3.5 out of 5.0 stars
Resenha na coluna O Melhor do DVD, no site estadao.com.br, em 2000: Polonesa de nascimento, formada em cinema na então Checoslováquia, cineasta do mundo, com filmes produzidos em diversos países, Agnieszka Holland está entre os mais aclamados diretores da segunda metade do século.
No começo da carreira, teve a sorte de ter como professor, durante os tempos fertilíssimos da Primavera de Praga, o jovem Milos Forman, e logo depois teve as bênçãos do mais cultuado cineasta de seu país, Andrzej Wajda, para quem escreveu roteiros; seu primeiro trabalho na direção, Atores de Província, de 1980, ganhou o prêmio da crítica em Cannes, e foi só o primeiro de uma série – ela levaria em seguida prêmios nos festivais de Gdansk, Berlim e Montreal, mais um Globo de Ouro nos Estados em 1991 (por Os Filhos da Guerra/Europa Europa).
Seus dois últimos filmes, ambos feitos nos Estados Unidos – A Herdeira/Washington Square, de 1997, e este O Terceiro Milagre -, não tiveram, ao contrário dos anteriores, as já tradicionais loas da crítica. No entanto, são bons filmes, os dois; o mais recente, sobretudo, é um dos melhores de todos os que ela já dirigiu. É possível que o tema, controverso, polêmico, delicado, tenha afastado a aprovação geral. De resto, a crítica costuma ser impiedosa com os cineastas europeus que vão trabalhar nos Estados Unidos – o sueco Lasse Hallström deve também saber disso muito bem.
É interessante notar que, mesmo trabalhando nos Estado Unidos, com capital americano (um dos produtores de O Terceiro Milagre é Francis Ford Coppola, com sua Zoetrop), a diretora não dispensa técnicos europeus, como mostram os créditos finais, que aparecem ao som da música extraordinária do polonês Jan A.P. Kaczmarek (também autor das trilhas de A Herdeira e de O Eclipe de uma Paixão, de 1995, em que Agnieszka Holland conta a história de amor triste e desesperada dos poetas Rimbaud e Verlaine).
É também na Europa, e durante a Segunda Guerra Mundial – um dos temas recorrentes na obra da diretora – que começa a narrativa de O Terceiro Milagre. Ainda durante os créditos iniciais, o espectador se depara com uma seqüência assustadoramente bela, em que uma pequena cidade da Eslováquia, ocupada pelos nazistas, em 1943, está sendo bombardeada pelos aliados.
Corte rápido, e estamos em 1987, em um bairro de Chicago, cuja miséria em alguns momentos lembrará, inescapavelmente, as cidades européias estraçalhadas pelos bombardeios. Ali, na periferia de uma das maiores cidades do Império, vivem milhares de europeus do Leste, muitos deles refugiados exatamente por causa da Segunda Guerra; e é ali que um padre que perdeu a fé é encarregado pela hierarquia da Igreja de servir como promotor, como advogado do diabo, num processo em que se discute a possível beatificação de uma imigrante européia tida como santa pela comunidade pobre e carente.
Como poucos diretores, Agnieszka Holland consegue, em O Terceiro Milagre, entrelaçar macro e micro, panorâmica e primeiro plano, a grande História e as histórias de seus pobres, aflitos, angustiados personagens.
Conta, para isso, com um roteiro sólido, extremamente bem construído, e elenco impecável. Ed Harris, com quem a diretora já havia trabalhado em Complô Contra a Liberdade/To Kill a Priest, de 1988, que faz o padre, o personagem central, está excelente, assim como Anne Heche, em uma de suas melhores interpretações, como a filha absolutamente descrente da candidata a santa.
Armin Mueller-Stahl é um caso à parte; ele trabalhou com a diretora em Colheita Amarga/Angry Harvest, de 1985, e no extraordinário Um Amor na Alemanha, de Wajda, com roteiro do mestre e de Agnieszka, um primoroso estudo sobre a fragilidade do caráter das pessoas comuns que ajudou a permitir a existência do nazismo; é prussiano de Tilsit, na região que, depois de ser da Alemanha, foi dividida entre a União Soviética e a Polônia. Pois bem: Muller-Stahl sequer precisa se esforçar para fazer com brilho o papel do arcebispo que Roma envia para Chicago como o advogado do diabo para renegar os possíveis milagres atribuídos à imigrante européia. O enfrentamento entre o seu personagem e o do padre interpretado por Ed Harris, então na qualidade de advogado de defesa, é de um puro brilho.
No embate entre eles, provavelmente mais do que nos seus filmes anteriores, a diretora consegue passar, nítida, clara, a idéia, tão presente na sua obra, de que os efeitos da grande guerra, as feridas profundas deixadas por ela, ainda estão presentes, indeléveis, doídos, até hoje, mais de meio século depois.
O Terceiro Milagre/The Third Miracle
De Agnieszka Holland, Canadá-EUA, 1999
Com Ed Harris, Anne Heche, Armin Mueller-Stahl , Barbara Sukowa
Roteiro John Romano e Richard Vetere
Baseado em novela de Richard Vetere
Música Jan A.P. Kaczmarek
Fotografia Jerzy Zielinski
Cor, 119 min
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