Os Dois Lados da Felicidade / Double Happiness


3.5 out of 5.0 stars

Anotação em 1997: Um deslumbre. Nunca tinha ouvido falar desse filme sino-canadense; no Cinemania, ao menos até 1995, não consta. E no Videobook também não, o que significa que ainda não saiu em vídeo. A revista da Net diz que é uma produção americana – mas ele é canadense. O filme confirma a surpreendente vitalidade do cinema feito pelos chineses nestes anos 90 – sejam os da China comunista, sejam os de Hong Kong ou Taiwan.

Me lembro de pelo menos um outro filme canadense feito por chineses e que aborda histórias de chineses imigrantes – Chocolate Chinês.

É um deslumbre. Mina Shum, nome que peguei na revista da Net (e portanto pode estar errado), deve ser, muito provavelmente, mulher. Fez um filme de alma profundamente feminina. Não tenho informação alguma sobre essa pessoa. Mas, se for nova, tem futuro. Se for velha, soube aprender.

A narrativa é gostosa, suave, madura. É quase todo o tempo simples, banal, corriqueira, direta. De vez em quando, há um brilhozinho de roteiro, um toque de inteligência. Não uma coisa chata, pentelha, cheia de maneirismo. Não. Apenas brilhozinhos rápidos, toques espertos. Do tipo: depoimento dos personagens para a câmara. Nada de surpeendente ou original – Woody Allen sempre fez isso, o Rob Reiner usou em Harry e Sally, Feitos Um Para o Outro/When Harry Met Sally. Mas é um toquezinho gostoso, e a diretora (?) soube usar muito bem, na dose certa.

Aqui e ali, ela (?) dá uma câmara lenta – também nas horas certas, na dose certa, sem cansar, sem repetir, sem chatear. Outra sabedoria: as elipses. Meu, que suavidade, que maravilha. O primeiro encontro da heroína, Jade (uma chinesa muito, muito bonita, e extraordinária atriz), com o namorado – corta na hora certinha, sem alongar desnecessariamente na cena.

A seqüência do encontro dela com o garoto rico, de boa família, os pais dos dois lados querendo forçar para que saia um casamento, é um encanto. Câmara lenta, Jade se aproxima do carrão do moço, acena um tchau pra família; a família acena de volta com um gesto único, coreografado. E de novo o bom uso da elipse; os dois vão depois do restaurante para um bar gay; a conversa é rápida, não precisa detalhar nada, o espectador sacou, ficou perfeito, e corta.

E mais ainda: a segunda e última saída dela com um chinês de grana, um médico. De novo um carrão, de novo câmara lenta de Jade bem produzida, linda, elegante de maneira fina, entrando no carro; tomada rápida do carro saindo pelo bairro pobre; em seguida, já à noite, plano geral, o carro numa esquina, ela pede para descer, desce e sai correndo pela noite, num visual lindo. Não precisa explicar. Está claro que o cara tentou estuprá-la, ou ao menos foi rápido demais. Não precisa explicitar, mostrar. Está dito.

A história é simples: o conflito entre a geração mais nova, já criada na América, convivendo com os padrões ocidentais, e a geração mais velha, nascida na China (no caso, em Hong Kong), rigidamente apegada aos valores e costumes tradicionais, severos, rígidos. Ang Lee bebeu muito, e bem, nessa fonte. Essa Mina Shum (?) tem o que dizer, e sabe como dizer.

Há uma seqüência riquíssima sobre essa coisa da nova geração de imigrantes, que já não é mais da nacionalidade dos pais e ainda não é inteiramente do país adotado. (Ao longo de todo o filme, vamos vendo que os pais falam entre si em cantonês, e as filhas falam em inglês – o filme se passa em Vancouver; as filhas entendem perfeitamente a língua mãe, mas não se expressam tão bem quanto os pais.) Jade é aspirante a atriz; vai, lá pelo final do filme, fazer um teste com uma diretora de Hong Kong, que está num dia de terrível mau humor, e já dispensou a candidata anterior. Ao ouvir Jade falar em cantonês, a diretora melhora de humor, se interessa. Mas, quando recebe o roteiro, Jade não consegue ler. A elipse, de novo. O corte é aí. O espectador sabe que ela perdeu o papel.

O filme todo é assim. Fala de temas importantes, sérios, mas de maneira suave, leve, agradável. Com carinho pelos personagens, pelos seres humanos. Uma bela surpresa.

Confiro agora, em 2008, que Mina Shum é, sim, mulher – nascida em Hong Kong e criada em Vancouver. Este aqui foi seu segundo filme; argumento e roteiro são também dela. O iMDB informa que o papel central, a personagem Jade, é interpretada pela Sandra Oh, que eu não conhecia quando vi o filme, e depois vi em vários outros; isso me surpreende, porque de fato a Sandra Oh é uma boa atriz – mas não é tão bonita assim…

Os Dois Lados da Felicidade/Double Happiness

De Mina Shum, Canadá, 1994.

Com Sandra Oh, Alannah Ong, Donald Fong, Stephen M.D. Chang

Argumento e roteiro Mina Shum

Cor, 87 min.

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