3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 1997, com complemento em 2008: Eis aí um filme extremamente corajoso, muito adiante de seu tempo. Feito em 1931, apenas quatro anos após o cinema ter aprendido a falar, ele tinha já um viés feminista – e um tratamento ousadíssimo, para a época, é claro, do sexo.
É a história de uma bela, atraente operária (Joan Crawford, então com apenas 26 anos e já uma força poderosa diante de uma câmara) que sobe como um foguete na escala social ao se tornar amante de um advogado riquíssimo da Park Avenue, em Manhattan (Clark Gable, já então o grande galã de Hollywood). Ele eventualmente terá uma possibilidade de concorrer ao governo do Estado – e ela terá que escolher entre seu estilo de vida de luxo e a chance de o amante ter sucesso na carreira política.
Este foi o terceiro dos oito filmes que Joan Crawford e Clark Gable fizeram juntos; eles eram, naquela época, o que se definia como “potent co-starring team”.
Lembrando, realçando: era 1931, na puritana América. Essa coisa de amante não era para ser mostrada na tela gigante dos gigantescos cinemas de então. Foi em reação a filmes ousados como este que a indústria como um todo aceitou, exatamente no princípio dos anos 1930, adotar rígidas regras de autocensura, expressas no que ficou conhecido como Código Hays, que prevaleceu até o final dos anos 1950, início dos 1960.
Eis um trecho do que dizia, literalmente, o Código Hays, no item Princípios Gerais (o trecho consta do Glossário deste site, mas vale a pena repetir aqui):
“Nenhum filme será produzido que possa fazer abaixar os princípios morais daqueles que irão vê-lo. Desta forma, a simpatia da audiência jamais deve ser jogada para o lado do crime, do fazer errado, mal ou pecado. Princípios corretos de vida, sujeitos apenas às exigências do drama e do entretenimento, devem ser apresentados. A lei, natural ou humana, não será ridicularizada, nem simpatia pela sua violação será criada.”
Esses acima eram os princípios gerais. Havia as regras específicas. Lá vai:
“Cenas de paixão: Elas não devem ser introduzidas quando não forem essenciais à trama. Beijos excessivos e luxuriosos, abraços luxuriosos, posturas e gestos sugestivos não devem ser mostrados.”
“Sexo: A santidade da instituição do casamento e do lar deve ser preservada. Os filmes não devem inferir que baixas formas de relacionamentos sexuais são coisa aceita ou comum.
Adultério, material às vezes necessário à trama, não deve ser tratado explicitamente, ou justificado, ou apresentado de forma atraente.”
Joan Crawford faria em 1947 outro filme com o título original idêntico ao deste aqui, Possessed, dirigido por Curtis Bernhardt, ao lado de Van Heflin. É um em que ela, na sequência inicial, está andando pelas ruas de Los Angeles mal-vestida, tonta, prestes a desfalecer, como que com amnésia, procurando por um homem chamado David. No Brasil, esse Possessed de 1947 chamou-se Fogueira de Paixão. Um Possessed com Joan Crawford não tem nada a ver com outro Possessed com Joan Crawford. E durma-se com um barulho destes.
Possuída/Possessed
De Clarence Brown, EUA, 1931.
Com Joan Crawford,Clark Gable, Wallace Ford, Skeets Gallagher
Baseado na peça de Edgar Selwyn The Mirage
Roteiro Lenore Coffe
Produção MGM.
P&B, 76 min.