contar. (Argumento e roteiro são do próprio diretor e mais Fabiana Werneck Barcinski e Eugenio Puppo.)

Temos dois personagens centrais, Ênio (Leonardo Medeiros), um técnico que trabalha no centro de controle do trânsito da maior metrópole brasileira, uma das maiores do mundo, e Pedro (Rodrigo Santoro), um marceneiro especializado em criar mesas de sinuca. Suas histórias envolverão pesadas perdas. Elas vão sendo contadas paralelamente – e, como duas paralelas, jamais se encontram.

Ênio é um sujeito solitário; sua vida é o trabalho, diante de diversas telas de computador que mostram o trânsito da cidade. Tem uma filha adolescente com quem jamais teve qualquer contato, não se explica por quê; a filha, Bia (Rita Batata), vai finalmente aparecer na vida toda certinha dele, e dar uma chacoalhada naquela mansidão entediante.

Pedro é um sujeito igualmente metódico, que mantém sua vida sob um controle rígido. Em vez de ir morar com a namorada Teresa no  apartamento de 300 metros quadrados que ela aluga, faz com que ela se mude para seu quarto e sala junto da oficina em que trabalha e do salão em que expõe suas mesas de sinuca. Como acontece com Ênio, Pedro terá sua vida mudada por um acontecimento que está fora de seu controle.

Rodrigo Santoro é um bom ator, isso não é novidade. Está bem, está correto. Rita Batata, a garotinha que faz Bia, está ótima, solta, à vontade. E Branca Messina, que faz Teresa, a namorada de Pedro, é uma bela surpresa. Mas a maior surpresa no elenco para mim foi Leonardo Medeiros, um ótimo, ótimo ator.

O personagem de Letícia Sabatella – e, meu Deus do céu e também da terra, como está linda Letícia Sabatella -, Lúcia, uma trader, negociante de commodities no mercado futuro, me pareceu falso como uma nota de três. É absolutamente artificial, não tem carne nem osso; o encontro dela com Pedro é dessas coisas mais absurdamente improváveis. 

Ao fim e ao cabo, o filme, que é visualmente bonito como a atriz que faz a personagem improvável, me pareceu um tanto como as vidas de Ênio e Pedro: como elas, ele é frio, distante, suavemente desinteressante. 

Philippe Barcinski, formado na Escola de Comunicações e Artes da USP, fez curtas elogiadíssimos (Palíndromo, Janela Aberta), e dirigiu episódios de séries para a TV, entre eles Cidade dos Homens, da Rede Globo. Nos extras do DVD, recebe os maiores elogios de Fernando Meirelles, um dos produtores deste Não Por Acaso e um dos incentivadores do diretor. É um desses nomes que a gente deve acompanhar; tem talento de sobra e, com certeza, nos dará belos filmes.

Não por acaso

Não Por Acaso

De Philippe Barcinski, Brasil, 2007

Com Leonardo Medeiros, Rodrigo Santoro, Letícia Sabatella (foto acima), Branca Messina, Rita Batata, Cássia Kiss, Graziela Moretto

Argumento e roteiro Fabiana Werneck Barcinski, Philippe Barcinski e Eugenio Puppo

Fotografia Pedro Farkas

Música Ed Cortés

Produção 02 Filmes, 20th Century Fox, Globo Filmes. Estreou em SP 7/6/2007

Cor, 90 min

**1/2

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