Vermelho Como o Céu / Rosso Come il Cielo


Nota: ★★★☆

Anotação em 2008: Vermelho como o Céu abre com um grupo de crianças brincando de cabra-cega, numa belíssima, idílica paisagem rural. Letreiros informam ao espectador que a história que está começando se baseia em fatos reais, e que estamos na região da Toscana, em 1970. Nos cinco primeiros minutos do filme, antes da apresentação, os créditos iniciais, haverá uma tragédia.

A tragédia acontece com o menino Mirco (Luca Capriotti), dez anos de idade, filho único de um casal que nos é apresentado com grande simpatia pelo diretor – gente pobre, trabalhadora, honesta, pai (Francesco Campobasso) com atividade política, leitor do L’Unità, jornal oficial do PCI, o maior partido comunista que já houve no Ocidente.

(Isso tem importância na história; não é fundamental, mas haverá referências à política ao longo do filme, e é por isso que citei o fato. E também para mais uma vez expressar meu ponto de vista de que, para o cinema italiano, gente boa é necessariamente gente pobre, trabalhadora, de esquerda; quem tem mais do que salário para satisfazer as necessidades básicas é gente em geral corrupta, ou no mínimo angustiada, infeliz.)

Mirco sobe num banquinho, tenta pegar a espingarda que fica pendurada no alto da parede da cozinha de casa; perde o equilíbrio, cai, a arma cai junto, dispara – Mirco fica praticamente cego. Ainda não temos dez minutos de filme.

zzrosso1Quando, com uns 20, 25 minutos de filme, Mirco está numa escola para garotos cegos em Gênova, sofrendo absurdamente, e tendo um comportamento errático e destrutivo como forma de expor sua revolta contra o destino trágico, confesso que pensei em desistir do filme.

Não porque o filme fosse ruim – ao contrário, o filme demonstrava muito talento, uma narrativa direta, sem firulas e invencionices, e uma atuação excepcional dos atores todos, em especial dos garotos que fazem Mirco (Luca Capriotti), sua amiga Francesca (Francesca Maturanza) e seu primeiro amigo na escola, Felice (Simone Gulli) – a ironia da escolha do nome, Felice, feliz. Mas porque pensei em fugir de uma história trágica demais, doída demais.

Mary, sempre mais esperta que eu, lembrou que a história não seria uma tragédia – se eram fatos reais que valeram virar um filme, seria necessariamente uma história positiva, uma história de sucesso, de superação.

E de fato é isso mesmo – uma bela, dura, pesada, triste, trágica história de uma dor imensa, somente superada pela sensibilidade e pelo talento do garoto Mirco.

A história de Mirco acabaria sendo importante para a grande História: saberemos, por letreiros apresentados ao final do filme, que em 1975, cinco anos após o início da ação, a legislação italiana foi alterada, para permitir que cegos não fossem confinados a escolas especiais, e pudessem ser aceitos nas escolas públicas normais.

Esta questão – qual é a melhor forma de educar crianças com necessidades especiais, se em escolas específicas para elas, ou se em meio a garotos “normais”, “saudáveis” – é extremamente complexa, polêmica, como Mary comentaria depois que o filme terminou. O filme, de qualquer forma, toma partido da segunda tese, e a saúda.

É um belo filme, sensível, extremamente bem feito – e que não tem nenhuma vergonha de emocionar o espectador.

Mirco Mencacci – a pessoa real em que a história do filme se inspira – seria, na maturidade, um dos mais respeitados engenheiros de som do cinema italiano.

Se fosse um filme americano, é bem provável que tivesse sido pichado como sentimental, ou sentimentalóide. Como não é, teve 11 prêmios, inclusive o do público na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O diretor Cristiano Bortone é um jovem nascido em Lazio, em 1968, e este foi seu sétimo longa-metragem.

Vermelho Como o Céu/Rosso Come il Cielo

De Cristiano Bortone, Itália, 2006.

Com Luca Capriotti, Simone Gulli, Francesca Maturanza, Simone Colombari, Francesco Campobasso

Roteiro Cristiano Bortone, Paolo Sassanelli e Monica Zapelli

Produção Orisa. Estreou em São Paulo 20/4/2007

Cor, 96 min

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