Cadillac Records


3.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2009: Este Cadillac Records me pareceu um filme fundamental, imprescindível, imperdível para quem gosta de música pop. Mas não sei se agradará tanto às pessoas que não têm uma ligação maior com música.

É um filme todo baseado em fatos reais, que mostra o tempo todo personagens reais. Passa-se no final dos anos 40 até os 50. E tem uma mensagem, uma finalidade clara: ele pretende mostrar que a origem do rock’n’roll é toda ela ligada à música negra, dos negros; os brancos – Elvis Presley à frente, mais Jerry Lee Lewis, os Beach Boys (todos eles citados no filme), assim como mais tarde os ingleses, Rolling Stones à frente – copiaram o que os negros fizeram.

Os pioneiros mesmo – é o que diz e mostra o filme – foram Muddy Waters, Howlin’ Wolf, Little Walter, Jimmy Rogers, Chuck Berry, e, por trás deles, o compositor Willie Dixon.

Não sei dizer o grau de fidelidade do filme à realidade dos fatos. Ainda não li nada sobre o filme, sequer vi o making of; gosto de começar a anotação sobre um filme com minhas primeiras impressões, antes de qualquer pesquisa. E, embora goste bastante de música pop, e bastante mesmo, e tenha até escrito sobre música em algumas épocas da vida profissional, tenho que confessar que a) o rock não é exatamente a minha praia; minha praia, na música americana, é o folk de um lado e, do outro, a Grande Música dos Gershwin, Irving Berlin e Cole Porter; cheguei ao rock via Beatles, e só mais tarde fui conhecer um pouco dos pioneiros, os artistas dos anos 50, Elvis inclusive; e b) conheço muito pouco dos pioneiros negros, esses aí que citei acima; do pouco que conheço do rock dos primódios, conheço mais o dos brancos, Buddy Holly, Roy Orbinson, Everly Brothers, o próprio Jerry Lee Lewis, Elvis, Johnny Cash (que deu uma flertadinha com o rock, no início). Destes últimos todos, tenho discos – embora não os ouça com freqüência; depois de ver o filme, fui checar, e me espantei por não ter sequer um LP de Muddy Waters, Howlin’ Wolf, Little Walter, Etta James; tenho alguns do Chuck Berry, mas só. CD, de nenhum deles. Conheço-os de nome, claro, mas não é exatamente a minha praia, repito.

Então, por que diabos estou escrevendo sobre esse filme?, alguém mais objetivo poderia perguntar. Uai, porque eu escrevo sobre todo tipo de filme que vejo, muitos deles falando de realidades que desconheço inteiramente, como a vida na China ou no Japão ou no Líbano ou o que for. Só quis explicar que não sou profundo conhecedor das origens do rock, e portanto vou ter que fazer umas pesquisinhas para ver até que ponto vai a veracidade da história contada neste Cadillac Records.

         Tudo começou com o blues e o gospel

Claro, há algumas informações que são básicas. É básico que tudo começou com o blues, feito pelos negros, os descendentes de escravos do Sul racista, segregacionista, rural. Levado para o Norte, para as grandes metrópoles, como Chicago, especialmente a partir dos anos 40, o blues se eletrificou; em vez de ter só voz e violão, como no Sul, passou a ter guitarra eletrificada, gaita amplificada, baixo eletrificado. Aí virou rhythm’and’blues. Aqui e ali havia também a influência do gospel, dos spirituals, a música ligada à religião. Daí, do blues, do rhythm’and’blues e mais o gospel, sairiam todos os ritmos da música negra, o rock’n’roll inclusive, e depois o soul, e depois o hip-hop e o rap e o escambau.

O filme mostra tudo isso – sem didatismo, na verdade até num ritmo muito rápido, alucinante. É informação demais que ele passa. Como fio condutor, os roteiristas colocaram como narrador exatamente Willie Dixon, o compositor (interpretador por Cedric The Entertainer). E ele diz que tudo aconteceu basicamente devido a dois sujeitos: Muddy Waters (Jeffrey Wright, na foto), o cantor e compositor que saiu do Mississipi com seu violão – depois de fazer uma primeira gravação para o pesquisador Alan Lomax, que eu conhecia por causa das suas pesquisas com o folk branco – e, em Chicago, se eletrificou, e Leonard Chess, ou simplesmente Len (Adrien Brody), um judeu polonês de visão e faro apuradíssimos que criou a gravadora Chess Records, bem no meio de um bairro negro de Chicago. Foi na Chess que todo esse povo citado acima (os negros, bem entendido) fez suas primeiras gravações e estourou nas paradas de sucesso.

         Foi Chuck Berry que primeiro integrou as platéias brancas e negras

É muita informação junta. Mas o filme não se limita a despejar uma quantidade absurda de informação, e de defender a tese de que o rock’n’roll é negrinho, negrinho, sem um riff de guitarra branco. Ele defende também a tese de que foi o rock de Chuck Berry (interpretado pelo músico Mos Def) o responsável pela primeira integração de platéias brancas e negras em diversos Estados onde a lei estabelecia a segregação. E também pela primeira interseção da música negra com a música branca nas próprias paradas de sucesso. E disso eu sempre soube: até os anos 50, até exatamente o período mostrado no filme, havia as listas de sucessos de música negra e as listas de sucessos de música branca, as rádios que tocavam música negra e tocavam música branca, tudo separadamente, segredadamente, apertheidamente.

Foram os artistas negros que gravaram para o judeu Len Chess que promoveram a integração, a interseção desses dois rios que antes corriam paralelos, não se tocavam. Esta é a tese do filme, a segunda tese.

É muita informação – e ainda tem as tramas das vidas pessoais desse povo todo. Muddy Waters é mostrado como um mulherengo incorrigível, que sempre voltava para sua mulher, a qual tolerava sua infidelidade com estoicismo. Little Walter (Columbus Short) era um gaitista tão absolutamente fantástico como um doido de pedra, agressivo, violento, e que depois de velho viciou-se na cachaça e na heroína, ao mesmo tempo. Howlin’ Wolf (Eamonn Walker) também era um tipo violento, que se sentia dono dos músicos que tocavam com ele. Chuck Berry não conseguia viver sem comer uma moça branca.

Len Chess (foto) é mostrado como um produtor perfeito: deixava correr solto quando sentia que a música poderia fazer sucesso, mesmo que fosse fora dos padrões até então conhecidos; e interferia nas horas certas, para pedir mais paixão, mais entrega numa determinada interpretação. Como patrão, era uma figura quase ditadorial, ao mesmo tempo que paternalista: administrava como bem entendia as fortunas que aquelas pessoas – vindas em geral das camadas mais pobres – ganhavam. Apaixonado por Cadillacs, presenteava-os com carros quando achava que era o caso. E, quando achava que era o caso, pegava dinheiro de um para dar para outro.

O filme se apaixona por Etta James – ou pela estrela Beyoncé

Quando surge a cantora Etta James, lá pela metade da ação, o filme se apaixona perdidamente por ela. Quando ela canta, canta a canção inteira – enquanto, na hora dos outros, vemos apenas trechos das músicas. Talvez Etta James tenha sido realmente uma força poderosa, uma coisa magnética – o filme insinua que Len Chess teve uma imensa paixão por ela, e ela teve uma imensa paixão pela heroína, que quase destruiu sua carreira e sua vida. Mas fiquei pensando com meus botões se essa importância toda dada à personagem da cantora não teria sido uma exigência da estrela Beyoncé Knowles (foto abaixo) – que, além de ser uma superstar no momento, é também uma das produtoras executivas do filme.

Não que o filme perca com isso. A cantora revela-se, no filme, uma boa atriz.

         O que diz quem entende muito do assunto

Bem. Até aqui, vim sozinho, com minhas impressões e meu conhecimento apenas. Agora vou dar uma pesquisadinha.

O verbete sobre a Chess Records na Penguin Encyclopedia of Popular Music não desmente nada do que o filme mostra; ao contrário, ratifica as informações do filme. Há apenas um detalhe não mostrado no filme: na verdade, Len Chess tinha um irmão, Phil, e os dois foram sócios em todos os negócios. O filme deve ter excluído Phil para simplificar um pouco a história – já era informação demais, como já disse e repeti aqui.

