Sangue e Vinho / Blood and Wine


Nota: ★★★½

Anotação em 1997: Uma porrada, um soco no estômago. Faz lembrar Fargo (“Tudo isso por causa de um pouco de dinheiro”), O Segredo das Jóias, todos os grandes filmes americanos que mostram como se mata, se trai, se vende a alma por um punhado de dólares. Mas é mais brutal que todos os demais, e ao mesmo tempo mais didático na sua lição contra alguns princípios do capitalismo. Dá para entender agora, depois de tantos anos, por que Bob Rafelson quis refilmar O Destino Bate à Sua Porta/The Postman Always Rings Twice – o vale-tudo da traição, do assassinato, por um punhado de dólares. (Na época, achei ruim o filme por causa da explicitude das cenas de sexo, que considerei apelativas e dentro daquela desagradável tendência pós-1970 de tornar tudo explícito demais, mas acho que o bom Rafelson estava mais interessado na ganância, o greed.)

Ao mesmo tempo, também, este filme aqui mistura fundo a ganância com outras coisas sérias: as relações familiares, marido-mulher, padrasto-enteado, em proporções bíblicas. E mais: mostra como é fácil ultrapassar limites, potencializar o negativo, exponenciar os erros. Como é fácil o ser humano virar besta-fera, dentro de uma sociedade que se baseia na conquista de dinheiro, não importam os meios. Como é um processo fácil, e quase irreversível.

Mas tem mais ainda. Ao contrário da imensa maioria dos filmes, onde o bom é bom e o ruim é ruim, aqui vemos seres humanos normais que vão se transformando em bestas mas ainda são capazes de demonstrar algum apego a noções de valor. Nisso ele lembra Os Imperdoáveis, em que Clint Eastwood exacerba na noção de que matar uma pessoa é um ato de profundíssimas conseqüências, ao contrário do que mostram 99,9% dos filmes.
No meio de um ato insano, a que foram levadas por ter perdido a cabeça, as noções, os valores, as pessoas neste filme ainda são capazes de se questionar, de interromper a cadeia de potencialização do mal. Como acontece numa briga de casal acontece. E o filme começa a mostrar a bestializaçào exatamente numa briga de casal, que vai para a violência, que vai aumentando, que vai aumentando – e de repente, no meio do crescendo da violência, as pessoas param e dizem meu Deus, mas o que eu estou fazendo, que absurdo, como é que eu fui capaz de fazer isso? E de alguma forma o crescendo continua, as pessoas são incapazes de parar o processo que elas mesmas iniciaram.
Me lembrei também de Um Lance no Escuro/Night Moves, do grande Arthur Penn, em parte por causa do cenário, Miami e as Keys, crimes maiores do que poderíamos imaginar vendo o cenário, em parte por causa dessa coisa de referências chaves e básicas à época em que se está vivendo. Um Lance no Escuro era um reflexo claro da época da perda final da inocência americana, com os assassinatos dos Kennedy, a chegada da contracultura, o desalento com a guerra do Vietnã; este aqui é o reflexo da era pós-Reagan e Bush (citados explicitamente, para não parecer coincidência ou obra do acaso), da falta de sonhos para sonhar.

Sangue & Vinho/Blood and Wine
De Bob Rafelson, EUA, 1995.
Com Jack Nicholson, Stephen Dorf, Jennnifer Lopez, Michael Caine, Judy Davis
Argumento Nick Villers e Bob Rafelson
Roteiro Nick Villiers e Alison Cross
Música Michal Lorenc
Cor, 101 min.

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