[Rating:4]
Anotação em 1997: Um show de sensibilidade, de seriedade. Todos nós espectadores poderíamos estar a favor do filme por ele ser a estréia de Christopher Reeve, o Super-Homem dos anos 70 e 80 na direção depois do acidente trágico que o transformou em paralítico. Mas não é por aí. É que o texto é brilhante, corretíssimo, e o filme de fato esbanja sensibilidade. E que beleza de elenco.
É um filme sobre aids em que a palavra aids não é pronunciada uma única vez, assim como não é pronunciada a palavra soropositivo. Na verdade, é um filme sobre aids que na verdade é um filme sobre relações familiares, a dificuldade de comunicação entre pessoas letradas de uma família muito, muito rica. Gente Como a Gente, do Redford, em que as pessoas não são exatamente como a gente, porque têm muito mais dinheiro, mas ao mesmo tempo são como a gente porque são incapazes de falar as verdades, maiores ou menores, com o filho, o pai, o irmão, a irmã.
É belíssimo o encontro da mãe com o filho que vem pra casa pra morrer. É emocionante, é lindo, é extremamente sensível como os laços vão sendo refeitos entre a mãe e o filho, as conversas só agora abertas sobre o namorado dele, e também sobre a relaçào dela com o marido, tão vaga, distante, embora ela seja uma mulher maravilhosa, sensível, rica, inteligente – e o marido possivelmente não perceba muito isso.
Interessante como nada é dito muito às claras. Tudo é dito por meias palavras, como acontece mesmo na vida real. É uma família típica, igual a todas as outras, com a única redfordiana diferença de que é mais rica que as demais.
Há um diálogo no filme que é soberbo, definitivo, brilhante. É entre a mãe que se sente na obrigação de estar perto do filho condenado à morte, mas que mais que isso se sente bem estando perto do filho condenado à morte, e a irmã yuppizinha (a promissora Bridget, a terceira geração dos Fonda) que vem tentar tirá-la de casa, para que ela descanse um pouco do clima pesado. O diálogo é de brilho puro. Gostaria de tirá-lo do filme e gravá-lo em texto. É todo ele em tom menor, sem clareza clara, embora tudo esteja sendo dito implicitamente – como em tantos diálogos da vida real.
Tirei. Lá vai.
(Como a gente tinha trabalho, naqueles tempos pré-IMDB. Hoje é tudo mais fácil, é só copy e paste.)
A mãe (Glenn Close), que é entendida de cinema, está vendo um filme P&B no vídeo, janelas fechadas. A filha yuppinha (Bridget Fonda) chega, vai abrindo todas as janelas.
Mãe – Por que você não está trabalhando?
Annie – Decidi tirar o dia de folga. Que tal irmos ao centro almoçar?
Mãe – Não sei. Onde está o Johnny? (É o único neto dela, filho de Annie.)
Annie – Com a babá. Que tal a idéia do almoço? Eu pago.
Mãe – Você ia trazer o Johnny para ver o Danny. (O filho aidético, interpretado por Robert Sean Leonard, esplêndido.)
Annie – Pensei que você e eu pudéssemos passar o dia juntas. Seria bom sair de casa.
Mãe – Eu estou ótima.
Annie – Tenho tantas novidades. Tim (o marido) pegou outro projeto.
Mãe – Que bom.
Annie – E eu soube que vou ser promovida.
Mãe – Parabéns, isso é ótimo.
Annie – Que tal sairmos juntas pra comemorar?
Mãe – Não, acho que não, o Danny precisa de mim.
Annie – Espera aí, mãe, está tudo sob controle, e o meu pai disse…
Mãe – Seu pai não sabe o que diz.
Annie – Bem, eu queria conversar com você. Estou preocupada…
Mãe – Seu pai te pediu isso?
Annie – Não, foi idéia minha. Ele de fato mencionou que vocês estão com problemas…
Mãe – Ele age como um marido ciumento.
Annie – Mas você pode culpá-lo?
Mãe – O que você quer dizer?
Annie – Nada.
Mãe – Preciso ver o Johnny.
Annie – A enfermeira não faz isso?
Mãe – Não é a mesma coisa.
Annie – Lá vai você cuidar dele de novo! Ele deve estar no sétimo céu!
Mãe – Desculpe! Como assim?
Annie – Você e o Danny sempre tiveram uma relação especial.
Mãe – Sim??
Annie – Esqueça.
Mãe – Não – o que é?
Annie – Você não acha que o meu pai se sentiu excluído?
Mãe – Isso é ridículo!
Annie – Eu me senti assim.
Mãe – O quê??
Annie – É verdade.
Mãe – Por que você nunca me disse nada?
Annie – Danny sempre foi o seu preferido.
Mãe – Annie… Eu amei vocês dois do mesmo jeito. Por que você nunca me disse nada?
Annie – Porque nós não falamos destas coisas nesta casa. Nunca.
Mãe – Querida, se no passado dei mais atenção ao Danny do que a você ou a seu pai, havia razões.
Annie – Ah, por favor. Você sabe o que sua atenção fez com ele. (Está implícito tudo aqui. Annie culpa o excesso de atenção da mãe pelo fato de o irmão ser homossexual.)
Mãe – O que você está sugerindo?
Annie – Desculpe. Não vim aqui brigar com você. Mas, mãe…
Mãe – O quê?
(Annie oferece um tranquilizante, a mãe diz que não precisa, e diz que tem algo a perguntar.)
Mãe – Por que você não trouxe o Johnny? Você tem medo de que ele pegue algo?
Annie – É engraçado, sempre que sou cuidadosa com o Johnny, me afasto para não cometer o mesmo erro que você.
Mãe – É mesmo? Então você deveria reexaminar suas fontes psicológicas, porque atualmente acham que é genético.
Há um outro diálogo impressionante. A mãe, repito, é uma entendida em cinema. O filho pergunta de que filmes ela gosta, ela diz que a cada dia é de um. E aí diz que o de que mais tem gostado ultimamente é E.T. Ele ri, pergunta por quê. E ela diz:
“Os melhores filmes são os que nos fazer rir e chorar ao mesmo tempo. (…) Sabe o que é divertido? Quando odeio a vida, gosto de ver um filme violento. É muito punitivo.”
Que maravilha, que maravilha: Hollywood se reflete sobre ela mesma. Que brilho.
Armadilha Selvagem/In the Gloaming
De Christopher Reeve, EUA, 1997.
Com Robert Sean Leonard, Glenn Close, David Strathairn, Bridget Fonda, Whoopi Goldberg
Roteiro Will Scheffer
Bas na peça de Alice Elliot Dark
Música David Grusin
Cor, 67 min.
eu adorei a historia e muito boa mesmo…legal estar de parabens………
Sensível plasticamente impecável. Glenn Close soberba.