Istambul / Istanbul e Cingapura / Singapore


Nota: ★★★½

 Anotação em 2009: Eis aí dois filmes da época de ouro de Hollywood, um de 1947, o outro de 1956, que aparentemente são bem pouco conhecidos, e no entanto são muito interessantes. Reúnem romance, aventura, mistério, crime – e tentam recriar o clima de Casablanca.

Deve seguramente haver poucas pessoas nascidas depois de, digamos, 1977, o ano do primeiro Star Wars de George Lucas, que viram Istambul, o de 1956, ou Cingapura, o de 1947. Os dois contam exatamente a mesma história, apesar da distância geográfica, cultural, histórica e social e tudo o mais entre as duas cidades que dão os seus títulos. Mas isso não é de se estranhar: para Hollywood e seu cinemão, Istambul, Cingapura, Manaus, Kinshasa, Casablanca, Nairóibi, Cabul, Montevidéu, Karachi, Caracas, whatever, o que for, é tudo a mesma coisa: cidades estranhas, de mundos exóticos, esquisitíssimos, de usos e costumes muito diferentes daqueles da Main Street das cidades americanas todas, umbigo do mundo.

Ih, acho que tergiversei um pouquinho. 

Então vamos lá, tentando outra vez.

A trama básica dos dois filmes é a mesma; há algumas diferenças importantes no roteiro, mas não são muitas. A estrutura é bem semelhante; a refilmagem aproveitou vários trechos dos diálogos de forma literal – e os diálogos são bons, pontuados por várias frases inteligentes, bem sacadas. Muitas cenas são praticamente idênticas. É interessante ver e comparar os dois – eles foram lançados juntos em um único DVD pela ClassicLine. 

         Istambul

IstambumEm Istambul, a ação se passa nos dias atuais, ou seja, da época em que o filme foi feito, 1956; o filme – em cores – abre com tomadas aéreas da cidade esplendorosa, junto das águas do azul mais vivo que se pode imaginar do Bósforo. Em um moderno avião, um desagradável casal americano conversa – a mulher fascinada pela visita à cidade famosa, com suas 444 mesquitas e séculos e séculos de história, o sujeito entendiado, sem se interessar por nada daquilo. Ao lado do casal está o protagonista, Jim Brennan, interpretado por Errol Flynn, um dos maiores astros do cinema americano nos anos 30 e 40.

Jim Brennan, ao contrário do casal ao lado de que viaja, conhece bem Istambul. Está voltando à cidade após cinco anos de ausência. Piloto, excelente ficha por bons serviços prestados às forças armadas americanas durante a Segunda Guerra, já teve seu próprio avião, com o qual transportava carga por toda a Europa, Ásia e África. É um homem do mundo.

O espectador fica sabendo disso tudo porque, ao desembarcar, Jim Brennan será levado a um inspetor da polícia alfandegária turca, Nural (John Bentley), e o policial lê a ficha que possui do americano. Vê-se que os dois se conhecem muito bem, e que o inspetor Nural desconfia que Jim voltou a Istambul para reaver preciosas jóias.

Todos reconhecem Jim Brennan quando ele chega a um elegante hotel, onde também se hospedará o casal de americanos que viajou com ele. Logo depois de ser muito bem tratado na recepção, ele vê o bar do hotel, e vai até lá. Pára junto de uma determinada mesa, com a expressão de quem tem fortes, ótimas recordações do lugar; senta-se, e, quando o garçom pergunta se ele quer tomar algo, pede duas vodcas. A câmara, do alto, focaliza a mesa; sobre a imagem dela, sobrepõe-se a de um ventilador de teto. Sabemos perfeitamente que virá aí um flashback – era assim, na linguagem do cinema dos anos 50.

Vem o flashback.

Cornell BrochersJim Brennan está sentado àquela mesma mesa, cinco anos antes, diante de uma mulher linda, olhos verdes maravilhosos – Stephanie Bauer, uma alemã que perdeu toda a família na Segunda Guerra. Os dois estão absolutamente apaixonados – como Rick e Ilsa na Paris logo antes da guerra, em Casablanca.  E a bela atriz que interpreta Stephanie Bauer, a alemã Cornell Borchers, faz lembrar um pouco Ingrid Bergman, o corte de cabelo é semelhante, até as maçãs do rosto são semelhantes.

Para aumentar a semelhança com Casablanca, há um cantor, e uma canção. O cantor é Danny – interpretado por Nat King Cole –, um nova-iorquino que conhece bem Jim, e, ao piano do bar, canta para ele e sua amada When I Fall in Love, aquela maravilha. O verde dos olhos de Stephanie rebrilha, como os de Ilsa ao ouvir As Time Goes By.

Jim e Stephanie estão para se casar. Jim vai à joalheria de Aziz, um velho conhecido seu – ele conhece muita gente ali –, para comprar algo muito especial para dar de presente de casamento a Stephanie. Aziz está agitado, suspeitando de algo, os olhos sempre voltados para a porta da loja; pergunta a Jim se poderia pedir um favor a ele, Jim diz que sim, é claro. Aziz vende para ele, a preço de banana, um belo bracelete, espesso, largo. De volta a seu hotel, Jim abre o bracelete e descobre dentro dele um punhado de diamantes valiosíssimos.

