O Xangô de Baker Street


Nota: ★★★½

Anotação em 2007, com complemento em 2008: Eis aí uma ótima, uma grata surpresa. Eu não tinha idéia de que tinha sido feito esse filme – não me lembro de ter lido sobre ele na época do lançamento, 2001, ou início de 2002.

Fui atrás do filme depois de ler o livro de Jô Soares – um livro gostoso, bem escrito, cheio de belas sacadas, para o qual há que se tirar o chapéu. Cada vez mais chato, egocêntrico, intolerável no programa de entrevistas, em que fala mais que os entrevistados, Jô Soares estreou com brilho na literatura. Tudo indica que ele fez (ou, no mínimo, coordenou) um belíssimo trabalho de pesquisa sobre o Rio de Janeiro do final da monarquia – a ação se passa em 1886, dois anos antes do fim da escravidão e três antes da proclamação da República.

O texto é agradável, agradabilíssimo. A trama é uma belíssima sacada. Criar um serial killer na capital do império, com ligações com figuras históricas (desde Dom Pedro II e a imperatriz até Chiquinha Gonzaga e Olavo Bilac, passando por Sarah Bernhardt), adicionar Sherlock Holmes e o dr. Watson, e envolver a todos na mesma trama é um achado brilhante. Gozar Sherlock, e mostrá-lo como um bobão que só faz deduções erradas e não resolve os casos, além de ser um desastre com as mulheres, também é uma delícia.

E ele ainda aproveita para usar diversos casos reais e coisas do imaginário popular no meio da narrativa – um pouco como o ótimo Marvada Carne aproveitou diversas lendas populares brasileiras e fez um compêndio delas. O autor bota na história dele a história do cavalo Filho da Puta, num episódio hilariante; faz o dr. Watson criar a caipirinha; bota candomblé e capoeira na trama. Uma beleza. E o final – o final é uma belíssima sacada.

 É uma daquelas tais coisas que eu falo sempre: se tivesse sido escrito por alguém do Primeiro Mundo, seria best-seller mundial; como foi feito nesta língua bárbara, na periferia do mundo, faz, no máximo, algum sucesso por aqui mesmo, e só.

Pois o filme que Miguel Faria Jr. fez com base no livro de Jô Soares, uma co-produção com Portugal, é um bela obra. Li em algum lugar que a história fica incompreensível para quem não leu o romance. Isso é uma bobagem. Está tudo lá, e está tudo muito bem feito – roteiro, cenografia, fotografia, figurinos, direção de atores, tudo.

Foi uma grande sacada a escolha de Joaquim de Almeida, um dos mais conhecidos atores portugueses da atualidade, para fazer o Sherlock Holmes, já que, na história, Sherlock fala português com sotaque luso, por ter passado uma temporada em Macau. Watson é feito por um ator de língua inglesa, Anthony O’Donnell, e a bela e talentosa Maria de Medeiros, com um francês impecável, está uma ótima Sarah Bernhardt.

Não consigo entender por que este filme não foi um imenso, avassalador sucesso de público. Será que o público que gosta de cinema brasileiro prefere de fato as angústias de O Céu de Suely a uma diversão tão gostosa e competente como esta?  

O Xangô de Baker Street

De Miguel Faria Jr, Brasil-Portugal, 2001.

Com Joaquim de Almeida, Anthony O’Donnell, Maria de Medeiros, Letícia Sabatella, Cláudia Abreu, Cláudio Marzo, Jô Soares

Roteiro Marcos Berstein, Miguel Faria Jr. e Patrícia Melo

Baseado no livro homônimo de Jô Soares

Fotografia Lauro Escorel       

Direção de arte Marcos Flaksman

Música Edu Lobo

Cor, 124 min

***1/2

4 Comentários para “O Xangô de Baker Street”

  1. Gosto da sua personalidade e independência nas opiniões, mas XANGO é um filme bem medíocre por causa do diretor e do roteiro, que é fiel demais ao fraco livro de Jô Soares (brilhante em outras áreas, mas não em literatura). Creio que você deve ter se impressionado com o ótimo elenco (embora não muito bem aproveitado) e a competente reconstituição de época (o filme tem, realmente, um nível de acabamento raríssimo em filmes brasileiros).

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *