2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Eis aqui um bom western feito num tempo em que se fazem cada vez menos westerns. Tem algumas cenas de extrema violência e poucos diálogos; nos poucos diálogos, no entanto, há muitas considerações filosóficas.
Este filme tem duas características fortes, acho. A primeira é a trilha sonora – do inglês Harry Gregson-Williams -, presente a maior parte do tempo do filme, e bem marcante, que parece mais apropriada a um thriller, a um filme de suspense, que a um western.
E isso não é à toa, de forma alguma. Porque (e esta foi a que me pareceu a segunda característica marcante deste À Procura de Vingança), o filme do diretor e co-roteirista David Von Ancken tem um tom de suspense: na maior parte dos 115 minutos de duração, o espectador não sabe por que motivo está acontecendo tudo aquilo que ele está vendo na tela.
O que o espectador está vendo na tela é uma perseguição, uma caçada humana. Logo na abertura, depois que um letreiro informa que estamos em 1868, na montanha Rubin (sabe-se lá onde isso fica, mas seguramente é bem no Norte dos Estados Unidos, algo tipo Montana, porque a paisagem é de um inverno extremamente rigoroso), o personagem interpretado por Liam Neeson atira, bem de longe, no interpretado por Pierce Brosnan. Saberemos bem depois que o homem que recebeu o tiro se chama Gideon; o que atirou se chama Carver.
Um parênteses: interessante um western americano estrelado por um irlandês do Ulster (Neeson) e um irlandês da República da Irlanda (Brosnan).
Outro parênteses: quando, bem na abertura, apareceu a data da ação, 1868, comentei com Mary que era mais ou menos a época da Guerra Civil americana – não sabia se pouco antes, pouco depois, ou durante. Quem for melhor em História e em datas do que eu saberá ao certo; nós só ficaríamos sabendo disso quase no final do filme. Porque, sim, esse detalhe tem importância na história, conforme o espectador só ficará sabendo a uns 15 minutos do fim.
Bem, vamos em frente. Gideon está absolutamente sozinho, naquelas montanhas geladas. Leva o tiro no braço esquerdo, e foge urrando de dor. Carver tem companhia: está junto com quatro homens, a quem paga bem pelo trabalho de ajudá-lo a caçar Gideon.
Ferido, urrando de dor, Gideon foge dos perseguidores, vai parar em um rio de águas geladíssimas, cheio de corredeiras e uma grande cachoeira. Sobrevive ao frio intenso, às corredeiras, à queda na cachoeira; consegue fazer fogo e cria uma fogueira com gravetos para aquecer-se; com um grande facão que usará ao longo de toda a ação que virá a seguir, extrai a bala do braço.
Temos então que Gideon – como tantos heróis de westerns – é um sujeito fodinha; não, não; melhor dizendo, ele é um fodão. E Carver também. Os dois não são pessoas normais, são quase super-homens; eles resistem a intempéries, dores, feridas, situações que simplesmente acabariam com qualquer pessoa normal – e sobrevivem sempre. Mas tudo bem – isso é da própria natureza do western, esse gênero que tem a idade do cinema.
O que o espectador não conseguirá perceber, ao longo de quase todo o filme, até quase no final, quando vem a revelação, é a causa, a motivação que leva Carver a caçar Gideon com tanto ardor, com uma obsessão cega. Da mesma maneira, será extremamente difícil para o espectador identificar quem é o bandido e quem é o mocinho na história, se o perseguidor, se o perseguido, se o caçador, se o caçado. Os dois são igualmente capazes de ações de extrema crueldade para sobreviver, para conseguir o que querem – no caso de Carver, pegar Gideon; no caso de Gideon, escapar de Carver.
É impressionante como o diretor David Von Ancken (não conheço nenhum outro filme dele) consegue manter o espectador atento a essa longa, louca perseguição, que dura praticamente o filme todo, sem saber por que tudo aquilo está acontecendo. Muitos outros diretores seguramente cairiam na tentação de ir mostrando em flashbacks ao menos pontadinhas do que aconteceu no passado para motivar tanta sede de vingança. Esse Von Ancken cede à tentação apenas duas vezes, e em seqüências rapidíssimas: uma vez, bem no começo, no momento em que Gideon desmaia de dor ao retirar a bala do braço; e depois, muito mais tarde, numa ação paralela que mostra tanto Gideon quanto Carver dormindo sonos revoltos, povoados de pesadelos do passado. Mas, repito, nessas duas ocasiões, o que o espectador vê é rápido demais, ainda não dá para ter idéia do que aconteceu. Ele só saberá os porquês de tudo bem no final.
Para encerrar, e voltando à afirmação anterior de que este – como tantos outros – é um western filosófico, que discute coisas sérias nos seus poucos diálogos, anoto que há, por exemplo, uma discussão sobre quanto vale uma vida. E transcrevo um belo, forte e triste diálogo, que acontece quando Carver, o perseguidor, se prepara para passar a noite com Hayes, um dos homens a quem paga pelo serviço de caçar Gideon. Os dois estão num acampamento de peregrinos religiosos, fanaticamente religiosos.
Hayes: – Não acha que deveríamos acampar em algum outro lugar?
Carver: – Com medo de que a palavra de Deus vá estragar sua digestão?
Hayes: – Nunca fui muito com as Escrituras.
Carver: – Nada a temer, Sr. Hayes. São só palavras. Não há Deus algum por aqui.
À Procura de Vingança/Seraphim Falls
De David Von Ancken, EUA, 2006.
Com Pierce Brosnan, Liam Neeson, Michael Wincott, Xander Berkeley, e, em participação especial, Anjelica Huston
Argumento e roteiro David Von Ancken e Abby Everett Jaques
Música Harry Gregson-Williams
Produção Icon. Lançado no Brasil 28/3/2008.
Cor, 115 min.
**1/2
2 Comentários para “À Procura da Vingança / Seraphim Falls”