Estamos, aqui, com uns 15 minutos de filme. O flashback vai continuar por mais cerca de meia hora; entrarão em cena bandidos, caçadas, perseguições, lutas, mistério. Ao fim do longo e único flashback, ali pelo meio do filme, ou só um pouquinho mais que isso, a ação retornará para os dias então atuais, 1956. A trama prossegue ótima, rica, cheia de elementos, surpresas. Não há nada solto; o tal desagradável casal de americanos não está ali à toa, tem importância no desenrolar da trama.

         Cingapura. E Istambul de novo

CingapuraNa versão anterior da história, Cingapura, feita nove antes, em 1947, em glorioso preto-e-branco, o protagonista, em vez de aviador, é um marinheiro, Matt Gordon, interpretado por Fred MacMurray. Mudam o nome, a profissão, e mais um detalhe fundamental que não dá para revelar para não estragar, mas, de resto, é tudo muito parecido. Matt Gordon é um homem do mundo; teve seu próprio barco, com o qual ganhava a vida; na Segunda Guerra, foi um ótimo oficial da Marinha, tem bela ficha de serviços prestados.

O filme começa exatamente como começaria a refilmagem; ao lado de um casal americano que não se entende muito, no avião que chega a Cingapura, está Matt Gordon. Está voltando ao lugar depois de alguns anos. Ao desembarcar, é levado a um inspetor da polícia alfandegária local; vê-se que os dois se conhecem muito bem, e que o inspetor desconfia que Matt voltou a Cingapura para reaver preciosas pérolas.

A chegada ao hotel também é bem parecida com a de Istambul. Há uma mesa no bar do hotel, e há o flashback no mesmo ponto. A mulher por quem Matt havia se apaixonado perdidamente no passado, ali mesmo, em Cingapura, é uma americana deslumbrantemente linda, até mesmo no nome: Linda Grahame, na pele de Ava Gardner, o animal mais belo do mundo.    

AvaOs dois filmes têm muito em comum, além do fato de contarem a mesma história, escrita por Seton I. Miller (1902-1974), autor de quase 70 roteiros de filmes de Hollywood. Miller participou da elaboração do roteiro dos dois filmes – o que mudou foi o co-roteirista. Os dois diretores, John Brahm, de Cingapura, e Joseph Pavney, de Istambul, não estão entre os mais considerados do seu período e local de trabalho, mas a produção dos dois filmes é rica, cuidadosa, e cada um tem um grande astro da época no papel principal; Cingapura ainda tinha a vantagem, em termos de bilheteria, de ter Ava, já uma estrela maior em 1947, enquanto Cornell Borchers, a bela atriz de Istambul, não chegou a ter grande fama internacional; a imensa maior parte de seus 21 filmes foi feita na sua Alemanha natal, no pós-guerra, a partir de 1949. No cinema americano, além de Istambul, fez Nunca Deixei de te Amar/Never Say Goodbye, ao lado de Rock Hudson, e Ilusão Perdida/The Big Lift, ao lado de Montgomery Clift; ela abandonaria a carreira em 1959, aos 34 anos de idade.

Nenhum dos dois – nem Cingapura, nem Istambul – foi sucesso de crítica ou de público, embora sejam bons filmes.

Cada um reflete o seu tempo, é óbvio. Cingapura tem um tom mais amargo, mais desiludido, mais noir, realçado pela fotografia em belo preto-e-branco – um tom presente em muitos filmes do imediato pós-guerra, a segunda metade da década de 40. Istambul é mais luminoso, colorido, literal e figurativamente falando – era a época dos grandes épicos em Technicolor e CinemaScope, para concorrer com a televisão.

No finalzinho, bem no finalzinho, na última seqüência, os dois cometem uma grande tolice. Mas aí já valeu a pena ter visto todo o resto.

Istambul/Istanbul

De Joseph Pevney, EUA, 1956

Com Errol Flynn, Cornell Borchers, John Bentley, Nat King Cole

Roteiro Barbara Gray, Richard Alan Simmons, Seton I. Miller

Baseado em história de Seton I. Miller

Produção Universal

Cor, 84 min

***1/2

Cingapura/Singapore

De John Brahm, EUA, 1947

Com Fred MacMurray, Ava Gardner, Roland Culver, Richard Haydn, Spring Byington, Thomas Gomez

Roteiro Seton I. Miller e Robert Thoeren

Baseado em história de Seton I. Miller

Produção Universal

P&B, 79 min

***

4 Comentários para “Istambul / Istanbul e Cingapura / Singapore”

  1. Por enquanto eu só vi o Istambul, de 1957. Razoável, Errol Flynn em Final de Carreira ainda Sabia Atuar. A Participação Especial de Nat King Cole é Excelente na música: “When I Fall in Love”, foi de uma Rara Esperteza. E a atriz Cornell Borchers foi Talentosíssima.

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