4.0 out of 5.0 stars
Anotação em 1998:Um filme extremamente corajoso. E, além disso, extremamente bom, inteligentíssimo, cheio de belas sacadas, grandes idéias, tudo muito bem executado.
Não foram poucas as pessoas que já escreveram que Philadelphia, de Jonathan Demme, de 1993, a primeira obra do cinemão de Hollywood a falar da aids, é politicamente correto, bem intencionado, mas pouco corajoso, pouco sério e profundo, tocando só muito de leve no fato de o personagem central ser homo. Até o Maltin, a coisa mais mainstream dos guias, diz: “Não sabemos sobre ele (o personagem de Tom Hanks), ou seu amante (Banderas)”.
Pois bem. Este Jeffrey veio definitivamente preencher a lacuna, me parece. Este é um filme extremamente corajoso.
Verdade que a aids hoje é uma praga que atinge heteros, homens, mulheres e crianças. E também, vendo-se por outra perspectiva, é verdade que o cinema, há cem anos marchando sempre na direção de explicitar mais e mais todas as coisas, e mais e mais tem tocado em tudo que um dia já foi considerado tabu; basta ver, por exemplo, as cenas de homossexualismo de O Padre, o belíssimo filme inglês. E mesmo Hollywood já fez pelo menos um filme absolutamente sensível sobre aids – Armadilha Selvagem/In The Gloaming, do ex-Super-homem Christopher Reeve. Mas, apesar de ser necessário reconhecer essas verdades, também é verdade que os homens homo são ainda boa parte das vítimas da doença. E a aids ainda se mantém com a pecha da peste gay.
O filme parte daí. Mostra a história de Jeffrey (Steven Weber), um rapaz homo em Nova York – e só levissimamente “veado”, ou seja, com trejeitos que parecem femininos – que decide parar de transar, pelo medo da aids e pelo desgosto com as relações que só conseguem se basear em atestados médicos indicando ausência do HIV. Na terceira ou quarta seqüência ele está se apaixonando.
Mais tarde, veremos que o homem por quem Jeffrey se apaixona, Steve (Michael T. Weiss), é soropositivo. Diante disso, Jeffrey foge da relação, apesar dos conselhos insistentes do maior amigo, Sterling (Pat Stewart), que vive uma relação estável com Darius (Bryan Batt, interpretando o que antigamente chamávamos de bicha louca), ele também soropositivo. Darius morrerá da aids; e aparecerá como um bom fantasma para se despedir de Jeffrey ensinando a grande lição: “Odeie a aids, não a vida”.
A coragem, assim como o brilho do filme, não vem apenas porque ele assume discutir francamente os relacionamentos homo diante da ameaça da praga. A coragem e o brilho vêem basicamente da forma como ele optou por abordar o tema. Não é uma estrutura de drama – embora haja momentos pesados, densos, sérios. Ao contrário: é uma abordagem divertida, alegre, bem humorada. O filme é contado em capítulos, quase numa estrutura de esquetes de TV, como os franceses da nouvelle vague gostavam de fazer; os atores conversam com o espectador, da maneira como Woody Allen sempre gostou de fazer; na primeira cena de beijo homo, mostra-se um grupo de pessoas vendo o filme, os garotos indignados e repugnados, as garotas nervosamente achando graça.
A deusa Sigourney Weaver dá um show em um engraçadíssimo esquete ironizando os gurus de auto-ajuda. Madre Teresa de Calcutá comparece algumas vezes à cena, em um achado inteligentíssimo, até provocativo, mas de forma alguma desrespeitoso. Um padre (ele também homo) dá lições sobre a vida e a religião – em um diálogo sério, mas com um tom hilariante.
Tem graça, tem estilo, é inteligente e divertido. Mas não é uma brincadeira besta com um assunto sério (como é, por exemplo, o filme Ruth em Questão/Citizen Ruth, uma abordagem absolutamente infeliz sobre a luta pelo direito ao aborto). Não, não é uma brincadeira besta. Tem o que dizer a respeito do tema – e diz, e é sério e importante o que diz, embora faça questão de não ser sisudo ou chato.
A peça na qual o filme se baseia estreou em Nova York em 1993, o mesmo ano do filme Philadelphia.
Em 2008, vejo no IMDB que o diretor Christopher Ashley ficou sem realizar filme algum desde este Jeffrey. Só em 2008 foi dirigir um outro, Last Call. Uma pena, porque o cara tem talento e sensibilidade.
Jeffrey – De Caso com a Vida/Jeffrey
De Christopher Ashley, EUA, 1995.
Com Steven Weber, Michael T. Weiss, Patrick Stewart, Brian Batt, Nathan Iane e, em participações especiais, Sigourney Weaver e Olympia Dukakis.
Roteiro Paul Rudnick, baseado em sua peça
Música Stephen Endelman
Cor, 92 min.