3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2008: Filip Mosz (Jerzy Stuhr), trabalhador em uma grande empresa de um lugarejo perto da Cracóvia, compra uma pequena filmadora de 8 mm, fabricada na Rússia, para gravar imagens da filha que está para nascer. A filmadora vai modificar totalmente a sua vida.
Bem no meio deste filme feito por Krzysztof Kieslowski em 1979 – pouco antes, portanto, do surgimento do primeiro sindicato independente do poder central nos países comunistas do Leste Europeu, e uma década antes do fim do regime comunista na Polônia -, há um belo diálogo entre Filip e sua mulher, Irka (Malgorzata Zabrkowska). Angustiada, um tanto enciumada, revoltada com o fato de ele dar mais atenção ao seu novo trabalho de cinegrafista amador do que à família, ela diz que fez tudo por ele: deu a ela uma mulher e uma filha, e ele não está contente com isso. Ele responde que está contente com a mulher, com a filha, com a tranqüilidade que a família tem, mas que agora quer mais, quer também outras coisas.
A filmadora que o trabalhador da Polônia comunista comprou para registrar imagens de sua filha vai torná-lo diferente de seus colegas, amigos, das pessoas com quem convive. E não porque ele quisesse isso; a princípio, ele só queria filmar cenas familiares. Quem o procura para que ele aproveite para filmar uma comemoração na empresa são os seus próprios chefes; e são ainda eles que o incentivam a continuar filmando, a criar um clube cultural. A partir daí ele se vê enredado em uma engrenagem que não tem como comandar; e, por causa daquela maquininha de gravar imagens, ele terá breves, fugazes momentos de glória – e acabará perdendo tudo o que tinha, inclusive a tranqüilidade.
Em seus rápidos meses como cinegrafista amador contratado e subsidiado pelo chefe imediato e pelo diretor da empresa em que trabalha, o infeliz Filip Mosz conhece duas personalidades importantes da cultura da Polônia daquele período entre os motins da fome dos anos 1970 e o surgimento em 1980 do sindicato Solidariedade: Andrzej Jurga, um diretor da TV estatal, e Krzysztof Zanussi, um dos mais respeitados cineastas poloneses do pós-guerra e pós-instalação do comunismo.
Os dois, Jurga e Zanussi, interpretam a si próprios neste filme de Kieslowski. Zanussi havia se formado na escola de cinema de Lodz – a mesma escola onde também se formaram todos os nomes importantes do cinema polonês de então, entre eles Roman Polanski, Andrzej Wajda e, mais tarde, o próprio Kieslowski.
Kieslowski, nascido em 1941, num país invadido pelos nazistas, fez seu primeiro filme, Personel, em 1975, poucos anos depois de Polanski ter se exilado no Ocidente, deixando Zanussi e Wajda como os maiores nomes em atuação na própria Polônia.
Nenhum deles fazia o cinema com que sonhariam os ditadores comunistas; suas obras sempre estiveram muito longe do realismo socialista que a União Soviética conseguiu de muitos de seus cineastas – fosse por coerção, fosse porque eles ainda tinham esperanças no regime. Mas, como diz Jean Tulard em seu Dicionário de Cinema, Kieslowski “foi mais longe na sua crítica à sociedade polonesa do que Wajda e Zanussi. Spokoji (de 1976) chegou até mesmo a ser proibido pela censura, assim como alguns de seus curta-metragens.”
Em seguida, porém, Tulard comete um erro, na minha opinião, pois diz que o cineasta “pareceu mais calmo em Amator, reflexão sobre o ofício de cineasta”. Não me parece, de forma alguma, que Kieslowski estava calmo ao fazer este filme que denuncia o tempo todo a opressão do regime totalitário.
Já em seu segundo longa, A Cicratiz/Blizna, de 1976, o cineasta havia denunciado, como eu notei ao ver o filme em 2000, “diversas mazelas ainda em pleno comunismo – decisões arbitrárias de dirigentes ligados ao Partido, sem consulta ao povo; agressão estúpida ao meio ambiente; corrupção; ineficiência empresarial” – além de registrar o surgimento do Solidariedade.
Não. Acho que realmente Tulard cometeu um erro. Kieslowski nunca esteve calmo. E queria – como seu trágico personagem neste filme aqui – muito mais que a tranqüilidade.
Amador/Amator
De Krzysztof Kieslowski, Polônia, 1979
Com Jerzy Stuhr, Malgorzata Zabrkowska, Ewa Pokas, Stefan Czyzewski, Jerzy Nowak. E, em participações especiais, representando a si mesmos, Krzysztof Zanussi e Andrzej Jurga.
Roteiro Krzysztof Kieslowski
Diálogos Krzysztof Kieslowski e Jerzy Stuhr
Cor, 117 min.
**1/2
Um década antes do fim do Comunismo na Polõnia foi produzido esse filme. Não “duas” como você afirmou no texto.
Tenho lido seus textos/comentários, vários deles e tenho gostado muito. São bastante sinceros e instrutivos, muito bons. Gostei muito daquele sobre o filme do Wolney Oliveira, muito engraçado. Concordo plenamente com aquele texto, apesar de não ter visto o tal filme… rsrs
Abraço!!!
Caro Raul, obrigado pelo comentário e pela correção – de fato, 1979 é uma
década antes do fim do comunismo na Polônia. Graças a você, corrigi o texto.
Obrigado, e um abraço.