Está lá uma informação bem interessante: “a primeira tiragem do segundo disco de Muddy Waters, “I Just Can’t be Satisfied”, em 1948, esgotou-se no dia do lançamento, sem que uma única cópia tivesse sido distribuída fora de Chicago”. Uau, sucesso é isso aí. A música aparece no filme, mas não deu tempo de dar essa informação que os ingleses da Penguin apresentam na enciclopédia.

Hum… Já a crítica do AllMovie… Cacildabecker, nunca tinha visto uma crítica tão feroz no AllMovie. Eles enumeram erros históricos, factuais – exatamente o que eu não saberia fazer com meus parcos conhecimentos. Lembram que Chess tinha um irmão, que não aparece no filme; dizem que o filme não explicita, não deixa claro que Chess era um tremendo mau caráter que nunca pagava o que devia aos músicos. Ué, mas isso está muito bem mostrado no filme. Reclamam que diversos outros artistas importantes que gravaram para a Chess Records não aparecem no filme – Bo Diddley, Gene Ammons, Buddy Guy, Otis Rush. Mas, diabo, pois se o filme já tem informação demais…

Depois reclamam que o filme não deixa claro exatamente por que a música feita por aqueles artistas era tão boa – no filme, o que aparecem não são as gravações originais, e sim gravações feitas agora, pelos atores que interpretam os artistas. Depois reclamam que, ao mostrar muitos personagens, o filme acaba não criando bem nenhum deles. Ué, primeiro eles reclamam que há gente que não aparece no filme, depois reclamam que tem personagem demais…. Depois descem o pau na Beyoncé Knowles, dizendo que ela tem uma interpretação pavorosa, criada de forma tal que permita que ela concorra ao Oscar para o qual sequer foi indicada por Dreamgirls, o filme de 2006 que contava a história das Supremes dando a elas outros nomes. Ao contrário do que sempre acontece, não é uma pessoa que assina a crítica – o texto é assinado “by All Music Guide”. Estranho.

Acho que o AllMovie pegou pesado demais. Tudo bem, não é um grande, extraordinário filme, mas é bom, bastante bom. E acho que ele serve muito bem para dar uma boa visão geral desse mundo que focaliza. Tudo bem, concordo, há informação demais, conforme disse e repeti várias vezes – mas acho que é um filme muito mais interessante, por exemplo, do que Dreamgirls.

Bem, mas eles sabem bem mais do que eu.

Cadillac Records

De Darnell Martin, EUA, 2008

Com Adrien Brody (Leonard Chess), Jeffrey Wright (Muddy Waters), Gabrielle Union (Geneva Wade), Beyoncé Knowles (Etta James), Columbus Short (Little Walter), Mos Def (Chuck Berry), Cedric the Entertainer (Willie Dixon), Emmanuelle Chriqui (Revetta Chess), Eamonn Walker (Howlin’ Wolf) 

Roteiro Darnell Martin

Fotografia Anastas Michos

Música Terence Blanchard 

Produção Sony Music Film

Cor, 108 min

***

3 Comentários para “Cadillac Records”

  1. Cara, assisti esse filme da metade pro fim, acho que por isso pensei que era sobre Etta somente. Vou ve-lo do começo e tenho certeza que vou gostar… Mas não tenho dúvida, mesmo sem ver o começo, que a partir de Etta James o filme arrepia. Bom a metade que assiti já valeu…

  2. meu esse filme!!!!! e realmente para ensinar como se faz musical,
    Recomendo para estudantes de musical e também para que não estuda, muito bom,

    Valeu!!!!!

  3. Assisti esse filme e mudei a minha opinião sobre a origem do rock, e um filme que tem que ser assistido com cautela pra não se fazer julgamentos precipitados,agora a de se convir que de 40 a 50 tem muita coisa para se mostrar sobre o rock os roteiristas se limitaram até a fase de Elvis Presley,sou músico profissional e fiquei satisfeito de como foi contada a historia mas faltou se falar do skifol que era o branco tocando música negra e outras influencias daquela época,mas recomendo o filme e muito valido como documento histórico.

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