4.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2008: Esta obra dos irmãos Taviani é daquela fina categoria de filmes excelentes, extremamente bem feitos, bem cuidadíssimos até nos menores detalhes, baseados em clássicos literários. Uma categoria que inclui maravilhas – O Leopardo, de Visconti, A Época da Inocência, de Scorsese.
O cuidado, o esmero, a delicadeza – e o brilho – se mostram de cara, já na primeira seqüência da ação, em que homens e mulheres engalanados com suas melhores roupas (pelas quais o espectador atento percebe que estamos no século XIX) passam diante de uma belíssima estátua colocada em exposição. A estátua tinha sido retirada do mar durante a apresentação do filme, e agora está colocada no alto de uma construção; as pessoas enfatiotadas sobem pela escadaria à direita da tela, observam a estátua – situada bem no meio do plano geral – e descem pela escadaria à esquerda.
Um homem que está descendo observa uma mulher que está subindo; ela também o vê. De repente, ela fura a fila, sobe mais depressa, enquanto ele vira contra a maré descendente e sobe. Os dois se encontram no meio da tela, diante da estátua, enquanto um narrador, com esplêndida voz, explica quem são eles:
“A condessa Carlotta e o barão Edoardo se reencontram após 20 anos. Na juventude, tinham se amado muito. Depois, as circunstâncias da vida os separaram. O acaso os fez se encontrarem de novo.”
(O narrador, os créditos finais mostrarão, é o veterano ator Giancarlo Giannini.)
Edoardo (Jean-Hugues Anglade), e Carlotta (Isabelle Huppert) vão se casar finalmente logo em seguida, e viver na propriedade rural dele. Com uns 10, 15 minutos de filme, já houve um corte de tempo de um ano; Edoardo e Carlotta concordam em convidar o grande amigo dele, Ottone (Fabrizio Bentivoglio), para passar uma temporada na villa. Ele é arquiteto, poderá ajudá-los nos planos de reforma da villa e da paisagem em redor dela. Carlotta está escrevendo a carta em que formaliza o convite e… deixa cair tinta logo abaixo de seu nome. A tinta forma uma grande mancha, que a tela mostra em um close-up.
Bem mais tarde, lá pelo meio do filme, cai uma gota vermelha sobre o branco que ocupa toda a tela. Depois cai mais uma, e uma terceira, enquanto uma nova tomada mostra Edoardo baleado em uma batalha, no meio da neve, o sangue pingando.
A mancha negra da tinta sobre a carta, as gotas vermelhas de sangue sobre a neve são amostras do requinte visual com que os irmãos Taviani fizeram seu filme. Uma outra amostra é a luz. As cenas do entardecer, as cenas noturnas, todas são extremamente escuras, quase não se vêem as cores – como é de fato a vida sem energia elétrica, com a luz apenas de velas ou pequenas luminárias a óleo como existiam no início do século XIX. Já as cenas diurnas, especialmente as dos verões, são de uma luminosidade espetacular, com cores fortes.
Esse cuidado extremo com a luz é coisa de artesão cuidadoso; é o anti-cinemão padrão de Hollywood, em que uma vela acesa deixa todo o ambiente iluminado.
Voltando à história: então, chega à villa toscana Ettone. E, logo depois, chega também Ottilia (Marie Gillain), a filha adotiva de Carlotta, uma linda adolescente que passa a maior parte do tempo em um colégio de freiras. E está formado o quadrado amoroso criado por Johann Wolfgang Von Goethe em As Afinidades Eletivas, seu terceiro romance, publicado em 1809.
Aparentemente, a adaptação feita pelos irmãos Taviani foi a mais fiel possível. Houve, é claro, a mudança do local – o que no livro é a cidade alemã de Weimar e seus arredores aqui é a Toscana, onde fica Florença, a cidade em que se passa a seqüência do reencontro de Edoardo e Ottilia. Mas todo o resto, me parece, segue fielmente o livro.
Apesar de toda a beleza esplendorosa do filme, não pude deixar de pensar, enquanto o via, que de alguma forma ele se encaixa na minha tese de que o cinema italiano, desde o pós-guerra e até hoje, não admite a existência de qualquer coisa parecida com felicidade para ninguém que não seja do povo, da classe trabalhadora. Quem tem mais do que o suficiente para satisfazer suas necessidades básicas será necessariamente infeliz – é o padrão do cinema italiano. E a trágica história escrita por Goethe se encaixa com perfeição dentro desse modelo.
As Afinidades Eletivas/Le Affinità Elettive
De Paolo e Vittorio Taviani, Itália-França, 1996.
Com Jean-Hugues Anglade, Isabelle Huppert, Fabrizio Bentivoglio, Marie Gillain
Roteiro Paolo e Vittorio Taviani
Baseado no romance de Johann Wolfgang Von Goethe
Fotografia Giuseppe Lanci
Música Carlo Crivelli
Cor, 98 min
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