4.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2008: Um filme excepcional, extraordinário, brilhante como diz o título brasileiro, sem falha como diz o título original. É um thriller excelente, entre os melhores de todos os tempos – mas transcende, e muito, ao gênero thriller; é um espetacular retrato do mundo, da sociedade, das coisas de que é capaz o comportamento humano.
A primeira seqüência, que vai se desenrolando durante a apresentação, os créditos iniciais, já é esplendorosa: nos poucos minutos da abertura, o diretor Michael Radford mostra o percurso percorrido por um diamante, do momento em que é encontrado, no meio da lama, até ser vendido, avaliado, lapidado e finalmente transformado em jóia. Quando a seqüência da apresentação está terminando, vemos um close de uma mão com o anel com o diamante segurando uma elegante taça de vinho que faz um brinde com outra taça.
É absolutamente espetacular.
Só que a primeira seqüência da ação em si consegue ser ainda melhor. É uma devastadora demonstração da prepotência sem fim de que é capaz a juventude – e também uma das maiores críticas do cinema à imensa presunção dos jornalistas. É tão absurdamente esplêndido que me dei ao trabalho de copiar os diálogos para transcrever aqui.
Tomadas rápidas da Londres de hoje, na imponente região da City, o distrito financeiro. Em algumas das tomadas aparece uma mocinha bem vestida, celular na mão. Corta, e estamos no interior de um bar-restaurante, onde está sentada a uma mesa uma senhora bem idosa. Não dá para reconhecer a atriz. Chega a mocinha bem vestida, sempre com o telefone na mão. Aproxima-se da mesa da senhora, cumprimenta-a, apresenta-se, é Cassie Jay, editora de Reportagens Especiais (Natalie Dormer), mas ainda fala ao celular, algo sobre a notícia ter chamada na primeira página. Finalmente desliga o telefone, dá um suspiro e diz:
– É preciso ter cuidado com o que se deseja. Ter tudo aos 25 anos é contra a natureza.
A senhora a observa, feições tranqüilas; não demonstra curiosidade, espanto.
A jovem jornalista coloca na mesa um gravador desligado e começa a falar. A jovem jornalista que se acha o máximo dos máximos adora o som da sua própria voz, especialmente quando sua voz está mostrando àquele ser desprezível que está à sua frente como ela é o máximo dos máximos. Ao longo do diálogo que se segue, a montagem vai alternando tomadas dos rostos das duas mulheres – a jovem presunçosa falando, a velha ouvindo, aparentando calma, tranqüilidade, talvez um pouquinho, um pouquinho só, de impaciência.
– Obrigado por nos contatar – fala a jovem. – Estamos fazendo uma série de artigos sobre mulheres de liderança, sobre mulheres que, no fim dos anos 50 e início dos 60, superaram barreiras e criaram a mulher moderna. (Faz uma expressão de enfado.) Muitas delas já estão mortas, mas a senhora está viva, e isso é ótimo. (Pequena pausa. Ela vai agora mostrar àquela velhinha idiota como ela já sabe de tudo o que a outra vai contar, como pesquisou direitinho, como é genial.) Preciso ter uma noção da situação. A senhora foi contratada pela London Diamond Corporation. É a maior do mundo, mas são os anos 50. É um ambiente dominado pelos homens, mas a senhora os enfrenta, luta para subir e se torna… (pausa para dar ênfase a algo que não merece qualquer ênfase) … gerente. Isso não impressiona ninguém hoje, mas a senhora foi a única gerente que a empresa já teve, e eu (com a expressão de terrível, terrível enfado) quero ouvir a sua história.
A velha senhora finalmente diz alguma coisa:
– Eu não vinha a esta cidade como uma mulher livre há mais de 40 anos. Está diferente.
A garota está à beira de um ataque cardíaco de tanto tédio:
– É mesmo?
A velha senhora tira da bolsa uma caixinha, abre-a e vemos um diamante imenso. Pela primeira vez, a garota faz um expressão de espanto. A velhinha diz:
– É uma peça excepcional. 168 quilates. 58 faces. Muito rara. Eu a roubei da London Diamond.
O diamante está em cima da mesa. A jornalista pega, olha, mexe nele, olha de novo.
A velhinha aperta a tecla rec do gravador e diz:
– Muito do que houve na empresa não deve estar nas suas anotações.
A esta altura, com a apresentação e essa primeira seqüência de diálogo, eu já estava absolutamente maravilhado – e aí há o corte no tempo, o flashback, estamos na Londres de 1960, Demi Moore andando numa rua lotada da City ao som de Take Five com o Dave Brubeck Quartet.
Com uns 15 minutos de filme, o espectador já teve uma maravilha atrás da outra, de tirar o fôlego, de tirar o chapéu, de aplaudir de pé como na ópera – e estamos apenas começando.
Vamos ver que Laura Quinn, a personagem de Demi Moore, era a funcionária exemplar, a gerente padrão, altamente qualificada, preparadíssima, dedicada, workaholic total, que entendia profundamente do negócio e que, no entanto, em vez de galgar posições na empresa, conforme mais do que merecia, era sempre preterida nas promoções.
Sua vida de merda, solitária, de uma das primeiras a chegar ao trabalho e sempre uma das últimas a sair, até porque tudo para ela se resumia ao trabalho, será abalada como que por um terremoto, que surge na figura de um humilde faxineiro da London Diamond Corporation, Mr. Hobbs. Mr. Hobbs vai se aproximar de Laura Quinn e tentar dizer a ela que tem um plano perfeito para roubar a empresa. Laura tentará fugir dele, e da tentação; fará um grande, um gigantesco esforço. Mas…
Michael Caine dá um show no papel de Mr. Hobbs. Michael Caine em geral dá show mesmo, isso não é novidade. A questão aqui é que o personagem de Mr. Hobbs é riquíssimo, extraordinário; é um homem da classe trabalhadora absolutamente consciente do que isso significa naquela sociedade classista que é a inglesa; é metódico, organizado, inteligente – e tremendamente revoltado contra os ricos, as grandes empresas, as seguradoras, tudo o que fez com que sua mulher morresse de um câncer que poderia ter sido curado caso ele pudesse pagar pelo tratamento.
Romancistas e roteiristas já criaram todos os tipos de planos para se roubar jóias. Pois eu digo que jamais vi um plano tão impressionante como o de Mr. Hobbs – tanto na concepção quanto na execução e, sobretudo, pela motivação.
Até bem recentemente, eu não ia muito com a cara da Demi Moore. Achava que ela é estrela demais, metida a besta; torcia o nariz diante das mil plásticas dela, e não reconhecia nela qualquer talento. Mas neste filme aqui ela está maravilhosa. Mesmo quando revi o filme para anotar o diálogo inicial entre a velhinha e a jovem jornalista babaca, foi difícil reconhecê-la no papel de Laura Quinn já bem idosa – o trabalho de maquiagem é extraordinário, e seu trabalho de interpretação, idem.
Um grande filme, dos melhores dos últimos tempos.
Um Plano Brilhante/Flawless
De Michael Radford, Inglaterra-Luxemburgo, 2007
Com Demi Moore, Michael Caine, Lambert Wilson, Joss Ackland
Argumento e roteiro Edward Anderson
Produção Hyde Park International. Estreou em SP 11/4/2008
Cor, 108 min
****
Título na França: Le Casse du Siècle
Sensacional este filme! Cria um suspense na medida e a história, o plano, em si, são irretocáveis, a meu ver. Vale ver.
A;guém sabe me informar qual o nome do restaurante? Ele realmente existe? O que esta escrito na placa do mesmo, quando a jornalista deixa o restaurante?